A morte de um pai, quando já somos adultos e pais, devolve-nos o espelho. Olhamos para os nossos filhos e pensamos o óbvio. Agora somos o último elo. De certa forma, a nossa infância é enterrada. As mulheres - as que foram amadas pelos pais - talvez sintam isto de um modo especial. A sombra protectora terá de encontrar um novo sol e nem sempre o marido se presta ao papel. Se a mulher está sozinha, regressa ao tempo em que o pai ia de viagem. E à noite. E aos pesadelos.
A coisa mais sedutora que uma mulher pode exibir numa situação amorosa é um sorriso. Se a senhora tiver imensos predicados, o sorriso é um sino; se a senhora não tiver sido bafejada pela sorte, o sorriso é um relâmpago. Ainda por cima, o feminino e sedutor sorriso é uma conquista evolutiva: explica-nos que o sexo é secundário.
posted by FNV on 6:15 da tarde
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ULLA HAHN, SEMPRE:
A terra está fechada Nua de maravilhas Cai neve nas igrejas Em silêncio nós Entrançamos o cabelo dos mortos.
Depois da bola-de-berlim e do subsídio de 1989, temos agora a explosão ( Garcia Leandro, Pacheco Pereira e Manuel Alegre com o "buraco negro"). Parece que vai acontecer qualquer coisa, só não se sabe o quê nem quando. Confesso que ainda não percebi bem como é que um país de bois mansos vai explodir, mas acredito nas previsões. Provavelmente já nem ocorrerão eleições em 2009. É um bocado difícil organizar mesas de voto com tudo destruído. É preciso começar a pensar na composição da futura Junta de Salvação Nacional. Não por aí alguém que use monóculo?
posted by FNV on 10:34 da manhã
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QUADRATURA DO CÍRCULO DIGEST:
Pôr a hipótese de um grupo económico usar um jornal do qual é proprietário para dar umas ferroadas num político é absurdo/delirante/ridículo. Pôr a hipótese de o aparelho judicial do Porto ( juízes, delegados do MP, agentes da Judiciária) estar refém da mafia do futebol portuense é sinal de clarividência. Conclusão: os jornalistas são intocáveis, mas os polícias e os juízes não.
Geertz ( Islam Observed: Religious Development in Morocco and Indonesia, UCP 1968) defende a tese segundo a qual o confronto entre colonizador e colonizado foi sempre, em última análise, espiritual. Guardem a pistola anti-teorias pós-coloniais porque vai valer a pena. Geertz lembra que os principais monumentos erigidos pelos colonizadores não foram catedrais, teatros ou palácios, mas estradas, pontes, bancos e portos. As elites coloniais trabalharam ao lado do território existente, promovendo uma nova ordem, como é lógico. Só que essa nova ordem - a sociedade bifurcada como Geertz a designa - instaurou mais do que uma diferença de poder, estatuto ou situação. Instaurou uma diferença cultural. Por mais que os holandeses com a sua etische richting ou os franceses com a sua mission civilisatrice tenham tentado, o grupo original ( no trabalho de Geertz os muçulmanos de Marrocos e os de Java) manteve-se intacto. Geertz assinala, com humor, que os colonizados triunfaram: permaneceram exactamente como eram. Isto pode e deve ser aproveitado para os tempos de hoje. Talvez existam 20 milhões de muçulmanos na UE. Como a crença religiosa é anterior à experiência ( ao contrário da crença política, sexual ou outras), não é difícil imaginar que uma certa radicalidade cultural vai permanecer. Aliás, existem semelhanças com os anteriores espaços coloniais: os muçulmanos europeus sentem-se separados das elites residentes ( o cenário é que está de pernas para o ar), a crença religiosa, porque organizadora do quadro cultural, definindo e estendendo essa separação a cada tentativa de aproximação. A questão do estatuto da mulher ( de que falarei mais tarde) é um bom exemplo.
Muito pior do que envelhecer mal ( uma necessidade), ou do que recusar o mundo novo ( uma banalidade), é ceder à tentação de escrever os outros. Nem todos podem ter a lucidez de Marco Pórcio (Catão), mas alguns podem tentar. Uma estranheza abrangente - como o sal na pele depois de um banho de mar - desloca-nos com o mundo e não compreendemos. Por exemplo, por que motivo deixamos tão docemente que nos comandem a vida - hoje temos de pedir licença para matar um porco - enquanto defendemos ferozmente a posse do comando da televisão? Ou como ver um antigo escravo sentar-se na nossa cadeira e pensar que isso faz alguma diferença? A justa medida da resignação derrama coisa pouca, é certo, mas suficiente: por muito que o tenhamos sonhado, este mundo nunca foi nosso.
O "EXTRAORDINÁRIO AZAR DO GAJO DO MICROFONE": Primeiro, leiam este postda Pastoral Portuguesa. Depois, vejam o vídeo que lá roubei.
posted by PC on 1:00 da manhã
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MONTALE, SEMPRE:
Il passante sentiva come un supplizio il suo distacco dalle antiche radici. Nell'età d'oro florida sulle sponde felici anche un nome, una veste, erano un vizio.
