Mar Salgado

domingo, fevereiro 7:

CABEÇA FRIA (II):

O Nuno Mota Pinto, nas nossas discussões, costuma dizer que o nosso mal é sermos um país pequeno onde toda a gente se conhece. Talvez, mas existem estaminets de idêntica dimensão onde as coisas se passam de modo diferente, por isso o bacalhau tem de ser cortado mais fino.
A apropriação de um media privado por pessoal não hostil ao governo não pode ser feita sem a conivência dos capitalistas. As vantagens que os capitalistas tiram dessa cedência têm de ser procuradas em factores exteriores ao universo mediático.Querem um exemplo simples? Leiam, no Expresso, a entrevista que Erik Schmidt, da Google, deu à Newsweek.: "Não podemos continuar a participar na censura " e " Tem a ver com a nossa relutância em participar na censura " . Ou seja: participaram e , por algum motivo, cansaram-se.
As corporações para-govermanentais ( assessores, agências de imagem, pessoal político especializado) trabalham como gramscianos persuasores permanentes *. Actualizando Gramsci, o trabalho já não é feito para conquistar ideologicamente os intelectuais tradicionais, ou, melhor ainda, para produzir os seus próprios intelectuais orgânicos ( pp 11 do Cadernos, edição da IP, New York 1971). Trata-se agora de conquistar as linhas editoriais, ou, melhor ainda ( Gramsci utliza a expressão "mais eficazmente"), de produzir as suas próprias plataformas mediáticas através da escolha de persuasores amigáveis.
A diferença entre os métodos utilizados no caso TVI e os utilizados no tempo da governamentalização descarada da RTP durante o cavaquismo ,reside no papel dos capitalistas. Este artigo de Laura Pardo distingue as diferentes formas ( persuasão, coerção, ameaça) de condicionamento da representação da palavra, que é o que está em causa nos media. No artigo ( sobretudo nas páginas 7 e 8) encontramos uma boa revisão sobre o papel dos produtos mentais resultantes da persuasão encarada como um exercício de poder.
Os capitalistas aceitam fabricar os persuasores permanentes ( os novos directores de jornais e rádios que devem dinheiro a bancos controlados pelos governo) porque se estão nas tintas para o ambiente político exterior à saúde financeira do capital ( veja-se a Google).
Confundir tudo isto com "a ameaça à liberdade de expressão" na sociedade inteira é, isso sim, uma enternecedora demonstração de ingenuidade.


* Um bom exemplo ( sem as considerações pessoais de "boy" e outras que tal ):

"O problema da falta de currículo foi um pormenor facilmente contornável com a ajuda da maioria absoluta conquistada nas urnas. Rui Pedro passa logo em 2005 para o lugar de assessor da Comissão Executiva da PT Multimédia para os sectores de Business Inteligence, Imobiliário e Segurança (áreas até então desconhecidas do seu currículo).

Em Abril de 2006, Soares toma posse com 32 anos como administrador executivo da holding do Grupo PT, com um salário anual de 2,5 milhões de euros – meses mais tarde renova o seu mandato como dirigente da Comissão Nacional do PS no Congresso de Santarém".

 

posted by FNV on 9:56 da tarde #

Comments:

Ou seja, Filipe, é muito mas muito pior.

# posted by  Pedro Lomba : 12:01 da manhã

 

Acrescento o seguinte: este é um grande mas grande post.

# posted by  Pedro Lomba : 12:40 da manhã

 

Bem, lá grande ele saiu.

# posted by  FNV : 12:48 da manhã

 

Pedro,
Estive a ler o seu post (e agradeço a sua paciência para comigo). Há mais acordo do que desacordo, mas, e sobretudo, há dados que nos faltam ( aos dois).

# posted by  FNV : 1:08 da manhã

 

Bom dia Filipe,
Continuo a gostar, principalmente porque :
1º - Sai das tradiconais argumentações dos boys e asfixias democráticas.
2º - Fala do passado recente para relembrar que o que se passa hoje na essência não é novidade.
3º - Enquadra de quem são a maioria dos orgãos de informação (capitalistas ) e dos seus interesses e da reacção dos interesses dos governso e seus agentes ( qualquer que seja o governo )
4º - Não fala de fascismos, Salazar e outros que tais.
Espero que quem esteja em desacordo critique os argumentos e não caia nas facilidades de que o Filipe é ingénuo e crédulo.
Aguademos...serenamente ( como dizia o outro ).
Um abraço

# posted by  António P. : 10:32 da manhã

 

É um bocado como diz o Pedro: ingenuidade é pensar que o poder executivo actua sozinho.
Já o confundir este tipo de coisas com a ausência de liberdade de expressão, os debates em curso falam por si.

