A reacção foi fortíssima. O paradoxo também: se a senhora era uma ilustre desconhecida, como é que tanta gente sabia tanta coisa má sobre ela? A resposta é simples: foram procurar. E foram procurar porque a personagem é interessantíssima? Como é que uma pessoa daquelas se torna numa personagem interessantíssima? Pois é.
A esquerda anquilosada ainda reflecte o culto da personalidade. Basta reparar no PCP e no BE: Comités para aqui e Mesas para acolá, mas vai-se a ver e Louçã e Jerónimo ( como antes Cunhal) são personalidades ultra-produzidas. Mais do que isso, são símbolos do partido que representam. Já o PS pode ter à frente coisas tão díspares como Soares, Guterres e Sócrates. Do PSD nem é bom falar. Graças aos deuses.
A direita autoritária produz o culto, mas esvaziado da ligação doutrinária. Salazar não é nem primo de Stroessner, Franco nunca usurparia Baptista. À direita, o verdadeiro culto da personalidade vem dos antecedentes socialistas. Hitler - e o seu Partido Nacional-Socialista - e Mussolini - director do
"Avanti!" em 1912 - executaram a performance como manda o figurino.
A reacção a Sarah Palin foi, portanto, típica da zona política que cultiva a personalidade ( a entronização de Obama na Europa, sobretudo por ser negro, é deliciosa: não existe um único político europeu de topo asiático, negro ou cigano). Assim, elevaram uma personagem menor - e quanto a mim francamente desinteressante - a um patamar disparatado. Essa manobra incluiu todos os ingredientes: diabolização, desqualificação, mitomania, ódio. Muito ódio.
Todos conhecemos a importância da manipulação das emoções básicas na adoração pessoal. É uma atitude compreensível e, felizmente, atávica:
viemos para vos revelar a verdade e para vos salvar deles. Ou
dela, neste caso.
Adenda: O Lutz dá-me aqui uma ajuda inesperada. Que o problema não é a senhora mas "o que ela representa". Nas primeiras 48 horas, o problema foi ela ser caçadora, usar arma ( é difícil caçar ursos com uma fisga), ser pró-vida ( como Guterres), ser uma ex-miss ( como milhares), ter cinco filhos e ser bonita . Isto representa o quê? Rigorosamente nada. É uma salada.Não. A reacção foi ao que a senhora é, e não ao que a senhora representa. Foi à pessoa, daí eu insistir no culto da personalidade. Invertido.