MAIS UM PARA A COLECÇÃO: Do começo de livros. Este é o início do Le dernier des Justes, de André Scharwz-Bart, Paris, Seuil, 1959:
"Nos yeux reçoivent la lumière d'étoiles mortes."
posted by FNV on 9:43 da tarde
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NOVAS FRONTEIRAS: Daniel Oliveira, no Expresso de hoje, sobre o video da campanha autárquica de Manuel Maria Carrilho: "A exibição da vida privada ou é manipulação ou é pornografia. No caso de Carrilho é as duas coisas." Há gente com muito jeito para comparações na esquerda moralista, já tinha reparado. De facto, um video de campanha política no qual aparece a mulher e o filho do candidato e um video pornográfico são ambos objectos fílmicos com protagonistas, aos quais podemos assistir. Depois de na campanha para as legislativas o Dr Louçã ter proclamado que "quem nunca procriou não tem direito a falar do aborto", o Daniel Oliveira, também do BE, estabelece agora uma nova fronteira, ao bom velho estilo dos Sex Pistols: "we are all prostitutes". Aguardemos as presidenciais, que prometem mais comparações. Talvez do género "Cavaco é o Américo Thomaz dos nosso dias"?
REPETIÇÃO II: Então e a ternura, dizem-me, como é de violência e de dominação? A ternura é outra coisa, um brioche, pó de talco. Mesmo com as crianças, o amor é violento: despedaçamo-nos se elas sofrem, queremos decidir da sorte das sinapses. Educação, batida e ainda bem, na dominação, há aqui histórias de tecidos e ligamentos que convivem mal com refrões da pop-music. O objectivo do amor é prolongar o próprio amor, não é? Ou conhecem alguém que ame a prazo, só até ao Outono? Prolongar uma coisa que se tem com outro é dominar a corrente, e não conheço forma de dominar correntes sem exercer violência. Betão na água, enfiar o outro no bolso e sair satisfeito a assobiar. O amor é a casa dos pronomes possessivos, sabes bem. Mais não fosse, qual a única coisa que nos liberta do amor? Uma palavrinha terapêutica, a traição, a gordura? Nada, nem a morte. Como não ser da ordem da violência e do domínio, essa coisa do amor.
PS: O Afonso/Bombyxmori recordou-me Luhmann em boa hora: em todo o começo impera a diferença, não a unidade. Amassar, amassar sempre...
A REGRA DE BONAPARTE: Um dos meus marxistas favoritos ( porque escreve clara e ordenadamente), Gramsci, insistia muito na ligação do território, literalmente da terra, da geografia, da oposição entre locais específicos, à luta política e cultural. O recente alargamento europeu a Leste e a possível inclusão da Turquia fazem-me também aterrar em pistas práticas. Aqui há coisa de quatro meses, assisti na TV5 (francesa) a um debate entre Le Pen e um "europeísta". Le Pen a certa altura vira-se para a câmara e explica com seu ar de Archie Bunker, a tragédia do lado: os espanhóis preparam-se para legalizar centenas de milhares de imigrantes arábes e de leste, que a partir dessa altura poderão circular livremente pela Europa, e bem entendido, ficar pela França. O que Le Pen pedia aos franceses por detrás da câmara, era que continuassem a confiar, para sua segurança, exclusivamente na Nação. Bonaparte tinha como regra aceitar todas as adesões,e a legitimidade que o sustentava era também a defesa das fronteiras da nação. Sem saber muito bem como, e até sem o querer, acredito, também o "Non" francês seguiu a regra. Território, diferença e medo, categorias a seguir atentamente nos próximos tempos.
posted by FNV on 12:13 da tarde
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FALTA DE LEALDADE: Temos de convir que esta coisa dos fogos terem vindo antes do Ministro estar preparado é também uma falta de lealdade incrível. Isto não se faz. That's an injustice, it is, poor Calimero...
posted by VLX on 11:44 da manhã
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PROBLEMAS TÉCNICOS: O país arde e não há meios aéreos para combater os fogos. O Ministro António Costa já veio dizer que essa falta se deve a "problemas técnicos". Obrigado pela explicação, senhor Ministro, ficamos todos mais descansados. É que alguns já andavam por aí a pensar que isto seria culpa de alguém. Ainda bem que não é. Um abraço e continue o bom trabalho.
post scriptum: podia-se ao menos despedir esse tal da Problemas Técnicos. No mínimo levantar-lhe um processo disciplinar, sei lá. Em que Ministério ele trabalha?
