NO FIM SOMOS APENAS TERRITÓRIOS DESPOVOADOS: Quem mo diz é o/a comentador/a do meu post "Menos Um". Talvez fosse essa a minha intenção, a de descrever a palentologia da memória como a de uma disciplina do desperdício; o que fica é para ser desenterrado ( formulação clássica ) ou descodificado ( tradução actualizada). Seja como for, o problema do despovoamento mantém-se: as perdas são sempre mais pontuais/regulares do que as reconstituições. É como se houvesse sempre algo de mais poderoso na memória do que se perde do que no rigor do que se ganha. Um tipo tem por exemplo, cinquenta anos, e perde o pai. O que pode ele fazer, na vida que lhe resta, para compensar essa falta? Nada. Mas se a uma criança lhe morre a mãe aos sete anos, tem a vida toda à sua frente? Pois tem, mas sem mãe. Ou seja, com a biografia limpa de cobertores entalados, reuniões de pais, férias na praia besuntadas com creme factor de protecção 30. Territórios vazios, qualquer que seja o balão panorâmico que utilizemos.
Um prazer trocar ideias consigo. A alternativa à subtracção não é apenas ficarmos sentados à espera da morte, se bem que isso até me pareça mais agradável do que procurá-la incessantemente, ou, pior, imaginar que ela não chega. Compreender a subtracção contínua, mais nuns casos do que outros, certamente, implica compreender a disposição dos planos: o que cá está e que julgamos nosso e intemporal, só nos foi emprestado. De certa forma ( isto vai mudando, compreenderá...), a vitória é o uso que fazemos do amor às coisas, e as grandes perdas explicam-nos se as usamos bem ou mal. O território despovoado - uma fotografia nossa ao lado de quem já não poderemos voltar a tocar e que já não nos ouve - é um retrato de uma expedição solitária.
posted by FNV on 10:09 da tarde
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MNE: É o preço a que Roma paga. Ao marido de Maria. Maria Roma.
MENOS ZERO: Na sequência do post anterior, falta, entre muitas outras coisas, referir uma palanca negra: a perda na infância. Um miúdo ou uma menina que perdeu um dos pais, por exemplo aos sete ou oito anos, sofre o que vocês não conseguem imaginar. Nem eu, de resto, mas que me habituei a ouvir. Adultos, temos o trabalho, as amigas, o Benfica, mas temos sobretudo o passado atrás de nós. Temos alguma coisa que já fomos, o que ainda que vagamente, nos permite confiar. Em criança, não temos nada a não ser o silêncio. Amanhã, Sábado, era o dia em que o meu pai costumava jogar à bola comigo, muda aos cinco acaba aos dez, penalties só devagarinho. Mas esse Sábado transmuta-se noutro, impecavelmente organizado por familiares empenhados. Só anos mais tarde, quando não conseguimos fazer uma cadeira que seja do curso, ou quando o amor nos parece uma roleta russa, é que damos pela coisa. O João dos Santos costumava contar a historieta da menina cujo pai estava em viagem de negócios e que não queria ir à escola nesse dia. Nesse dia, as crianças deveriam ir mascaradas de princesas e príncipes guerreiros. Quando a professora indagou do motivo da recusa, a menina respondeu-lhe: não posso lutar, o meu pai está em Paris.
posted by FNV on 9:46 da tarde
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MENOS UM: Quando perdemos alguém, a primeira coisa a fazer é afixar de novo o preço do pão, como nas cidades bombardeadas. Significa isto conseguir sair da cama, voltar a trabalhar, a fornicar, a ver futebol, a cuspir para o chão. A rotina instala uma ordem preciosa, a única que temos. As fotografias, as pastelarias nas quais com ela bebemos um café ou a ele lhe compramos um bolo, essas salgas podem bem esperar. Por vezes, é muitos anos depois que desejariamos poder falar com quem perdemos. Então, raspamos anos de empáfia e aceitamos a derrota. Porque é que já não dói tanto? Pela complexa razão que então, somos outros. Já não somos quem perdeu, somos quem reconstituiu. Músculo após músculo, palavra atrás de palavra, a nossa vida já é outra coisa. Nessa altura, ao volante ou a pé, lembramo-nos do que ele ou ela nos diria: não interessa, já não nos podem ouvir. Somos sempre uma subtracção, o que só descobrimos a espaços.