Também foi uma coincidência a reportagem sobre as casas de Sócrates só ter ficado pronta depois de ter acabado a presidência portuguesa da UE? Ou dava mau aspecto se tivesse sido publicada antes? Mau aspecto tipo "está aqui o Grande Líder e andam estes gajos a chateá-lo com currais de vacas"? Compreensível. Também é possível que os intrépidos e corajosos jornalistas, lá no fundo, ponham a Pátria à frente da verdade. Comovente.
* escrito em colaboração com a central de bloggers afecta ao governo/ nº mecanográfico 13121965.
Um bocadinho tendenciosa a peça do Público de hoje sobre o aborto. "Há mulheres a repetir IVG's" ( quantas não se sabe), um obstetra está desgostoso com a "irresponsabilidade das mulheres" e etc. Isto se um Serventuário do Poder Rosa como eu tem o direito de criticar o Grande Jornal da Liberdade, claro está.
posted by FNV on 12:54 da tarde
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TOQUE A REBATE E INSURREIÇÃO: Do lado republicano o fim de semana foi estranho. Mike Huckabee ganhou as pugnas eleitorais na Louisiana e no Kansas - em Washington o Comité do Partido Republicano declarou que McCain ganhou, quando ele tinha uma vantagem de 1,8% e só estavam contados 87% dos votos (o que levantou suspeitas e provocou uma recontagem). Ao mesmo tempo, o establishment republicano começou a unir-se em torno de McCain, tentando dominar as vozes mais radicais de direita contra o candidato. Karl Rove referiu a impossibilidade de Huckabee chegar à nomeação (teria de ganhar 80% dos delegados que ainda faltam) e afirmou que McCain era um candidato perfeitamente viável. George W. Bush foi à convenção conservadora defender a necessidade de unidade do partido e deu uma entrevista televisiva onde realçou e elogiou as credenciais conservadoras de McCain. Ou seja, os eleitores republicanos (sobretudo os da direita conservadora) ainda não estão totalmentes convencidos que McCain seja o melhor candidato, mas os líderes do partido já iniciaram o toque a rebate. McCain tem muito trabalho para convencer a ala direita do partido a alinhar-se atrás dele, até porque sem eles muito dificilmente ganhará em Novembro. Se ganhar na próxima terça-feira, como parece provável, em Maryland e Virgina, deverá provocar a desistência de Huckabee, o que poderá facilitar esse processo. Mais difícil será convencer locutores de rádio ou personalidades de direita como Rush Limbaugh (o locutor de radio talk show com mais audiência na América), Sean Hannity (locutor de rádio e pivot da Fox News) ou Ann Coulter (uma escritora barbie de direita, uma extremista meio tresloucada). Estes inimigos fidagais de McCain sentem a sua nomeação não apenas como uma derrota política, mas como um desafio à sua influência pública. Alguns deles afirmam que preferem eleger Clinton para garantirem que em 2012 o canddiato republicano será um puro ideológico. Bush e o resto do establishment republicano referem-se a estas vozes como os votantes suicidas. Veremos quanto demora, e a que custo (ou lucro) para a atractividade de McCain para moderados e independentes, esta espécie de insurreição republicana. McCain tem agora um pequeno espaço de tempo, com menos pressão dos media, entretanto quase inteiramente dedicados à luta democrata, para tentar discretamente convencer estas vozes a alinharem-se com o resto do partido sem lhes ceder muito. Parece inevitável que terá de fazer uma escolha para candidato a Vice-Presidente que acalme a ala direita dos republicanos. Esta balcanização do Partido Republicano foi o resultado de 8 anos de uma táctica política e eleitoral que atribuiu mais valor à base eleitoral do partido do que à busca do swing vote. Esta estratégia, como se viu, era correcta, uma vez que devido ao medo instalado pelo 11 de Setembro, o swing vote estava maioritariamente seguro no Partido Republicano, dado que a segurança e a defesa eram os temas dominantes. Neste novo ciclo, no entanto, a base eleitoral não chegará. E estes personagens que ganharam influência desmedida durante o consulado Bush terão de se contentar em alinhar com o mainstream do Partido Republicano. Se assim não fôr poderá estar em perigo a coligação reaganiana de conservadores económicos, morais e culturais com moderados preocupados com questões de defesa e segurança, que garantiu vitórias em 5 das últimas 7 eleições presidenciais. McCain geriu habilmente a sua campanha. A sua popularidade advem-lhe sobretudo de se apresentar não com um táctico mas como um homem íntegro, de princípios e convicções. Estas agitações e eventuais cedências em nada o ajudam a manter essa imagem. Veremos se tem o mesmo engenho e firmeza na sua caminhada para Novembro.
