CONFUSÕES: Um dos piores efeitos da discussão enviezada das políticas de redução de riscos, em matéria de toxicomania, é acabar por fazer com estas fiquem ligadas à agenda anti-proibicionista. Os programas de metadona, por exemplo, sofreram com essa malfazeja associação na Inglaterra dos anos 70 e no Portugal dos anos 80. Os agentes políticos têm de saber passar a mensagem: reduzir os riscos de um comportamento não significa um passo para a sua legalização. Se o estado, num bairro problemático, reforçar o policiamento, aumentar a iluminação pública e conduzir acções de integração junto de jovens mal educados, ninguém se lembrará de associar tais acções a um desejo escondido de promover o crime ou legalizar o roubo. Apresentar as Salas de Injecção Assistida ( SIA) como antros de droga e malquerença, tendentes a a favorecer a aceitação pública da toxicomania, é um exemplo do enviezamento que referi. As SIA não são uma óptima solução ( não há óptimas soluções nesta matéria) mas também não são antros de droga. Historicamente, são até o resultado do falhanço de fantasias como as dinamarquesas e como o lager de Zurique ( ilhas de injecção livre que reproduziam a miséria da rua "controlada"). São também, uma concessão: à da falta de aceitação pública de programas de distribuição controlada de heroina, destinados a drogados muitas vezes com vinte anos de consumo e de vida miserável, dezenas de intoxicações falhadas e várias passagens pela cadeia. O programa suiço ( que já aqui referi) prevê instalações médicas, coordenadas por pessoal especializado e com regras bem estabelecidas*. Pessoalmente, as SIA não me agradam por várias razões. Por um lado, são o refugo de uma verdadeira política de redução de riscos ( os programas de distribuição controlada de heroína); por outro, têm-se revelado pouco eficazes e difíceis de implementar. Em Portugal, qual seria a eficácia resultante de nos próximos dois anos se abrir apenas uma ou duas SIA? Nenhuma. Isto não deve levar, do meu ponto de vista, a que nos desobriguemos de alguma honestidade intelectual na discussão deste assunto.
* Trabalhei vários anos na primeira Unidade de Desintoxicação portuguesa e creio bem que, apesar de tudo, os problemas do funcionamento interno de uma SIA não serão mais difíceis de resolver. Talvez diferentes, mas não mais difíceis.
MAIS HISTÓRIAS DE TOIROS: Outra de Curro Romero, o tal que não gostava de matar: é uma característica fantástica num diestro, por isso me obceca. Foi em 1967, em Las Ventas, na Espanha de Franco. Curro recusou-se a lidar um toiro porque entendeu que o animal não estava suficientemente picado. No mundo dos toiros, uma recusa destas é um autêntico pinchazo: põe em causa o director de corrida e o trabalho dos picadores. Curro pagou a ousadia passando a noite na Dirección Geral de Seguridad. No dia seguinte, voltou a torear e triunfou. Olé!
posted by FNV on 12:42 da tarde
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NÚMEROS: Em 1999 foram apreendidas em Portugal 0,82 toneladas de cocaína. Em 2004 foram apreendidas 7,4 toneladas e em 2005 foram apreendidas 16 ( número ainda não oficialmente disponibilizado pelo DCITE da PJ, sendo que uma tonelada foi apreendida por outras forças policiais).
AINDA OS APANHAMOS A FUMAR: Luis Fazenda, do BE, de gravata no almoço com Jorge Sampaio.
posted by FNV on 9:09 da tarde
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UMA BOA MÀXIMA: Do "caçador de tesouros goethiano", citada por Junger a propósito do trote da intoxicação: "duras semanas, festas alegres, de dia trabalho, visitas à noite".
posted by FNV on 7:43 da tarde
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O DIABO ESTÁ NOS DETALHES: Freitas do Amaral, hoje, no parlamento. A certa altura os deputados fizeram ruído de fundo enquanto ele falava; não foi de modas e pregou uma sapatada no microfone. O problema, Sr.Ministro, não estava na sua voz: estava na dos outros.
posted by FNV on 7:12 da tarde
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AQUELE ABRAÇO: Atrasado, ao Blasfémias, pelo aniversário; ainda mais atrasado, aqui no blogue, ao Insurgente.
posted by FNV on 4:26 da tarde
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TOIROS & CHUVA: No próximo sábado, em Olivenza, El Cid, Rivera Ordonez e El Juli. Está de chuva e tenho uma lampreia para esse dia, mas as ganas apertam. Por falar em chuva, foi por causa dela que Curro Romero teve de pagar 12.000 euros de multa. Tudo se passou a 12 de Outubro de 1999, na Real Maestranza de Sevilha. El Faraón chegou à praça, viu a arena empapada e declarou que não toureava. Curro Romero não gostava de matar, dizia que se sentia mal em oferecer a morte a um animal que lhe proporcionava momentos de arte, por isso preferia a designação de "torero". Adiante. A direcção da corrida não gostou, fez saber que ele tinha interpretado mal o artigo 85 do Regulamento Taurino e multou-o nos tais 12.000 euros ( o que a secção administrativa do Tribunal de Justiça da Andaluzia veio mais tarde a confirmar). O delicioso da história é que a corrida acabou mesmo por ser cancelada, com os espectadores já nas taquillas. Nesse dia, na bicha para o reembolso do dinheiro dos ingressos, podia ouvir-se*, repetidamente, este comentário: "dejadlo, que este dinero es para la pensión de mi Curro".