Sei-o muito, muito bem, e já aqui o escrevi diversas vezes; é nesse sentido que digo que "reconstituimos", que a nossa vida "já é outra coisa", obviamente adicionada da perda. Inevitável. Mas o post ia noutro sentido. A subtracção, o que perdemos, com o tempo coloniza territórios que a certa altura se autonomizam: já não nos ouvem. Um abraço.
posted by FNV on 9:14 da tarde
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LIVRO DE ESTILO: A propósito desta meritória iniciativa do Público - jornal que leio diariamente - embora ainda não tenha lido o referido livro desde já me questiono se o mesmo contem alguma reflexão sobre o "tratamento" dispensado ao anterior governo e sobre a imparcialidade do acompanhamento da campanha eleitoral (que culminou com a trapalhada sobre o pensamento de Cavaco, seguido de louvável pedido de desculpas). Outra comparação interessante é a da atenção dispensada à formação do governo Santana em comparação com o aparente desinteresse em relação à formação do governo Sócrates. É o reino da paz e da tranquilidade. Nem parece que falta uma semana para a tomada de posse. Não há avanços, recuos, "negas" ou sequer convites, nem sequer aventados ministeriáveis e inerentes reacções, por parte de comentadores. Será que não sabem nada sobre o assunto? Comparem com o tratamento dispensado à formação do governo de Santana. De resto, a avaliar pela 1ª página de hoje, parece que o mais importante, neste momento, é conhecer o futuro de Santana.
posted by Neptuno on 5:35 da tarde
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TÍTULO PERIGOSO: Hoje, no Público, na página 17 ( edição Centro): "Esquerda quer que a violência sobre mulheres volte à tutela do primeiro-ministro". Sempre me pareceu que à esquerda, a violência sobre as mulheres era mais institucional. À direita é mais do género alcoolizada, e ao centro mais informal.
posted by FNV on 11:36 da manhã
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ACONCHEGO XIII: Com o frio caiu-me o nariz, e quando o apanhei meti-o logo no bolso. Mais tarde, em casa, reparei que afinal era o nariz de outro. Assim, quando lhe disser que a amarei para todo o sempre, alguém será milimétricamente apanhado a mentir.
posted by FNV on 10:56 da manhã
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OS TEMPOS DO VERBO: Na capa do Independente, leio hoje esta declaração do padre Serras Pereira: "Há muitos católicos implicados na morte de seres humanos". Tem toda a razão. Há e houve: é um hábito que o tempo veste.
posted by FNV on 10:51 da manhã
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ISTO ESTÁ TUDO LIGADO: Quando um tipo pensa que já conhece toda a cartilha paranóide-litigante que é usada lá pelas bandas do FCPorto, surpreende-se sempre. Dois jogadores do FCP foram alvo de um processo disciplinar, porque alegadamente terão demorado mais tempo do que o permitido a deslocarem-se a um controlo anti-doping no final de um jogo qualquer. Que diz, a este propósito, o novo treinador, José Couceiro? Isto: "Se há uma componente política, devido à mudança de governo, então o caso é diferente. Se assim for, estamos a ser usados num processo político".
A LÍNGUA PORTUGUESA É MUITO TRAIÇOEIRA: Voltou aos écrans de televisão a publicidade mais hilariante - posto que se trate certamente de efeito involuntário - da última década. Vi o spot, pela primeira vez, há muito tempo atrás enquanto jantava no velho Aviz, e rebolei-me interiormente de riso (se assim posso dizer). Como a campanha durou só dois ou três dias, pensei que algum responsável pela coisa tinha mandado parar as máquinas. Eis senão quando ela regressa, anos depois, com novo visual - mas sempre em tons de vermelho e com o mesmo slogan. No original inglês: Deep Red. Your fragrance, your rules. A versão portuguesa: Deep Red. A tua fragrância, as tuas regras. Consigo ver o malandro do tradutor, agarrado à barriga, a mostrar a gravação do spot aos amigos depois do jantar, naquele momento-whisky em que o comum dos mortais partilha um episódio do South Park ou um filme do Zé do Caixão.
