Sei que sou um blogger de segunda linha - não vou à televisão nem à rádio e não assino colunas nos jornais -, provinciano de Coimbra e recatado. Ainda assim, já ando na blogosfera lusa há tempo suficiente para notar que a dita cuja de primeira linha ( com execpções) está esquisita. Discutem-se pequenas questões de galinhas com a agressividade dos perus e a prosápia dos faisões. Posso estar enganado, mas parece-me que nem sempre foi assim.
O ensaio de Julian Gough, na www.prospect-magazine.co.uk de Maio, sobre a falta de comédia no romance actual. Esqueceu-se de John Kennedy Toole e do seu fabuloso "Uma Conspiração de Estúpidos", vai a Aristófanes mas olvida Plauto e o seu Gorgulho. Seja como for, Gough tem uma certa razão no assinalar da solenidade emocional do tom trágico do romance actual. Mas também se deve dizer que os grandes consumidores e consumidoras do estilo funcionam a fluoxetina. Qunato mais a vida é insuportavelmente fácil, mais a tristeza fica pelo papel.
Hoje, uma música palestiniana da Diáspora. Chama-se Reem Kelani, nasceu em Manchester,cresceu no Koweit, e vive em Londres, onde trabalha na BBC. Tem raízes em Ja'bad ( Jenin), onde o pai nasceu, e em Nazaré, terra natal da mãe. Recolhe canções das velhas palestinanas refugiadas no Líbano e faz notar que não separa no seu trabalho o sagrado do secular. Podem encontrá-la em http://www.reemkelani.com *, onde podem aproveitar para ouvir, por exemplo, The Cameleer Tormented my Heart.
* corrigido com a ajuda da shyznogud.
posted by FNV on 7:22 da tarde
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LEOPARDICES (VII):
Dizem que só atacamos humanos quando estamos feridos ou velhos. Mentira. Adoramos humanos. Eles não concebem que um bicho em boa condição lhes ceve a carne doce e os ossos frágeis. Estão convencidos de que são as únicas bestas na Terra.
posted by FNV on 10:53 da manhã
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TÊM MEDO DE QUÊ?
A única coisa relevante no episódio do Chiado - indivíduos de cara tapada a gritar morte ao capitalismo e a praticar simples e inofensivo vandalismo - é a forma como os media se referiram ao assunto. Nem uma vez a expressão "manifestantes de extrema-esquerda" foi utilizada. Deve ser proibido.
O DATADO E O DURADOURO EM KANT: UMA VISÃO SINGULAR: Há uns 10 anos atrás, mais coisa menos coisa, Pedro Arroja publicou uma crónica num jornal (creio que no DN) onde se insurgia contra uma malta que afirmava assistir, também aos criminosos mais brutais, a "eminente dignidade da pessoa". A certa altura, perguntava-se Arroja, escandalizado, algo como isto: "se a dignidade dos criminosos é 'eminente', como qualificar a dignidade daqueles que não cometem crimes?". Há 10 anos, Pedro Arroja escrevia, com candura, como se a ideia da universalidade da eminente dignidade da pessoa viesse de obscuras teorias criminológicas libertárias, envolvidas no bafio dos anos sessenta, e ainda professadas por aquilo a que, no mesmo texto, chamava a "escola penal de Coimbra": uma malta amiga do criminoso e inimiga da sociedade, que desvaloriza a responsabilidade individual, e outras patacoadas. Hoje, vejo que cita Kant - embora se interesse mais pelos escritos antropológicos do que pela filosofia moral. É procurar bem, também há lá umas considerações sobre a inferioridade intelectual dos negros.
Se o bom do Blasfémiasé um microcosmos, então podemos ver no que vai dar a anunciada pretensão de criminalizar a negação do Holocausto. Como diz o meu amigo Pedro Caeiro, ao isco mais apetitoso acorre logo o peixe mais guloso. Tem toda a razão.
Uma psicanalista inglesa, Frances Tustin, publicou nos anos 80 um livro interessante: Autistic Barriers in Neurotic Patients. Descontando o habitual exagero psicanalítico ( que até era pouco), o conceito de "ritmo de segurança " avançado por Tustin é muito bem apanhado. Tustin utiliza-o na psicopatologia, eu transporto-o, desde há muitos anos, para o mundo seco das grandes perdas. Quando nos morre alguém, para lá de tudo o mais, passa a existir um espaço mental e físico desalinhado. Quem perdemos fazia parte de um ritmo antigo, de uma repetição cadenciada de experiências que se nos entranhou na pele. Esta perturbação é mais subtil do que a tristeza imensa, mas não menos letal. Aparece sob a forma de uma cadeira vazia à mesa de jantar, coisa com a qual já contávamos mas que mesmo assim nos surpreende; como uma campainha habitualmente pontual mas agora inexplicavelmente muda; ou, ainda, vestida de uma voz cujo silêncio, naquele exacto momento, nos arranca as orelhas. Esta perturbação - um ritmo interrompido - é física e mental, e não tem cura. A memória, essa advogada de ambulâncias, encarregou-se de soltar para sempre a tecla do xilofone. O ritmo mudou.
