UM GÉNIO REINVENTADO: Devido à distância, só agora tomei contacto com o novo trabalho do JP Simões, 1970. O título do disco refere-se ao ano do seu nascimento (que é também o meu). O JP é um dos melhores compositores de canções da minha geração, como os Belle Chase Hotel e o Quinteto Tati já mostravam e este álbum confirma plenamente. Obcecado nos últimos anos pela obra do Chico Buarque, JP Simões recorre a uma sonoridade luso-brasileira que já se intua nalguns trabalhos anteriores. O tom é de um balanço de vida a meio da mesma. De uma vida passada entre o Brasil, Coimbra e Lisboa. Conheço-o de Coimbra desde os bancos da escola, essa cidade que, nas palavras dele, é fetichista, vive agarrada a fantasmas, para os mortos. Acompanhei-o depois esporadicamente em Lisboa e por onde a vida nos tem levado (infelizmente, para mim, menos vezes do que gostava). Certo é que o JP Simões era, quando por lá andávamos (antes de irmos cada um para a sua vida) um dos maiores focos de vida, de criatividade e de inteligência. Ele e um certo grupo de gente que frequentava, mais ou menos regularmente, essa catedral da música que dava pelo nome de States (os que lá iam na segunda metade dos anos 80 sabem ao que me refiro). Numa cidade em que pouco havia para fazer, a música era uma espécie de refúgio. Sinal dos tempos e do progresso, o States é hoje um strip club. O disco é intimista, algo auto-biográfico - o homem está mais tranquilo, pai babado. 1970 é dotado de letras e canções fabulosas - o JP Simões é infinitamente mais talentoso como compositor do que como intérprete (isto vale sobretudo para cantor em estúdio. Em palco a coisa pia mais fino - é um animal de palco, um entertainer). É um disco surpreendente. Calmo, sereno. E pejado de ironia. Brincando com o conceito de geração - que ele equivale a solidão e diz referir-se a tudo aquilo que o gerou - o álbum tem um tom iconoclasta e provocador. É muito original e ousado - um disco com sonoridade brasileira cantado em português com sotaque deste lado do Atlântico. Quem acompanha o JP Simões dos tempos dos Belle Chase Hotel corre o risco de nem sempre se reconhecer neste novo registo. Mas essa capacidade infinita de se reinventar é uma das suas maiores qualidades. O JP Simões é assim. Genial e um desassossego.
P.S. - Para novidades sobre as actividades do JP Simões podem ir aqui. E aqui está um poema dele que em tempos aqui publiquei e de que gosto bastante.
O disco é magnífico. O JP, pelas músicas e pelas entrevistas que li e ouvi, encontrou-se. Já não é o entertainer boémio de cabaret dos Belle Chase Hotel (que tantas saudades me deixam). É o génio com Buarque, Zé Mário e um pouco de nós. Nasci dez anos depois do NMT e do JP. Mas apanhei ainda os ecos, a partir de 1993 desse mundo da States, do Moçambique... dessa Coimbra. Surpreendeu-me a forma tão clara como JP escreve neste disco... "A minha geração" e "O Meu Capitão" são para já as minhas favoritas do disco. Saudações do Mar do Sul da China!
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.