OCEANO PACÍFICO: Talvez por ser Páscoa e 2h da manhã, a jornalista da SIC-Notícias que escreveu a peça, achou que a coisa poderia passar. Ou então acredita. Enquanto mostravam imagens de manifestações de japoneses contra a participação do seu país na manobra militar no Iraque, uma vozinha da SIC-Notícias dizia o seguinte: "O Japão tem fortes correntes pacifistas desde que foi atacado com duas bombas nucleares". Sem mais nem menos.
Um puto de treze anos que esteja a ver TV deve ter perguntado ao amigo ou ao pai, quem lançou as bombas sobre os pacatos japoneses. "Os americanos, claro", respondem-lhe. Claro. Os americanos. Quem mais haveria de lixar povos pacíficos no outro lado do mundo? Maravilhas da tradição oral.
PENSAMENTO POLÍTICO PROFUNDO: O de Fausto Bertinotti, convidado da festa/baile/rave/comício/quermesse/conferência, do 5º aniversário do Bloco de Esquerda: "...para enfrentar o novo capitalismo é preciso uma nova língua que incorpore o apelo dos indígenas, dos homossexuais, das lésbicas, dos presos, dos palestinianos".
E os manetas e os mudos, man, essas vítimas consagradas do capitalismo neo-liberal, não têm direito à vida?
posted by FNV on 7:56 da tarde
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LAGOSTA À LENINE EN CROUTE DE CONFIT CARAMELIZADO: Vamos ao Expresso de hoje, na página 9. A meio de uma inocente peça sobre o cartão vermelho, que a esquerda pretende mostrar ao governo nas eleições europeias, e sobre o Bloco de Esquerda, diz às tantas, o jornalista: "O principal problema de Miguel Portas será a abstenção: o BE depende como nenhum outro de um eleitorado de classe média alta com capacidade financeira para responder ao apelo do fim de semana alargado. Significativamente, Miguel Portas estará este fim-de -semana no Algarve, junto desse eleitorado." O autor deste parágrafo demonstra estar muito bem informado sobre as rotas algarvias do BE, mas eu tenho dúvidas. Bem sei, toda a gente sabe, que o eleitorado actual do BE se divide em dois grandes grupos: o dos tios que leram Balibar e Althusser na juventude, mas que agora só lêem o manual de instruções do Mercedes, e o grupo de jovens intelectuais universitários ou profissionais liberais, activos mas remediados. O primeiro grupo costuma na vida real, ajudar o segundo: compra-lhes o Hyundai, reforça-lhes a bolsa de doutoramento, auxilia-os nos divórcios, toma-lhes conta dos filhos quando eles vão jantar ao Kais.
O primeiro grupo talvez esteja este fim-de-semana no Algarve, a preparar as europeias, mas o segundo, ao qual pertence por exemplo, o nosso estimado (aqui no Mar Salgado) Daniel Oliveira do Barnabé (link na coluna da direita), passa a Páscoa a esfalfar-se; no blogue, pretendendo demonstrar dialécticamente, tanto a cientificidade da matriz revolucionária do 25 de Abril, como o fim da religião católica. Estão de lado, em todo o lado, estes ladinos.
posted by FNV on 7:23 da tarde
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AR DO TEMPO: Tinha acabado de ler, por obrigação da minha actividade docente, o Sexo & Negócios, ( 2000 no original, 2003 para a edição portuguesa da Vida Económica) da entediante e famosa Shere Hite, quando me aterrou no gabinete um caso típico de assédio sexual. Já conhecia a rapariga, pois tinha-a tido em psicoterapia ligeira, durante algum tempo, e de certa forma surpreendi-me: ela, solteira e dedicadíssima ao trabalho e à formação profissional (estuda para acabar a licenciatura), sempre denotara uma mistura de garra, frieza, alguma agressividade mesmo. Primeiro preconceito a ir para o brejo.
De tão banalmente perfeito, o episódio parecia retirado de uma reportagem sobre assédio sexual. Ela com 26 anos, ele, o chefe, com 58. A situação laboral dela tem sido matizada pelos seus pedidos insistentes para que o chefe desbloqueie a sua subida na categoria profissional. No espaço físico em que trabalham, estão sózinhos. De início insinuações sistemáticas sobre a necessidade de terem um dia um jantar a sós para falar com mais calma de coisas do trabalho. Pelo meio, olhares fixos no corpo da subordinada, a qualquer hora do dia, mas sobretudo de manhã, pela entrada no escritório. No final, a gota de água: um dia passa por ela e puxa-lhe a alça do soutien. A reacção da rapariga é deliciosa: "levantei-me, virei-me para ele e disse-lhe - Com todo o respeito, isto é demais!"