GUERRA CIVIL: Já acabou o tiroteio? Já assentou a pólvora? Já se pode pôr a cabeça de fora com um mínimo de segurança? Espera-se que ao menos isso tenha sido conseguido. Quanto ao resto do resultado, dado que a disputa era entre duas pessoas de que gosto igualmente, e ambos com exércitos compostos por muitos amigos meus, é-me impossível ficar contente ou triste. Espero apenas que se saiba reconstruir com dignidade as áreas, de ambos os lados, fortemente bombardeadas.
posted by VLX on 7:40 da tarde
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HISTÓRIAS DE PESCARIAS: Costumo brincar assegurando que, quando deito a linha, pesco um achigã em cada 15 minutos. Ninguém acredita até confessar que só por uma vez pesquei, durante um quarto de hora, e que, por uma sorte inacreditável (mesmo para principiante e para desespero do meu querido Pedro Caeiro, dono das canas, das minhocas e da sapiência no mister mas que tinha passado a tarde toda nisso com um sucesso ligeiramente inferior), passou-me o dito peixito pelo anzol, arranquei-o desajeitadamente da água e foi aterrar uns dez metros acima de nós, espatifando-se no solo. Deu para ser comido mais tarde, depois dos gins, mas não voltei a pescar e mantenho esta média invejável.
As historietas de pescarias fenomenais mas sem provas, de peixes enormes que se escaparam à última, ou que foram comidos antes de fotografados são conhecidas e inócuas (mesmo as do Lago Ness), não fazem mal a não ser ao próprio que as conta.
Por isso não levo a mal o tipo que, ainda ontem e numa rodada de amigos bem divertida, assegurava que quase tinha conseguido apanhar, um pouco acima do Carrapatelo, duas belíssimas orcas ainda jovens, lindas, iguaizinhas, uma quase fotocópia da outra, distinguindo-se apenas por uma possuir uma pequeníssima inscrição “Bach” na barbatana alva.
Claro, ele não tinha fotografias nem testemunhas do sucedido e, como nenhum dos ouvintes tinha lá estado para poder assegurar que era mentira, em bom rigor não o podíamos apelidar de mentiroso. Mas também nada nos obriga a acreditar em todo o tipo de patranhas inconcebíveis que nos querem vender.
posted by VLX on 7:08 da tarde
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AFINAL NÃO É ANEDOTA: Há uma historieta bem divertida e que satiriza a burocracia do funcionalismo público, que é a daquele funcionário que propõe ao seu director a destruição de um enorme e antigo arquivo, que só estava a ocupar espaço. O director abraça a ideia e felicita-o por ela, mas manda-o, antes de deitar tudo fora, tirar duas cópias de cada documento. Na nossa Assembleia da República é assim mesmo. Deitam-se fora os arquivos originais e guardam-se cópias diferentes dos mesmos.
posted by VLX on 6:41 da tarde
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COM A VERDADE ME ENGANAS: Ao contrário do que à primeira vista se poderia pensar, a achega de Mário Soares não foi para ajudar José Sócrates mas antes para lhe espetar bem fundo um ferro curto, que Soares andava calma e pacientemente a afiar desde as presidenciais. A reacção de Sócrates não foi, por isso, de comoção, mas sim de verdadeira e sentida dor: ainda com o ferro profundamente cravado, Sócrates cerrou os olhos para não ver o caminho que Soares lhe estava a apontar. Ou alguém pensa que Soares é de memória curta ou que não gosta de a saborear fria, talvez mesmo geladinha?
posted by VLX on 6:29 da tarde
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LEOPARDICES (V):
Refeições hipocalóricas, liftings, chá verde às refeições, muito exercício e, sobretudo, pouca carne. Os humanos querem morrer belos e formosos e muito se esforçam para isso. Os leopardos limitam-se a matar e a dormir. E nunca são tão belos como depois de mortos, já dizia o insuperável Jim Corbett que matou mais de uma centena.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.