MUDANÇA: O nosso médico de bordo regressou à nau em grande forma. E largou logo um libelo sobre a política de saúde actual que intitulou de "O óbvio". Pois a única coisa óbvia que eu vislumbrei no seu post foi uma sucessão de afirmações assentes em posições ideológicas que conduzem a uma conclusão enviesada.
O nosso TRM acaba como devia ter começado, concluindo que o Estado está em crise. Mas está em crise não por haver ou poder vir a haver lucro no negócio da Saúde (que horror !) nem por tal vil conceito se sobrepôr aos cidadãos. O Estado, ou melhor a gestão estatal da Saúde, está em crise porque o Estado não sabe gerir eficientemente, conduzindo a uma situação de défices acumulados no sector e incomportáveis num futuro próximo (como facilmente se vê). O fruto de cedências consecutivas aos interesses corporativos de médicos, enfermeiros e demais agentes do sector. O Estado, na Saúde como em muitos outros sectores, não consegue impor mecanismos de racionalização da sua gestão tão simples como a negociação de fornecimentos de bens e serviços em condições competitivas e adequadas às necessidades, a introdução de mecanismo de prémio ao mérito nas remunerações, na fiscalização do cumprimento das obrigações laborais dos seus funcionários ou até no controlo de eventuais sobre-prescrições médicas. Por isso, num momento de lucidez, o nosso TRM fala de poupanças nos hospitais SA.
O nosso TRM produz aliás afirmações assaz intrigantes no seu post. Ao contestar propostas de um grupo privado, afirma pereptoriamente que o encerramento ou concentração de hospitais com menos de 100 camas tem como objectivo o lucro e não o superior interesse das populações. Ora bem, eu pensava (porventura eradamente) que o «superior interesse das populações» era ter acesso a bons e eficientes cuidados de saúde, não ter hospitais com mais ou menos de 100 camas ou impedir que alguém tenha lucro ou seja legitimamente remunerado por um serviço que presta eficiente e rentavelmente. Pode até acontecer que esta medida faça sentido e tenha racionalidade económica e social nalguns locais e não noutros - lembro-me imediatamente por exemplo dos hospitais de Torres Novas, Abrantes e Tomar todos num raio de 40 km e construídos para satisfazer clientelas políticas locais, desbaratando milhões de contos (não é imediato, mas talvez a actual situação satisfaça os «superiores interesses das populações»).
Quanto à crítica da "anuência democrática dos cidadãos" gostava de mencionar que o governo cumpre o seu programa assente numa maioria parlamentar que saiu de eleições legislativas reconhecidas internacionalmente como limpas. E que o programa do maior partido da oposição nao é muito diferente (e com a nova liderança provavelmente quase igual). Mais "anuência democrática" é difícil.
Claro que o nosso TRM quer ter uma discussão em torno de jargões. Daí a menção à extinção do SNS. Poder-se-ia contra-argumentar que, ao garantir o acesso gratuito dos mais carenciados, e assegurando (por via privada ou através de novos modelos de gestão como as parcerias público-privadas) uma gestão mais rentável das unidades de saúde actualmente existentes, o Estado estaria afinal a salvar o SNS da sua falência próxima e certa. Mas a utilização destes dois argumentos - a extinção ou salvação - é mera retórica política para não discutir a vaca sagrada (o SNS).
Como a situação orçamental de há muitos anos para cá prova, está na altura de, também na Saúde, o Estado se concentrar em regular e fiscalizar e permitir a introdução no sistema de novos modelos de gestão e factores competitivos. Com esta evolução, lucraremos todos.
Não "vejo" menos jargão e menos frase-feita nesta resposta ao post anterior. Entretanto hoje foram anunciadas a criação de novos hospitais SA sem contudo se ter realizado um estudo consistente da sua necessidade e de avaliação das experiências já encetadas. Para quando um debate sério sobre a matéria?
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