Sentada à minha frente, não descortina o enlevo que me causa esta esta descrição, o "respeito" não era para ali chamado. A culpabilidade, ronceiramente previsivel, não falha: " concerteza que fiz alguma coisa mal, devo ter falhado em alguma coisa, não sei".
Shere Hite, no seu livrinho repleto de estatísticas, diz que estas situações se devem essencialmente à sexualidade da família tradicional. Como qualquer fanática da cartilha pós-moderna, Hite defende que a estrutura tradicional induz sentimentos de superioridade e agressividade masculina sobre o sexo oposto. As mulheres, por seu lado, terão sido ensinadas a conseguirem o que querem através de uma suposta sedução submissa. Se leram Engels e Reich, percebem ( pós-modernidade, my ass...).
Como sempre, pobre alma desactualizada, encaro estas coisas com mais simplicidade. O velho chefe, com uma provável vida sexual tão interessante como um discurso de Jorge Sampaio, convive diáriamente com uma mulher jovem, inteligente e razoávelmente ( apenas...) apresentada. Não lhe conhece marido ou namorado, ela é gentil para com ele, faladora e despachada. Porventura pensa nela todas as noites, já não sabe o que fazer: tenta a sua sorte. Ela, "com todo o respeito", põe-no no seu lugar. Ponto final, a vida continua.
Assédio sexual? Quem é que pensou, quando as mulheres inundaram os locais de trabalho exteriores à vidinha doméstica, que os sexos se iriam entreter a jogar dominó?
DISTÚRBIO SAZONAL: Abril é um mês terrível. Parte-se ao meio, entre o gelo da manhã e calor de Maio, genitalmente dedicado às inflorescências. Abril é uma cadela com cio: ora vai à praia e ao campo, ora fica em casa entretido com um arroz de forno e um folar fermentoso. Março também não é melhor. É demasiado próximo.
Depois, a suposta alegria primaveril e os basbaques que procuram o primeiro sol. Indigentes, que ignoram que é o sol de Inverno, o único, o verdadeiro resistente à noite e à memória.
posted by FNV on 9:41 da tarde
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SOL: Fazendo fé nas notícias, é o que os portugueses procuram nesta Páscoa, aproveitando uns dias no Algarve. Esta escuna também alimenta a estatística com parte da tripulação a rumar a Sul. Pelo que o mar salgado estará tendencialmente flat até ao próximo Domingo.
posted by Neptuno on 1:00 da manhã
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IF: 20 anos de fracções íntimas_da música recatada dos búzios_a if já subiu para além do éter_acolhida numa rede mais fina_mais intensa_mais resistente_um centro_uma concha azul_irradiando milhares de cordões_nós somos as pontas_e continuamos_aqui_parabéns francisco
ABDUL-KARIM SOROUSH: Entendo mais interessante encontrar interlocutores livres do que querer matar todos os terroristas ou negociar com alguns. Por tal, aguardo o dia em que o Parlamento Europeu atribua o Prémio Shakarov a Abdul-Karim Soroush. Segue-se uma pequena apresentação do personagem e os motivos da minha esperança.
Soroush nasceu no Irão em 1945, estudou ciência e religião, mistura sempre interessante, e em 1973 vai para Inglaterra investigar quimica analítica e história das ciências, contactando com a obra de Popper, Quine, entre outros. Em 1980, com a revolução ainda quente, Khomeini oferece-lhe um lugar de sage, mas Soroush depressa se desilude com o dogmatismo da escola de Qom: as ciências sociais são desvalorizadas, as mulheres impedidas de aceder à universidade, enfim, o cortejo esperado. Sobrevivendo no seu departamento de Filosofia da Ciência da Universidade de Teerão, torna-se figura de proa da ala ultra-liberal do regime, o que lhe vale assédio policial regular e mesmo a prisão, durante cinco meses, em 2002. Khatami, um velho amigo, deu-lhe ainda alguma esperança, mas o jogo de equilibrios internos da política iraniana depressa o fez assentar os pés no chão: Soroush exila-se, e vive hoje, literalmente, na Universidade de Princeton, onde ensina e escreve.