# posted by  FNV : 10:34 da manhã

 

1) Comparar a governamentalização da RTP nos tempos do Cavaco com a governamentalização de meios de comunicação social privados - da totalidade dos mesmos, pelo que se depreende das referências às aquisições do Público e da Cofina - é do tipo das comparações colonatos - campos de concentração que não me parecem aceitáveis em termos argumentativos. Não pelo motivo simples de todos os governos terem interferido na RTP (e Sócrates foi bem mais longe nisso que Cavaco, mas isso é outra estória), mas porque o projecto de Sócrates, ao contrário de qualquer outro primeiro-ministro, é totalitário, não é selectivo: visa o controlo de todos - repito, todos - os meios de comunicação social e não apenas daquele sobre tutela do Estado. E visa não apenas calar dissidências, como assegurar apoio expresso (vide, a nomeação como director de informação do Paulo Baldaia da TSF). Mas uma vez não perceber isto é não perceber o essencial.

2) A liberdade de expressão é uma condição objectiva de uma democracia, mais do que um direito individual. É assim que é vista e tratada na América e também na União Europeia, em especial, nos tribunais. Donde, o problema só pode ser de liberdade de expressão. Se não assim, de quê? O facto de haver quem se indigne, não altera uma vírgula no raciocínio. Por que haveria de alterar? Haver contestação ao tirano no Irão significa que o Irão é uma democracia?

# posted by  JB : 11:26 da manhã

 

Boa tarde, Filipe.
Concordo que a empresa e os seus financiadores, incluindo receitas de publicidade, seguem uma lógica de retorno (sucesso/flop) que cria pressão permanente; pouco se fala da situação da chamada "liberdade interna" dos jornalistas.
Abusando da hospitalidade, sugeria um capítulo de Castells (no vol 2 de A Era da Informação) sobre a política informacional e a crise da democracia; foi escrito em 96 mas enquadra bem o que estamos a passar

# posted by  pêagá : 1:35 da tarde

 

Recebido, obrigado.

# posted by  FNV : 1:55 da tarde

 

JB, a liberdade de expressão, na América ou aqui, já não está nos media tradicionais, e nunca esteve só, ou sobretudo, aí. Para falarmos na América, o farol, teriamos de falar no jornalismo embeded, seja em tempo de Guerra, seja em tempo de paz, em nome de superiores interesses públicos, dos grandes congloimerados da imprensa. A liberdade de expressão, cá e lá, sempre esteve mais nos cidadãos, nas pequenas comunidades, nas pequenas organizações privadas. E nunca se foi tão livre como agora, uma época em que podemos publicar praticamente tudo, aqui, por exemplo, neste meio. É por isso que ver uns manifestos que agora andam por aí, com anúncio de manifestações e imagem de alguém amordaçado, a mesma simbologia que se usa clandestinamente em paises como o Irão (já que falas no Irão), é ridiculo, para não dizer que é ofensivo. Não tarda, para aumentar a a carga dramática, vão aparecer imagens no youtube de tipos de máscara e voz distorcida a dizer o mesmo do Sócrates que dizem agora abertamente.
FNV, já reparei, numa volta por aí, que dar-te razão só contribui para o teu descrédito junto de um certo grupo, ou, pior, talvez, para o rótulo de ingénuo Mas como acho que consegues viver bem com isso, aqui vai: tens toda a razão.

# posted by  caramelo : 4:54 da tarde

 

Caramelo,


Os meios de comunicação social são importantes porque são correias transmissoras de ideias e, mais importante do que isso, de factos. Se são dominados pelo governo, transmitem as ideias e os factos agradáveis ao governo e formam opinião em conformidade como qualquer aspirante a ditador sabe. Como a generalidade dos eleitores é consumidora de factos e ideias, mais do que fazedora deles e delas, a breve trecho instala-se o pensamento e, mais do que isso, o conhecimento único (e quem lê jornais e vê televisão sabe que não estamos longe disso, no que toca, nomeadamente, a certos factos incómodos ao governo que nem sequer são noticiados).

Claro que este tipo de controlo de informação é extremamente difícil de fazer em democracia, porque o uso de força não é permitido. Mas há quem tente e o exemplo mais próximo de Sócrates é Berlusconi. E se pessoas de esquerda como o Caramelo criticam o Berlusconi um módico de coerência obriga a que também critiquem Sócrates; e se acham que há um défice de liberdade de informação em Itália, também terão de achar o mesmo em Portugal. O que é que isto tem a ver com liberdade de expressão? Já expliquei: não há suficiente representatividade de opiniões na opinião publicada, não há acesso à informação relevante no que toca a assuntos de Estado, não há discussão pública livre se os órgãos de comunicação social forem directa ou indirectamente controlados pelo governo. Como indubitavelmente aconteceria se, como referem as escutas, o governo conseguisse ir adiante no seu plano de comprar o Público, a Cofina e a TVI via empresas controladas como a PT.