* Diario de Sevilla, 29/04/05.
posted by FNV on 3:50 da tarde
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ELA VEM AÍ: A discussão sobre as salas de injecção assistida ( SIA). Não tenho grandes ilusões acerca da forma como o debate vai ser feito, mas pretendo ir escrevendo aqui algumas coisas. Para já, faço notar que, nestes tempos de lóbis, os drogados estão muito atrasados: não têm voz própria. Depois, acrescento que a história das políticas de droga tem sido feita contra as certezas. No Portugal de há vinte anos ( Decreto-Lei nº 430/83), enfiava-se na cadeia ( "sala de injecção desprotegida") um puto apanhado com meia dúzia de charros ou com dois panfletos de heroína: era assim que se pretendia lutar contra "o flagelo" e quem discordasse "estava a soldo dos traficantes". Viu-se o resultado. Recordo, por fim, que Portugal é o campeão europeu de drogados infectados com HIV, sem que ninguém tenha sido responsabilizado pelas políticas conduzidas desde os anos 80. Continua a confundir-se inteligência com capitulação; e estupidez com firmeza.
AMIGOS, AMIGOS ...(parte II): Quando um casal vive junto há vinte anos e faz sexo, não é sexo entre amigos? Nos dias de hoje, Marx e Engels já não nos ouvem, por isso podemos deixar de lado as velhas teorias da concentração latinfundiária. Dois colegas que trabalham há dez anos e se estimam, arruinam a sua amizade se forem para a cama, dizem os psicólogos. Isso era dantes. Se tiverem juízo, não só alegram enormemente as suas vidas como as vidas dos que os rodeiam. O óbice reside na ainda entranhada mania que o sexo significa muita coisa. Vendo TV e cinema, lendo livros e revistas cor-de-rosa, não sei por que razão essa mania persiste. Para os velhos gregos, a paixão sexual era uma maçada excitante, mas nem por sombras algo de extraordinário, razão pela qual apenas algumas comédias se dedicavam ao trabalho das partes pudibundas. Se eu gostar do riso da minha amiga, da inteligência dela, do gaspacho que ela faz e se ainda por cima ela me atrair sexualmente, claro que continuamos amigos no dia seguinte em caso de . Este sexo é decente, não é casual, não assusta moralistas nem libertários. Se outros não gostarem, a culpa não é do sexo, é dos outros; se um de nós amuou porque queria mais alguma coisa e a relação esfriou, a culpa não foi do sexo: foi da falta dele.
Nota: vejo que os leitores/comentadores concordam comigo e discordam dos psicólogos. É bom sinal. Discordo da opinião da Teresa num pormenor: a amizade pós-relacionamento é uma coisa diferente, já se avançou por outros terrenos, bastante mais intímos.
AMIGOS, AMIGOS, PSICÓLOGOS À PARTE: A questão é velha: pode existir apenas amizade entre um homem e uma mulher? Os psicólogos lambem-se com estas coisas e a Psychology Today* volta mais uma vez à carga. Que sim, claro, que só no tempo da outra senhora - mulher em casa, homem no trabalho - é que um relacionamento desses tinha que acabar na cama. Tem graça que 83% dos participantes num inquérito citado pelo artigo declararam acreditar piamente na amizade M/F, mas 63% também confessaram que não se aguentaram. O que fica por saber é por que motivo o sexo há-de impedir ou estragar uma bela amizade, como se queixam os psicólogos do artigo citado, que se esfalfam em aconselhar vários remédios para manter a coisa no estado platónico. Cá para mim, uma bela amizade com uma mulher não se estraga se formos para a cama de vez em quando, antes pelo contrário. Onde está a ruína? Passamos a ser inimigos se formos amigos ao ponto de acordarmos lado a lado? Essa é boa.
posted by FNV on 3:28 da tarde
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COMEU A PAPA TODA: O Bebé-Nestlé deu a mão à palmatória e lá pôs o grego a jogar ( com ele na sua posição natural o Benfica venceu FCP e Liverpool). Mas desta vez tenho de elogiar o homem: os troianos exibiram o seu Heitor argentino com pés de veludo, mas o Bebé-Nestlé amarrou-o a um pequeno Aquiles negro, Fernandes de apelido.