Mais radical na proposta de abertura do Islão do que Mojtahed Shabestari, o projecto de Soroush é uma tentativa carregadinha de heresia histórica (para os sunitas) de reconciliar o Islão actual com a modernidade. A heresia prende-se com o facto de Soroush perfilhar uma antiquíssima tradição intelectual islâmica, a escola dos Mu'tazilites. Os Mu'tazilites, sobretudo no período 827-848 foram o embrião de uma escola liberal da filosofia e ciências árabes, herdeiros dos textos gregos, que acreditavam que a justiça não derivava de Deus, antes orientava as acções de Deus. Esta escola manteve-se mais ou menos viva ao longo dos séculos, e é particularmente irritante para o Islão oficial: Uma acção não é boa ou má porque Deus o queira ou proiba, Deus decreta-a ou proibe-a precisamente porque ela é boa ou má. O velho dilema socrático do Êutifron - existem valores morais objectivamente bons - inspira esta concepção da moral independente de Deus. Soroush ensina hoje nos seus seminários, que apenas a razão pode permitir aos muçulmanos distinguir entre o Bem e o Mal.
A reconciliação do Islão com a modernidade é obviamente um projecto perigoso para o Islão radical, mas não na sua versão tecnológica da morte ou da indústria. Já há muito anos Eisenstadt explicava que os fundamentalismos têm uma relação selectiva com as esferas da modernidade. Soroush entende que o que os muçulmanos conservadores temem é uma secularização que repousa nos direitos individuais do homem: direito de aprender, de pensar, de trabalhar, de agir. Estes direitos conduziriam o muçulmano a uma nova compreensão da subjectividade humana, fundada nas noções de actores livres e racionais. A linguagem do direito, assim entendida, afronta a linguagem da Fiqh, a jurisprudência muçulmana, que repousa essencialmente na noção de dever.
Soroush (como outros moderados) tem muitos seguidores (*), mais ou menos clandestinos, no mundo islâmico. Premiá-lo, dar-lhe visibilidade, valeria por certo mais do que muitas declarações de guerra, e estaria mais de acordo com o espírito de Toledo.
*: Ver a www.etudesmusulmanes.com, ou a www.dsoroush.com/english/on ou ainda o excelente artigo de Mahmoud Sadri, Sacral defense of Secularism: The Political Theologies of Soroush, Shabestari, and Kadivar, in International Journal of Politics, Culture and Society, Vol. 15, No2, Winter 2001.
DIÁLOGO IV: Sempre achei um piadão àquele tipo de pessoas que chega a meio de uma conversa, quer meter a sua colherada e diz coisas completamente a despropósito. Isso provoca sempre momentos hilariantes, com frases desconexas, coisas sem sentido, outras de que ninguém estava a falar, é sempre muito engraçado, mesmo quando se deixa o assunto para quem sabe. De forma que, quer escreva hoje quer há vinte anos atrás, sempre seria incapaz de deixar passar uma oportunidade destas. Devo deixar bem claro que, se fosse há vinte anos atrás, acharia o mesmo do lunático que propusesse dialogar com Kadhafi o que acho hoje do lunático que quer dialogar com a Al-Qaeda. Mais, incomoda-me até que hoje se dialogue com Kadhafi (e meto no mesmo saco Arafates e outros do género), não obstante as suas leves alterações em termos de política (coisa que não apaga o passado, nem o presente dos familiares das vítimas). Nem fui visto aqui a defender Tony Blair (coisa que seria perfeitamente possível). Acontece que – não obstante não ser esse o tema da conversa anterior - compreendo que alterações, mesmo que pequenas, no tipo de política defendida (ou, mais concretamente, no apoio ao terrorismo) possam levar a que hoje seja defensável, importante e até contribua para a paz dialogar hoje com tipos como Kadhafi ou Arafat. Pode até ser que daqui a vinte anos seja defensável falar com criminosos como Bin Laden, hoje é que não é! Daqui a vinte anos, acaso Bin Laden leve na tromba como levou Kadhafi durante estes vinte anos e mude a sua maneirinha peculiar de pensar e de agir, pode até ser que a gente fale com ele. Agora não, agora nunca. Não se discute com facínoras terroristas, da mesma forma que não se dá leite a gatos vadios: nunca mais nos desamparam a loja. E se os gatos só chateiam, os terroristas matam. Parece-me simples, isto, para qualquer adolescente e mesmo para aquela esquerda que aparenta ter parado no tempo, quer essa paragem tenha ocorrido na fase adulta ou noutra qualquer da vida de uma pessoa.
No mais, e nem é pelo preço a que me ficam, devo confessar que nenhuma dieta me fará comer, hoje ou amanhã, os meus queridos sapatinhos. Sou selecto demais quanto à comida. Pode ser pouca e cozida, mas é boa.
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