EUROPA - QUANTOS SÃO / SOMOS?: O Filipe já escreveu aqui um post agudo sobre a Europa como não-lugar. Mas não percam a extraordinária transparência do masson em Tempos Difíceis.
AREIA NAS PRIMEIRAS NOITES DE BRASA (VERSÃO DESERTO): Montem num carro, abram as janelas e rolem devagar. Procurem uma charneca, um planalto calcinado, uma seara sufocada, uma plantação de armazéns abandonados perto dum bled qualquer. Uma estrada estrangulada por moles de xisto. Uma vila refugiada do abrasamento por trás da cal das paredes. Insert> Giant Sand> Is all Over the Map Mastiguem a 1ª faixa (Classico), passem de repente para a 5ª (Cracklin water) e depois para a 11ª (Napoli), todas cantadas pelo Howe Gelb. Deixem-se estar assim, a 60 kms/h, à espera da 13ª faixa (A classico reprise). Chegando lá, não tirem as mãos do volante quando Henriette Sennenvaldt (algo de Marlene, algo de Nico) começar a sussurrar na deliciosa desafinação moribunda das mulheres do norte, género esta é a minha última canção. Talvez não moribunda, talvez só o sopro de quem nunca está disposto a acordar. Ou então, se tiverem a sorte que eu tive, tirem as mãos do volante e mostrem à doadora que gostaram. Obrigado, Mischinha.
CANAL 2: O país arde. Parece até que as maiores vias - a A1 e a linha férrea Porto-Lisboa - foram atravessadas pelo fogo. Curiosamente, no Telejornal das 22 horas do Canal 2, a notícia é arremessada para os 24 minutos (aquilo dura geralmente 30 minutos e hoje, particularmente, 32) e demorou menos de 60 segundos a ser transmitida aos telespectadores. Claro que as más-línguas pensarão que é possível que a informação estatal seja politicamente controlada. Mas isso são as más-línguas. Eu não. É evidente.
posted by VLX on 10:42 da tarde
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PRÓ ANO É QUE É!... Imagino que não mereça grande preocupação dos nossos governantes o facto do país inteiro estar a arder logo no primeiro dia de fogos, sem que haja mais do que dois helicópteros no ar. Já anda o ministro António Costa a desculpar-se com o passado e vários responsáveis a justificarem-se para o futuro. "Para a semana ou daqui a quinze dias estará tudo resolvido", dizem alguns, mas não sabemos se se referem à destruição das matas se ao aparecimento do material necessário. De todo o modo, prevejo grandes e elaborados discursos pela noite fora e, por mera sorte, tive acesso a um que reza assim. "Então é assim: não vamos deixar esses palermas dos incêndios ficarem-se a rirem-se. Vocês há-dem ver: a gente vamos queriar medidas, regulamentos, leis e três comissões (duas especiais e uma generalista) para acabar de vez com os fogos e para que póssamos dormirmos descansados. Serão feitos estudos e relatórios. Avaliados os resultados. E implementadas medidas. E isto não vai custar nada às portuguesas e aos portugueses, não. Não. Porque a gente vamos obrigar os isqueiros Bic a contribuírem para a resolução deste problema (todos sabemos que esta gente faz imensos lucros fazendo lumes e é justo que paguem e contribuam para o combate aos fogos e para não aumentar o défice). Isto é só fumaça e o povo é sereno. Ides ver. Portugueses e portuguesas." Poderemos então ficar sossegados, mal acabe o discurso. Resta saber como se irão apagar os incêndios.