TOLERÂNCIAS (II): É bom recordar que o estatuto de dimmi, "protegido" (ou o de mu'ahid, "o que se submeteu"), estava integrado num contexto mais vasto de reorganização política e admnistrativa da ocupação islâmica da península. É sabido que houve mais capitulações do que derrotas, por parte dos reinos visogóticos, pelo que convém atentar na submissão pela sulhan, obtida através de um tratado ( a futiha). Foi o caso de Sevilha, Mérida, Pamplona, entre outros. A sulhan implicava uma insignificante ou nula presença física do invasor muçulmano, cuja autoridade política foi negociada a troco do reconhecimento do direito a uma série de coisas importantes. A sulhan de Orijuela, assinada por Abd al-'Aziz *, explicitava que era concedido ao residente o direito a morrer de morte natural ( coisa importante), a manter as sua igreja intacta, a não ter de renunciar à sua religião. É triste existir gente com responsabilidades académicas que agora nega a ocupação militar da Península pelos muçulmanos e pelos árabes berberes e sírios. Mas também não vale a pena fazer dessa ocupação um modelo de intolerância e sanha persecutória, porque não foi. Quando, em Janeiro de 1492, Gutierres de Cardenas recebe das mãos do nasrita Boadbil as chaves de Granada, inicia-se, então sim, uma exigentíssima observância dos usos e costumes dos recém-convertidos. É curioso verfificar que alguns séculos antes, aos árabes que viviam nos territórios reconquistados era concedido um estatuto semelhante ao dimmi, no plano religioso. Nas mourarias de Évora ( 1276) e de Palmela ( 1170), ao mudejár ( do árabe mudajjan, "aquele que fica") foi permitido guardar liberdade de culto e de algumas práticas quotidianas associadas.
* in Pierre Chalmeta, Al-Andaluz: la implantación de una nueva superstrutura, Cuadernos Emeritenses, Fundacion de Estudos Romanos, Merida 1998.
Nota: O Pedro Picoito escreve-me alertando-me para uma incorrecção: "a mouraria de Évora recebeu o seu foral em 1166". Julgo que não. Évora recebe o foral em 1166, mas o foral da mouraria é concedido apenas em 1273: "et in super faciatis mihi alios foros et costumes quos mihi faciunt et fecerint mauri forii Ulixboni" ( Ordenações Afonsinas, Livro II, tit.101, p.535, in MFBarros, "A Comuna Muçulmana de Lisboa: sécs. XIV e XV", Biblioteca de Estudos Árabes, Hugin, 1998). Ou seja, à mouraria de Évora é concedido um estatuto igual ao que foi concedido à mouraria de Lisboa e Almada, em 1170. No post enganei-me na data , mas apenas em três anos: é 1273 e não 1276, o Pedro refere outra coisa diferente. Se eu continuar enganado, o Pedro selará definitivamente o assunto.
posted by FNV on 3:41 da tarde
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FAZ HOJE: Cento e noventa e um anos que Napoleão se evadiu da Ilha de Elba. E faz hoje treze anos que explodiu a bomba no World Trade Center, um ensaio da AlQaeda, por causa da guerra no Iraque.
posted by FNV on 1:12 da tarde
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PRECISO: De baliza que não se mexa. Devolvo-a às 21.45h, mais coisa menos coisa.
posted by FNV on 12:16 da tarde
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MEDALHAS: Ao fim de dez anos, não me conformo com o facto de nenhum marinheiro desta embarcação ter sido presenteado com uma prebenda por parte de tão esbanjadora entidade como seja o estado português. Assim, só me resta assinalar o não evento com uns singelos contos da vida real: I. A TETRANETA DE MAE WEST Antigas namoradas. Como é que lidamos com elas? Nada mais queremos com elas mas, quando as encontramos, não queremos nada a menos. Entrei ao acaso naquele bar, na Cioga do Monte, e lá estava a Vanessa, com a mesma cara (e corpo...) com que a deixei, naquele dia 25 de Abril em que decidi ser alguém na vida . Vinte anos depois, com a confiança inerente a um bem engomado fatinho novo e a uma invejável carteira de seguros, avancei com confiança para aquela criatura que tanto me intimidara no passado. O verbo - como tudo o resto - continuava fácil: "Olá Alfredo! Que é isso que tens no bolso? É um télémóvel ou t'ás contente por me rever?" "Nada disso, filha! Para além do "bipe" a única coisa que tenho neste bolso é a Ordem de Santiago!" II. MÚSICA NO CORAÇÃO João é uma estrela em ascensão no firmamento da música moderna. Ele é entrevistas, viagens, gajas e quê! Um dia acordou num charco de vómito e pensou: o que seria dos portugueses se eu não tivesse comigo a Ordem da Liberdade!" III. A HORDA DO ELEFANTE Susette sabia, a custo, que a sua vida seria um monumento ao anonimato. Que nada do que fizesse ou pensasse - caso isso algum dia ocorresse - seria, eventualmente e porventura, digno de registo. Até aquele dia de Natal em que, inadvertidamente, encetou um Bolo Rei de um cliente. Desde então, carrega sobre as mamas a reluzente Ordem do Infante.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.