posted by NMP on 3:33 da manhã
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FIM DE SEMANA VITORIOSO foi o que teve Obama nas eleições americanas deste fim de semana. Ganhou no Louisiana, Washington, Nebraska, Ilhas Virgens americanas e Maine. Como aqui foi previsto passou à frente em termos de delegados de Hillary Clinton (dependendo das contagens a vantagem está entre 40 a 60 delegados se não se contarem os super-delegados) e tornou-se o front runner. Na próxima terça-feira disputam-se as chamadas primárias do Potomac (Virginia, Maryland e Washington DC). A fazer fé nas sondagens e estudos de opinião, Obama consolidará a sua vantagem. Dia 19 de Fevereiro disputa-se o Wisconsin e o Hawai (onde Obama cresceu e é considerado um filho dilecto). Obama pode vir a ter um mês de Fevereiro totalmente vitorioso. A campanha de Hillary Clinton acredita que poderá voltar a ganhar nas primárias do Texas (mais de 228 delegados) e Ohio (161 delegados) a 4 de Março. O estado da Pennsylvania (188 delegados) a 22 de Abril poderá também ser favorável a Hillary. Este argumento assenta na ideia de uma composição demográfica destes estados mais favorável a Hillary - alta percentagem de votantes de mais baixo rendimento, de democratas tradicionais e de latino-americanos - os grupos que mais têm votado em Clinton durante este processo. Há, no entanto, algo de giulianesco neste argumento: a ideia de que se consegue escolher com precisão os estados onde se irá ganhar, aguentando entretanto uma dinâmica de vitória de semanas por parte dos adversários. A estrutura da campanha de Hillary Clinton demonstra algumas dificuldades - a directora de campanha foi mudada e chegaram a ser noticiados alguns problemas financeiras (entretanto superados). O problema de Clinton é que o seu argumento da experiência não é muito valorizado num ambiente de mudança. Concorrer contra um movimento é muito difícil e provavelmente votado ao fracasso, mesmo quando se é uma talentosa e bem preparada política. Uma das vantagens que Clinton refere amiúde é que é uma mulher dura, habituada aos ataques republicanos que consegue aguentar e contra-atacar - esta ideia reforça a convicção de muitos eleitores de que os Clinton são os representantes no Partido Democrático da cultura de guerrilha partidária extrema que se instalou em Washington e bloqueia o sistema. Esta imagem é sobretudo prejudicial quando o seu adversário tem um discurso optimista, pela positiva e fala constantemente na imperiosa necessidade de trabalhar com os republicanos no Congresso e estes nomearam alguém com prestígio transpartidário. Para dificultar, o facto de a corrida republicana estar praticamente decidida libertará muitos independentes, que considerariam votar nas primárias republicanas em McCain, para poderem votar nas eleições primárias democratas onde estas forem abertas, como é o caso do Texas. Este independentes deverão apoiar Obama, dada a imagem de sectarismo partidário (não encontrei melhor tradução para partisanship) que está definitivamente colada a Hillary. Acresce a forma desastrada como os Clinton se comportaram durante os últimos meses, esperando uma coroação e um desfile triunfais, com atitudes infelizes e completamente autistas e distantes dos sinais de insatisfação que lhes vinham do eleitorado. Por último, refira-se que um eleitor com a minha idade (37 anos) nunca conseguiu votar numas eleições gerais em que não houvesse um Bush ou um Clinton num boletim de voto, o que explicará em parte o forte apoio dos jovens a Obama. O Partido Democrático arrisca-se a entrar numa fase de enorme confusão a seguir a Abril, se esta contenda não estiver clarificada. Se a nomeação fôr decidida pelos super-delegados (delegados não eleitos, com direito a voto por inerência e que podem mudar de opinião até ao dia da convenção), isso seria uma prenda demasiado óbvia para os republicanos que não se cansariam de apontar a menor legitimidade democrática do candidato democrata. Poder-se-ão ter de repetir as primárias do Michigan e da Florida (que Clinton ganhou) dado que os seus inúmeros delegados (somados são cerca de 350) não foram registados como castigo da antecipação da data das primárias - todos os candidatos se comprometeram a não contar com esses delegados e no Michigan apenas o nome de Clinton surgiu no boletim de voto. Obama obteve mais apoios e declarações favoráveis de peso - da neta de Eisenhower (republicana) até uma entrevista de Collin Powell que referia ser o seu programa de relações internacionais e segurança bastante razoável e que, apesar de referir algumas discordâncias de policy, deixou entreaberta a possibilidade de o vir a apoiar. Talvez reflectindo o facto de estar cada vez mais perto de ser o candidato democrata, o discurso de Obama começa a ganhar alguma especificidade, mais prosa e menos poesia - uma mudança subtil mas progressiva e notória. Metade dos seus discursos são dedicados a John McCain para transmitir a ideia de que está preparado para o combate de Novembro. A situação está muito complicada para Clinton. Mas qualquer observador da política americaa não tem dúvidas de um facto: os Clinton são resilientes, duros, muito habituados a pressão e especialistas em virar a seu favor situações desfavoráveis. Começa a ser o tempo de aplicar, e em força, esses talentos.
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