FELICITAÇÕES: Ao Blasfémias, blogue de referência da direita portuguesa, que celebra o seu primeiro aniversário com mais de três centenas de milhar de visitas. Um pretexto também para saudar o Gabriel Silva, que continuo a ler com o mesmo prazer dos tempos do Cidadão Livre, dado que já não se sopram as velas nos aniversários do seu blogue.
posted by PC on 11:19 da tarde
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SUMO: Luis C. Mennotti dizia que de um talento para o futebol se podia fazer um atleta, mas que o inverso era impossível. Desta equipa do meu Benfica, que hoje merecia ter ficado pelo caminho na Taça dePortugal, talvez se possa vir a a fazer bagaço. Nunca uma grande colheita.
posted by FNV on 10:55 da tarde
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EUROCHERNE: O que nós, que por cá ficámos, beneficiamos na União Europeia com o envio de um "diplomático" peixe daqueles para Bruxelas (para além de eventuais ganhos internos, que não vêm agora ao caso), é o que se revela, sem demora, no problema das línguas: os espanhóis bateram ao pé contra a passagem ao trilinguismo (inglês, francês e alemão) em vários procedimentos internos, como conferências de imprensa e tradução de documentos; e nós até lhes demos uma ajudinha. O resultado não se fez esperar: a Comissão Europeia "rectificou", e decidiu alargar novamente as línguas permanentes (isto é, com tradução) nas conferências de imprensa dos comissários, para além do inglês, francês e alemão... ao italiano, espanhol (castelhano), polaco e holandês! É certo que até parece haver um critério (número de falantes cidadãos da União). Mas havia mesmo que cortar pela linha que nos deixa de fora? E tínhamos de ter um presidente da Comissão para deixar de poder ouvir na nossa língua o que os comissários dizem?
SOLIDARIEDADE REGIONAL: O Aeroporto Francisco Sá Carneiro é hoje a representação física da equipa do FCP: a coisa está feia, falta muito tempo para acabarem as obras e a temperatura é glacial. Mas pode ficar bonito.
APRENDER COM OS ERROS: Por uma questão de interesse público, espera-se que as duas candidaturas à liderança do PSD não degenerem numa lista única que alcandore Luis Filipe Menezes a vice-Presidente do Partido. Nunca se sabe o dia de amanhã.
posted by PC on 12:58 da tarde
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OBRIGADO CAMARADAS: Passamos a publicar uma carta anónima que, certamente por engano, chegou à nossa "redacção": "Obrigado, camaradas jornalistas, por me deixarem trabalhar com total tranquilidade na escolha do novo executivo. Tenho reparado, com agrado, que o meu nome raramente tem aparecido na imprensa, que não há especulações com nomes "ministeriáveis", com eventuais "negas" ou preferências, que não há qualquer pressão sobre o andamento do processo. Enfim, nem parece que há um governo em formação, cuja composição é muito importante para os destinos do país, nem sequer que há responsáveis - eu, por exemplo - ou mesmo que o tempo está a esgotar-se. Assim é que é. Deixem-me trabalhar, como dizia o outro. Bem hajam!"
posted by Neptuno on 12:56 da tarde
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SONDAGEM: Seria interessante saber o que os portugueses pensam sobre as seguintes questões: - haverá renovação no PSD com a liderança de Marques Mendes, Ferreira Leite ou Meneses? - acredita num governo que recupere os ministros do último governo Guterres?
ACONCHEGO XII: "Porque é que às vezes é tão difícil decidir até onde vamos passear?", perguntava Thoreau. Heidegger escrevia sobre os seus holzwege, "passeios/caminhos da madeira/no bosque", qual Siddhartha feito repórter: os lenhadores e os guardas-florestais conhecem os caminhos. Também por vezes tenho a estúpida pretensão de conhecer alguns caminhos, que outros cartografaram: geógrafos histéricos, canalizadores honestos, orfãos obrigatórios. Certas narrativas ecoam nas minhas, malhando aço e areia, mas com a limpidez da rotina a coisa perde-se, e volto ao meu porto. Onde não há lenhadores nem guardas-florestais.
