DESABAFOS DE FÉRIAS 3: Uma das piores coisas que se pode sentir em férias é o abafo. Não falo daqueles textos insossos e repetitivos de quem se queixa do proletariado em férias. O meu problema é o abafo que nos desencoraja de levantar logo às 10 da manhã e que nos faz temer a cama quente às 4 da noite (não confundir com o calor do sol que tem instinto cénico e desaparece quando deve). O João Pinto e Castro pôs um quadro terrível de Van Gogh sobre o abafo. O azul não consegue romper o céu amarelo-branco-laranja e espalha-se, como chumbo, pela terra ocre. As árvores contorcem-se, numa dança lancinante, como se tentassem aspirar a última gota de água ou, talvez, desenraizar-se e ir. Mas quem melhor conseguiu desenhar o abafo foi Loustal, nos vários Carnets e, também, em Barney et la Note Bleue. É difícil superar aqueles rostos momentaneamente imóveis (a fixidez não é, em Loustal, uma pose, ou duração, mas um instante fotográfico, um fragmento de acção enigmático que não permite antecipar o próximo), cobertos de gotas de suor quase sólidas. E as ventoínhas omnipresentes, que ajudam a criar esse efeito de suspensão em cada quadro. Neste hotel, durmo com uma ventoínha sobre o corpo inteiro, pregada no tecto, a tentar enganar o abafo com o seu zumbido tropical e uma vaga deslocação de ar abrasador pelo quarto. Chego a ter saudades do último Agosto em Manaus. E a ventoínha transforma-se, de quando em vez, na hélice do avião que num qualquer Inverno me levará a Ushuaia.
DESABAFOS DE FÉRIAS 2: Desde pequeno que sinto uma atracção estranha pelas decorações dos jardins. Sejam pencas de 1, 5 m. ou mais, repuxos, animaizinhos de pedra, talhas de azeite deitadas com sardinheiras dentro, águias do Sélebê, pedaços de estatuetas gregas, tudo me prende a atenção. Há um leão perto de nossa casa, em tamanho natural sobre seu pedestal, que vigia atentamente uma fileira de cabeças de cavalo espetadas sobre o muro do vizinho. Fazemos peregrinações regulares até ao local, de madrugada, sempre com o receio de que uma autoridade municipal tenha dinamitado o conjunto. Mas, de todos os motivos, os que me fascinam morbidamente são os duendes, gnomos e anões. Por razões que não sei explicar, deixam-me desconfortável. Em passeio recente pela periferia balnear de Lisboa, a profusão dos ditos, muito realistas, ia-me deixando sem ar. Uma amiga torinese, que nos acompanhava, contou que existe uma Frente de Libertação dos Anões de Jardim, fundada e com sede em França, e espalhada um pouco por todo o mundo. Os "canais" (comandos operacionais) dedicam-se ao resgate das simpáticas figuras encerradas nos jardins e libertam-nas pelos bosques, de onde nunca deveriam ter saído. Ainda não há um "canal" português, mas nunca é tarde. Se alguém sentir o mesmo incómodo estranho e totalmente irracional perante os duendes, gnomos e anões de jardim, p. f. mande uma garrafinha com um bilhete dentro ali para o lobosdomar2 at gmail.com. Hoje os anões, amanhã as pencas.
ISSO NÃO!: Tenório nunca teve vida fácil. Aos 15 anos já era cliente do reformatório e, aos 22, depois de vários assaltos à mão armada, tornou-se cliente dos principais estabelecimentos prisionais do país. A sua dependência da heroína, a sua orfandade e s seus tempos de prostituto infantil poderiam explicar muitos dos seus comportamentos. No entanto, só aos trinta é que começou na matar pessoas. O simples assalto, ainda que com violência, já não preenchia a sua sede de vingança contra o mundo que tanto o maltratara. A meio dos quarenta, Tenório reformula-se. Penas cumpridas, ou suspensas, casos arquivados e desintoxicação concluída, a mulher certa aparece e o trabalho certo também, pela mão do gentil sogro. Pela primeira vez desde que nasceu Tenório tem uma família. Nada que se compare com o mais próximo de uma sensação familiar que alguma vez experimentara, até então, quando roubava latas de atum nos supermercados. O seu amor vence todas as barreiras e sobrevive mesmo à confissão do seu tenebroso passado. Tudo corria bem até ao dia em que descobriram tudo. Abandonado por todos, nada mais lhe restava e a sua antiga vida voltava a assumir-se como a única alternativa. Sim, era triste mas era verdade. Tenório fumava!
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