posted by VLX on 7:43 da tarde
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FALTA DE APETITE: Perguntam-me por vezes porque tenho escrito menos, não acreditam que seja apenas por falta de tempo. Confesso que realmente não é. Falta-me também o ânimo. É que não é muito agradável escrever sobre um país onde o Estado guloso praticamente se limita a aumentar alarvemente os impostos, dificultando a vida às pessoas, às empresas e à economia em geral, ao invés de reduzir os seus gastos sumptuosos, em que o Governo, perante a seca, o verão quente e o flagelo já conhecido dos fogos, não tem preparados os aviões e helicópteros para combater os incêndios que já percorrem o país, ou então escrever sobre um país em que o Governo não tem organizada a logística para o início da época balnear; escrever sobre um país em que as autarquias nos desorganizam com a realização atabalhoada de obras para as eleições, atrapalhando tudo e todos e sem o mínimo respeito pelos munícipes, ou em que os autarcas fazem obras a contar com um ovo na galinha, que não se sabe se o metro o trará, escrever sobre um país em que o MNE vai para as conferências de imprensa falar das suas opiniões pessoais ao invés de falar pelo Governo, escrever sobre um país em que um político supostamente responsável apela a que determinados grupos económicos ajudem a pagar o défice (não se sabendo se com contribuições, esmolas ou outras figuras afins), défice esse que o Governo não consegue ou não quer combater, um país onde os Ministros tomam resoluções antes de perceberem como funcionam as áreas que tutelam, um país onde um qualquer responsável (??) por uma qualquer área da saúde defende que os médicos deveriam abdicar das suas férias para irem, trabalhar (permitindo-lhe, imagino, ir sossegadinho de férias), enfim... num país destes, poderão existir muitos motivos para escrever mas a triste realidade retira vontade. Escreve então sobre restaurantes, dizem-me. Também não dá: tudo isto tira-me o apetite.
COMEÇOS: O Luís anda a publicar uma série de posts magnífica sobre começos de livros. Não consigo encontrar o meu exemplar do Mazurca para Dois Mortos, de Camilo José Cela, mas lembrava-me vagamente de um dia ter visto um excerto publicado no Aviz. Fui ver... e bingo! Num post de Outubro de 2003, lá está - e é mesmo o primeiro parágrafo, com a vantagem de FJV ter usado o original castelhano:
Llueve mansamente y sin parar, llueve sin ganas pero con una infinita paciencia, como toda la vida, llueve sobre la tierra que es del mismo color que el cielo, entre blando verde y blando gris ceniciento, y la raya del monte lleva ya mucho tiempo borrada.
Só depois saberemos a razão por que Deus apagou a linha do horizonte naquelas terras galegas. Afinal, ainda nos restam alguns começos...
posted by PC on 3:04 da manhã
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O PÃO É FRESCO OU É QUENTE?: Segundo reparo na TV, num programa de senadores, o Tratado é mau porque não serve para nada que os anteriores já não servissem ( Pacheco Pereira), ao mesmo tempo que é mau porque inova perigosamente em certos campos( Jorge Miranda).
REPETIÇÃO: O amor não é esse negócio obtuso de partilha e respeito que os jograis patetas cantam por aí. O amor é dominação e violência. Não a dominação suburbana dos imitadores do pobre Marquês nem a violência do bagaço sobre a porca. O amor mata o tempo, não mata? Então se mata o tempo, mata tudo. Respeito e compreensão devemos aos velhos. Aos amores roubamos isso e mais. Pensar - nunca dizer - em ficar com alguém até de manhã ou até ao fim da vida, é a mesma coisa. A mesma história de violência e de dominação. O outro é personagem amável, só está lá para isso. Depois preenchemos a história com garotos ou com mentiras. Ou com outra noite. E quando o amor se vai, imaginamos ele a voltar, a trote. Não é violento, é o quê? Se ele vem, nós já sabíamos, se ele não vem, acabou. O amor é doce? Visita cemitério que vais ver como te fica a língua: esburacada, de tanto repetir violentamente as mesmas palavras.
POÉTICA DO INESPERADO: O IP3 não é só um escorredouro de sangue. Anteontem, por volta do meio dia, havia um carro branco da BT estacionado na via de emergência (com os quatro piscas ligados). Na berma, dois agentes, impecavelmente aprumados nas suas botas pretas e nos seus coletes reflectores, colhiam frágeis margaridas amarelas. Receio ter passado 3 minutos cedo demais.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.