O resto, lamento, são cortinas de fumo. Os símbolos usados na manifestação ou o que quiser. É irrelevante, porque não é isso que está em discussão e cada um se manifesta como bem entende.

# posted by  JB : 5:33 da tarde

 

JB, “está em discussão” o que queremos discutir, e eu também quero discutir isso, se me dá licença, e se me derem troco. De resto, acho extraordinário que se ache “irrelevante” uma imagem de alguém amordaçado, impedido de falar. Obviamente, é tudo menos irrelevante. Não é seguramente irrelevante para os que se manifestam, ou então é uma palhaçada igual àqueles happenings do 31 da Armada.
É tudo uma questão de grau. Eu não acharia razoável que se fizesse isso em Itália, muito menos acho razoável que se faça isso em Portugal, onde a situação é bem menos grave. Eu sei que o argumento do grau e das proporções é pouco “sexy”, mas é o melhor que tenho.
Quanto à circulação de factos e ideias, já aprendi, até antes do glorioso Independente do Portas, que há que ter muito cuidado com o que noticiam os jornais. Mas insisto numa coisa a que o JB parece não dar muita importância: há actualmente muito mais do que os jornais para trocarmos ideias e factos. A “tiragem” e influência de muitos blogues, por exemplo (aqui e noutros locais do mundo) é bem superior à dos meios de comunicação social tradicionais.

# posted by  caramelo : 6:05 da tarde

 

Bem podiam também fazer uma manifestação com o slogan "Nem mais Um Soldado para as Colónias!" ;)

# posted by  caramelo : 9:01 da tarde

 

Caramelo,

Tens razão. O grupo a que me colam ou deixam de colar é o lado para o qual durmo melhor.Já me colaram a quase tudo ( no caso dos gays era paneleirófilo para um certo advogado e homofóbico para um certo médico, por exemplo).
Aliás, em sede de propaganda e alinhamento tenho o melhor dos mestres: Orwell.

# posted by  FNV : 9:58 da tarde

 

Boa noite,

gostei do seu texto, como aliás gosto de quase todos, porque empre consegue acrescentar valor. Gosto do argumento da "cabeça fria" pois, como diz o pedro lomba, é bom tÊ-la no meio do turbilhão.
agora, devo dizer que não concordo consigo no essencial, por uma simples razão: a luta (e os adversários) há muito que perderam o nível e a vontade de esgrimir argumentos. não é possível olhar para o problema desta forma "pura" e racional quando existem os Abrantes, o Valupi, alguns Jugulares, (etc enorme) e os belos argumentos da "demência mental".
o filipe, homem honrado, vai ao duelo com espada e dá todos os passsos; do outro, armados de metralhadora, disparam à queima roupa.

# posted by  Unknown : 10:59 da tarde

 

Caramelo:

1) Quanto às formas de manifestação, o meu ponto é que não é objectivo dos manifestantes convencê-lo a si, mas pura e simplesmente manifestarem-se e fazê-lo da forma que entenderem, com os óbvios limites legais do não uso de violência. Eu pessoalmente manifesto-me assinando a petição que corre, mas não usaria quaisquer sinais fossem eles quais fossem.

2) A situação portuguesa não me parece melhor que a italiana. É a mesma coisa com a diferença do que o Berlusconi compra com o seu dinheiro pessoal os favores da imprensa, enquanto o nosso PM aparentemente usa dinheiros públicos para o efeito. O que, convenhamos, é pior. E nunca achei, para nenhum governante, que o objectivo fosse ser um pouco menos mau que o Berlusconi. Penso que o Caramelo também não defenderá o PM com esse argumento pouco convicente.

3) Os jornais podem ser lixo. Mas não só o Sócrates teve um tratamento mediático bem mais favorável que Santana (concordará comigo nesta), como nem sequer é esse o ponto. A questão está em saber se queremos que o primeiro-ministro negoceie com amigos colocados em lugares de destaque em bancos e empresas privadas a compra por parte destas de meios de comunicação social a fim de expulsar jornalistas incómodos e colocar jornalistas amigos do governo. Esse é o bottom line e a questão é muito simples: o Caramelo aceita uma situação dessas ou não aceita? Se não aceita, estamos de acordo no essencial; se aceita, não estamos de acordo.

