Diz-se que antigamente as mães não tinham tempo para as criancinhas. As camponesas, as operárias e as remediadas não tinham. As madames tinham mas não queriam. Pois, mas havia irmãos e primos numa zona de proximidade. E essa malta providenciava. Uma jovem mãe moderna foi despejada na creche aos três meses, cresceu a ver TV e adolescenciou a suspirar telenovelas. Cresceu sozinha. Vai abdicar das fantasias online, do rafting com os colegas de escritório, das jantaradas com os amigos? Porquê?
posted by FNV on 7:32 da tarde
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MARINHA LOUCA:
A televisão diz-nos que na Marinha Grande existem dois mercados municipais. Bom? Nem tanto. O mais antigo foi fechado pela ASAE e o novo permanece encerrado. Onde se vende? Na rua e ( futuramente) em tendas que vão a ser "disponibilizadas" para o efeito. Rica terra, a Marinha Grande.
posted by FNV on 3:47 da tarde
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ODI ET AMO (XXXIV):
Os bebés de hoje são muito exigentes, diz-se. Não existe motivo para tal. Os pais de hoje, normalmente apenas de uma criança, é que são pouco generosos. E compreende-se. Os pais de hoje dispensam aos filhos todos os cuidados. Escolas, dietas, roupas, psicólogos. O que raramente dispensam, porque não podem, é tempo. Também eles receberam pouco tempo dos seus pais, trabalhadores incansáveis ou profissionais de sucesso. Por que razão uma mãe moderna há-de passar horas a brincar com a filha pequena? O hábito é repetição.
De quando em quando, regressa o mito do maravilhoso sistema de saúde das ditaduras comunistas. Agora é Cuba , de novo, e por comparação com os EUA. Quando eu era novinho, esse mito era acompanhado de outro, o das barrigas cheias. Quando eu era novinho ( e já algo céptico), intrigava-me que as fronteiras fossem tão vigiadas se o essencial estava assegurado. Zita Seabra, que visitou o comunismo real enquanto comunista dedicada, também ajudou a alimentar esses mitos. Depois, quando já não era tão dedicada assim, descobriu que afinal os hospitais eram miseráveis e as prateleiras estavam vazias. Continua a haver uma coisa maravilhosa no mundo comunista ( que aliás está na sua génese) : a propaganda.
A necessidade sedenta de comunicação obriga-nos hoje ao uso de técnicas cada vez mais sofisticadas. Temos de estar sempre contactáveis, a solidão é uma esponja. Mas a nossa vida não mudou assim tanto com a orgia comunicacional. Continuamos a morrer e a adoecer quando deve ser; continuamos a ser encornados quando tem de ser; continuam a mentir-nos quando merecemos.
posted by FNV on 8:41 da tarde
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NARCOANÁLISE ( Nova Série):
A China do início do século XX produzia quantidades brutais de ópio. Em 1905, fabricou entre 27 a 36 toneladas, cerca de oito vezes mais do que o que importou da Índia ( britânica). Em 1907, em Fuzhou, existiam cerca de 3000 dens e em Xangai 1600. Cantão albergava 1700 fumeries, algumas eram propriedade de franceses que ostentavam (belos) nomes como Pavillon des Rêveries Nuageuses ou Sincérité Méridionale. É impossível calcular exactamente o número de opiómanos, mas as fontes que considero mais credíveis calculam entre 15 a 20 milhões de viciados. O cenário chinês é muito útil para trabalharmos os actuais, sobretudo o afegão. A China dessa altura produzia e consumia em quantidades astronómicas, o Afeganistão é actualmente o primeiro ( e quase único) produtor mundial, mas o consumo interno é irrelevante. A produção chinesa foi estimulada pela necessidade do consumo, a moderna produção afegã foi montada para gerar receitas que suportassem a guerra ( primeiro contra os soviéticos, depois contra os americanos). Não devemos esquecer que a produção chinesa posterior a 1842 teve (também) como objectivo equilibrar a balança comercial com a Inglaterra - que inundava o país com o ópio indiano. A situação chinesa dessa altura evoluiu de forma interessante. Depois da vitória dos liberais de Campbell-Bannerman ( 1906), os ingleses prometeram reduzir em 10% ao ano as exportações de ópio ( diminuindo drásticamente a produção indiana) se os chineses se comprometessem em reduzir a produção nacional nas mesmas proporções. Assim se fez o Ten Year Agreement que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1908, sob inspecção britânica, e que foi um sucesso surpreendente. Este acordo preparou o terreno para a conferência de Xangai( 1909) e nos seis anos seguintes o consumo de ópio na China desceu para metade. A história não fica por aqui, mas um axioma podemos recordar: só se consegue diminuir a produção de uma droga se se conseguir diminuir a sua procura e se essa estratégia for concertada. Para diminuir a procura, como fizeram os chineses a partir de 1906, têm de ser aplicadas medidas violentas: castigos corporais, prisão, desprezo pelos direitos individuais; para diminuir a produção, como fizeram os ingleses na Índia, os governos têm de deter o monopólio produtivo e comercial. Tudo coisas impossíveis nos dias de hoje.