posted by FNV on 10:00 da tarde
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TERRITÓRIO & REPRESENTAÇÃO: Edward Said, numa entrevista ao "Progressive" ( publicada em "Power, Politics, and Culture; Interviews with Edward W. Said", Vintage Books, New York 2002), aponta ( pp 318-319) um aspecto essencial, no plano político, do problema palestiniano: "somos hóspedes em todo o lado". A democratização, a ocidentalização ( palavra perigosa...) das estruturas politicas palestinianas choca de frente com este problema: a inexistência de uma razoável identidade e homogeneidade geográfica. Said entendia em 1987, data da entrevista a que me refiro, que os palestinianos poderiam dar o exemplo em termos de representação democrática, e não tinha qualquer problema com as palavras. Ou seja, se o pluralismo siginifica para a Palestina algo importado do Ocidente, tanto melhor. Said refere ainda uma verdade evidente nesta entrevista, quando diz que muitos palestinianos da diáspora estão alojados em países sem qualquer vivência democrática. Claro que a retirada israelita de algumas zonas seria um passo decisivo para a consolidação de um estado de direito democrático na Palestina. E existe mais do que um actor nada interessado em que isso aconteça.
Adenda: Na minha insignificante opinião em matéria de diplomacia, Israel deveria ter participado na conferência que se desenrola neste momento em Londres, ainda que a condenação da intifada não faça parte do sumário da reunião: perde mais do que ganha.
OS MEDIA E AS ELEIÇÕES: Independentemente dos jogos de bastidores, pressões e tentativas de influenciar os media por parte dos partidos políticos - eventos que raramente chegam a ser integralmente conhecidos do grande público - e independentemente dos (de)méritos de Santana Lopes e da sua equipa nos resultados das eleições legislativas, penso que se deve questionar objectivamente a actuação dos media na respectiva campanha eleitoral. E, objectivamente, pode afirmar-se que o tratamento dispensado a Santana foi tudo menos isento. A partir de certa altura gerou-se um certo unanimismo na imprensa escrita e em certos canais de televisão contra Santana, favorecendo claramente o seu adversário político. Tudo isso seria aceitável se esse "alinhamento" fosse precedido de uma posição editorial nesse sentido, por parte do(s) orgão(s) de comunicação em questão. Se assim fosse, os destinatários poderiam fazer o seu juízo dispondo de todas as coordenadas, podendo valorizar, desvalorizar ou ignorar tal orgão em conformidade. No entanto e o que é grave é que tal alinhamento foi praticado a coberto da credibilidade que é conferida a meios de comunicação que são, ou eram, considerados referências de isenção, credibilidade e seriedade. E assim, os destinatários receberam como boa e credível uma realidade que foi deliberadamente distorcida - por acção e/ou omissão - em função de determinado objectivo. Isto chama-se manipulação. Seria bom para a democracia que houvesse mais opções para fazer face ao monopólio das "referências" mediáticas existentes - monopólio = poder, e este corrompe... - e seria igualmente bom que certos orgãos de comunicação, em prol da sua reputação, fizessem uma análise do seu comportamento na última campanha eleitoral.
VELHOS CÚMPLICES: Israel quer retirar dos territórios ocupados, mas a Jihad não deixa. Abbas, o sucessor de Arafat, é claro: " não ficaremos silenciosos perante este acto de sabotagem". Mas o silêncio da inteligência europeia, que há muito definiu as águas - os sionistas ricos contra os árabes oprimidos - é todo um programa. Já aqui o escrevi e repito-o: qualquer aroma a secularização que chegue às narinas dos conservadores islâmicos é imediatamente abafado com o cheiro da pólvora. Vai ser muito interessante ver como a tal inteligência europeia, que desculpou sempre o assassino fundamentalista sob o (falso) pretexto da auto-defesa, reage, agora que a vítima ( para já indirecta, pois a intenção dos atentados é levar Israel a recuar no propósito de retirada) é o próprio povo palestiniano. Os senhores da guerra estão-se nas tintas para os direitos e dignidade do povo palestiniano, e por isso tudo farão para que Israel permaneça nos territórios ocupados. O que lhes interessa, com o apoio do anti-semitismo e antiamericanismo europeus, é manter a velha ordem, a ordem da fiqh, da morte e da submissão.
Caro Lutz: a inteligência europeia a que me refiro é a mesma que não digeriu a participação eleitoral no Iraque. Quanto ao segundo aspecto, claro que estou de acordo consigo; muitos erros ( e massacres, como já aqui escrevi) Israel cometeu com e sem o apoio dos EUA. Mas neste post estava em causa um aspecto actual da situação, porque senão, como diz o meu companheiro de nau P.C., acabamos a discutir a arbitragem do Inocêncio Calabote nos anos sessenta. Um abraço blogosférico.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.