# posted by  JB : 12:46 da manhã

 

JB, começando pelo fim: o caso PT deve ser investigado. Foi quebrado o segredo de justiça, bem ou mal, paciência. A questão do formalismo está ultrapassada, digam o que disserem os jugulares. E a situação do ministério público nisto também me parece estranha, esperemos esclarecimentos do procurador.
Não concordo nada que o S. tenha um tratamento mais favorável do que teve o Santana. O grau de diabolização do S. não tem precedentes. Leia a opinião nos jornais, mesmo naqueles supostamente comprados, leia a blogosfera, e verá.
Tivemos um caso caricato de alguém convencido que com a saida do JMT do DN, o jornal ficaria sem colunistas de direita. Está a ver como se forma a opinião? Não, já não passa só pelos jornais. E os que defendem o S. são tratados praticamente como leprosos. Não se chega ao ponto de convocar este tipo de manifestações a partir do nada.
Quanto aos favores da imprensa, o que há? é preciso ver caso a caso. Tivemos até um caso, o do JMT, em que o próprio teve de vir dizer que por amor de deus, não o transformem num mártir da liberdade de expressão. Temos agora o caso Crespo, que só com muito muito boa vontade pode ser considerado um caso de cerceamento de liberdade de expressão. Tivemos o caso Marcelo Rebelo de Sousa, que foi, na minha opinião, mais um caso de excesso de zelo regulamentar. Os casos Moniz e Manuela Moura Guedes já me parecem mais suspeitos. É preciso ter calma e analisar friamente. O berlusca é governante e proprietário de jornais e televisões, não precisa de influenciar. Escolhe ele a dedo quem quer que fale nas empresas dele. Parece-me, não sei, mais aberrante esta situação, e mais perigosa para a democracia, do que a do Socrates. Ainda assim, não falta meios para os italianos se expressarem livremente. Há mais vida e megafones para além da RAI e dos jornais.

# posted by  caramelo : 12:33 da tarde

 

Hoje, o Pedro Duarte, na AR, disse que as pessoas nos transportes públicos se queixam de que têm medo de manifestar opiniões. Ontem, dizia uma blogger no 31daArmada que um amigo lhe perguntou se vai preso se assinar a petição "Todos pela Liberdade". Tá-se mesmo a ver, não está? Eu acho que está tudo doido. Mas, lá está: se eu digo que está tudo doido, acusam-me de querer instituir cá os manicómios do regime soviético. Portanto, é melhor pensar que quem está doido sou eu próprio.

# posted by  caramelo : 2:13 da tarde

 

Caramelo,

1) Antes de mais, a notícia do Sol não viola o segredo de justiça (pode ver o meu comentário, feito post, no Blasfémias: http://blasfemias.net/2010/02/09/re-despachos-sol-liberdade-de-expressao-socrates-asfixia-posso/, que só não repito pela chatice que seria escrever aquilo de novo).

2) No resto, penso que concordamos no essencial. Que deve haver uma investigação (se não judicial, pelo menos, parlamentar).

# posted by  JB : 5:06 da tarde

 

Portanto, é melhor pensar que quem está doido sou eu próprio. - Caramelo

Falhou-me este comentário.

Só para dizer que a situação não é assim tão abstrusa. As pessoas lembram-se do caso Charrua e de outros que afectaram cidadãos normais (nomeadamente, professores que, querendo manifestar-se, foram interrogados pela polícia sem qualquer justificação).

No meu caso, penso sempre duas vezes se devia assinar com o nome próprio como faço no Blasfémias. Mas não gosto de anonimato e por isso apenas admito usar as minhas iniciais. Respeito quem utiliza o anonimato, mas não será isso também isso um sintoma de que as pessoas não falam à vontade?

# posted by  JB : 5:10 da tarde

 

O Charrua foi vitima de alguém que usou os seus poderes disciplinares com alguma largueza, ao que se conta. Mas não é de agora que os funcionários públicos não podem falar livremente. Nem sei bem se foi o caso, mas, de qualquer forma, a Administração Pública sempre teve tiranetes, desejosos de agradar aos chefes, quer estes queiram, quer não. Curiosamente, muitos dos que sempre defenderam a Ordem e a Disciplina para os servidores do Estado, e que, tenho a certeza, fariam o mesmo ou pior, viram nesse episódio um atentado à liberdade de expressão e vão lá estar na manifestação em desagravo também ao Charrua. Tá bem, abelha.
Quanto aos professores, acredito mais que tenha havido um mal entendido e um empolamento oportunista, tanto da parte dos sindicatos, como da oposição. Não me parece que quem quer que seja tenha razões para ter medo de falar à vontade. Mas nisto são possiveis muitos malabarismos e manipulações, de palavras e sentimentos e até acredito que o medo se vá instalando. Depois, lá está, como dizia esfingicamente a grave Manuela: é muito grave para o regime que as pessoas sintam medo ;).
Quanto ao anonimato, cada um é que sabe porque assina com nick, ou não assina. Acredito que muitos o façam, simplesmente, porque gostam de insultar à vontade. É velho. Mas cada um sabe de si.
Isto parece mais um filme de terror de série z. Melhor: a paródia do Scary Movie

# posted by  caramelo : 5:45 da tarde

 

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