( continua)
posted by FNV on 8:04 da tarde
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ODI ET AMO (XXXII):
Séneca avisava que devemos evitar, mais do que tudo, a multidão. Referia-se o andaluz à bestialidade da uenatio do meio-dia e ao efeito que a turba provoca num espírito frágil. O meu , por exemplo. O problema é que hoje a multidão entra-nos em casa, coisa que os teóricos de há cem anos ( le Bon, Freud, etc) não sabiam ser possível. A gente quer sangue, muito sangue. Evitar é difícil. Talvez trabalhar para minar a densidade da turba, talvez atirar para o chão - dispersando a manada - como faz o caçador de elefantes.
BREAKING NEWS: Fontes usualmente consultadas pelo jornal Record afiançaram ao Mar Salgado que Gilberto Madaíl terá telefonado três vezes a Abramovich para aproveitar o empate com o Rosenborg e despedir José Mourinho.
RESCALDO DAS QUARTAS: Há já muito tempo que não assistia a um comentário de António Tadeia. Gosto de ouvi-lo (como talvez o próprio dissesse) exorbitar da (como diz o nosso FNV) langue de bois do futebol e, na mesma noite, qualificar dois, nada menos que dois, jogadores (Totti e Fabregas) como "fulgurantíssimos", lembrando-nos a urgência de recuperar as palavras. Depois, num momento em que a principal discussão do futebol português anda à volta de saber se o seleccionador nacional agrediu ou apenas tentou agredir um jogador adversário, A. Tadeia soube repor, com a altivez necessária, a complexidade da análise filosófico-futebolística: o Inter, quando joga fora, não entra em campo para ganhar, entra em campo para "especular". É, a partir de hoje, uma tese incontornável, a merecer seguimento nos próximos meses. Entretanto, fica a lista dos internacionais portugueses que tiveram uma intervenção decisiva nos resultados da primeira jornada da Champions: Nuno Gomes, Cristiano Ronaldo, Manuel da Costa (por duas vezes), Miguel, Deco e Fernando Meira.
Jogaram no batatal e perderam contra os portugueses do United. Estes tios de Alvalade fazem lembrar aquelas pessoas que têm mesas de bilhar em casa mas usam o pano pousar travessas.
posted by FNV on 10:08 da tarde
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NO PRAVDA NÃO HÁ IZVESTIA:
O DN de ontem merecia ter sido assinado pelo gabinete de imprensa do PM. Por exemplo, por causa das aspas cuidadosamente colocadas apenas na última palavra do título sobre a primeira fase de acesso às universidades ( um truque velho e relho). Ou, ainda melhor, por causa da reportagem sobre a visita de Sócrates a Washington: desde o "silêncio" de Sócrates quando Bush agradeceu a participação portuguesa na guerra do Iraque ( agora são psicanalistas) até ao "exemplo de vitalidade aos 50 anos" ( sobre o jogging habitual).
PERGUNTAS TRISTES E RESPOSTAS DEPRIMENTES: Pergunta Triste: Quem anda a pagar a campanha de alguns media - e, em particular, do Correio da Manhã - contra a redução dos prazos de prisão preventiva? Reposta Deprimente: Ninguém. Ou melhor: quem o compra e quem anuncia lá.
posted by PC on 1:54 da manhã
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ODI ET AMO (XXXI):
É espantosa a quantidade de psis que debita sobre a fidelidade sexual. A dita cuja foi inventada pela Igreja ( Tertuliano o primeiro grande teórico) , território hostil aos vendilhões. Fora dos Mandamentos, a fidelidade sexual só se explica pela incompetência. Um tipo cheira demasiado mal, uma mulher está convencida que casou com o pai e por aí fora. Claro que também há o acaso ( sinistro) : num par, cada um tem excatamente o que falta ao outro. E não precisaram dos padres nem dos psis para o descobrir.
Há um debate e uma corrida à liderança no PSD. Parece mentira mas é verdade. Este sinceramente vosso, espectador provinciano, seria capaz de jurar que os dois personagens estão ocupadíssimos a fazer campanha apenas nas concelhias e nas distritais. E fazem bem: o país deles são elas.
Aquele senhor que acredita que podemos reencarnar em formigas ( sim, eu sei, é mais Anatta mas vai dar ao mesmo) foi-se embora. Vá em paz. Churchill dizia não saber distinguir um profeta verdadeiro de um falso a não ser pela medida do seu sucesso. Então parabéns.
Afinal o cabo Costa ( de Santa Comba) não vai ser "libertado". Os media vão agora seguir a história do Zé do Telhado, em prisão preventiva desde 1861. Parece que o caso do famoso Boca Negra, amigo do Teixeira, também vai ser escrupulosa e objectivamente analisado pelos nossos jornalistas. Isto não é a Inglaterra dos tablóides.
O de Ana Gomes Ferreira, na "Pública" de hoje. No seu "artigo" sobre Coco Channel nem se deu ao trabalho de elidir as expressões brasileiras: "(...) foi ao jersey que ela jogou mão..." e muitos outros exemplos ( de copianço descarado e de corte-e-cola atabalhoado) abundam no artigo de referência , na revista de referência, no jornal de referência.
posted by FNV on 10:58 da tarde
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30 ANOS: Steve Bantu Biko (1946 - 1977).
posted by PC on 4:36 da tarde
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NARCOANÁLISE ( Nova Série):
As guerras anglo-afegãs ( de 1839 a 1919), se bem que subordinadas ao Great Game ( ou Torneio das Sombras, na expressão mais elegante do Conde Nesselrode), estabeleceram sempre relações com a produção e tráfico de ópio. Já aqui trouxe o assunto numa perspectiva regional, hoje trago-o com mais pretensões. A segunda metade do século XIX não incluiu nenhuma tentativa organizada de limitar ou proibir a produção de ópio. Pelo contrário, o objectivo era produzir e negociar ópio. A Índia fazia na altura o papel do actual Afeganistão: entre 1880 e 1890 exportou para a China sete milhões de toneladas. A Pérsia beneficiou da normalidade restabelecida pelas vitórias inglesas sobre os chineses, passando a exportar em força para a Europa a partir de 1853. Os portugueses, em Macau, importavam de Malwa ( Índia), no início do século XIX, 300 toneladas por ano, números deveras emblemáticos da nossa capacidade empreendedora. Nas décadas que se seguiram, e até ao primeiro confronto sino-britânico ( 1840) , continuámos tranquilamente o nosso tráfico embora com dificuldades naturalmente acrescidas. Seja como for, Silveira Pinto, o Governador-Geral, proibiu Roberts e Shuck, famosos missionários protestantes (que se queixavam que o ópio tornava os chineses insensíveis aos ensinamentos de Cristo), de continuarem as suas prosélitas actividades no território. Naturalmente. Regressando ao Afeganistão, já terão reparado na coincidência das datas: a I Guerra Anglo-Afegã coincide com a I Guerra do Ópio. Os ingleses estavam preocupados com a incursão persa sobre Herat, porque os persas estavam sob influência russa. O Afeganistão passaria a ser uma via franca para as pretensões dos russos (sobre a Índia) que por sua vez estavam já no extremo norte do Kara Kum. Em Abril de 1830, regimentos bengaleses entravam em Kandahar e a 24 de Maio o aniversário da Rainha era celebrado com uma dose dupla de gin. A vida dos ingleses em Kandahar, na altura do Great Game, não foi problemática: não interferiram. Mas a rivalidade anglo-russa, sempre com a protecção britânica da galinha dos ovos de ouro ( o ópio indiano) no horizonte, levou ao fecho das rotas tradicionais de comunicação Herat-Peshawar e Kandahar-Bolan. O Afeganistão, convertido em estado-tampão, viu a prosperidade passar ao largo. A política imperial e o valor do ópio (cash-converter na China, nas imortais palavras de Jardine) transformaram um corredor comercial secular numa inóspita e empobrecida região. Muitos anos mais tarde, os afegãos dariam o troco... ( continua)
Bibliografia: variada, mas sobretudo P.Fay ( 1975) e Chouvy ( 2002).
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.