Mas para que serve uma relação longa? Que superioridade exibe relativamente a uma sucessão de experiências agradáveis? Uma certa corrente de pensamento, hoje muito em voga, tende a considerar estas como filhas bastardas de um qualquer hedonismo apocalíptico.
O tom depende da época. Em Atenas, não era bem vista a duração excessiva da relação do erastês com o erômenos. Nos bons tempos do país rural, o padre também não devia prolongar, para além do razoável, a sua relação com a governanta ( frequentemente apresentada como uma "sobrinha" distante). Só interessa o que estamos dispostos a perder. Só a derrota constrói uma relação que sobrevive ao interesse passageiro. O homem que deixa tudo para ir viver com alguém que conheceu na noite anterior não vale menos do que aquele que calculou toda a sua vida para não envelhecer sozinho.
Não refiro nomes, datas, nem qualquer outra pista identificativa, como é evidente. Trata-se de uma mulher que após dois meses de casamento se apaixonou por outra pessoa. Divorciou-se. Até aqui tudo como dantes em Abrantes. A parte boa vem a seguir. O futuro ex-marido, inconsolável, levou-a a um psicólogo. Veredicto: a senhora sofre de síndroma de encantamento. Só um milagre nos livrará destes aldrabões de feira.
A professora entrou no curso que não quis, foi dar aulas porque não havia alternativa, suporta os 100 km diários à custa da fluoxetina; o rapaz já conheceu à mãe dois namorados, janta comida de plástico com a televisão por companhia, tem as estantes do quarto cheia de jogos de vídeo; a rapariga come duas novelas por dia, nunca leu um livro até ao fim, não quis a avó entrevada em casa porque é chata. Depois, como que por milagre, esta gente deveria passar os seus dias numa escola marcada por uma "cultura de excelência e de rigor".
Tenho à minha frente a factura* de uma farmácia parisiense ( Troty-Girardière) passada à Madame Perrin, nº89 Avénue de Versailles, com a data de 31 de Dezembro de 1884. A Madame gastou vinho de coca ( Vinho Mariani) e láudano de Sydenham ( tintura de ópio). Há um retrato de Thomas Sydenham no All Souls College de Oxford: um homem banal e sereno, que fugiu da peste que assolou Londres entre 1644 e 1666. Sydenham dizia que a hipocondria era o equivalente masculino da histeria e prescrevia o preparado a toda a gente aflita da alma. A Londres do século XVIII continuou a usar o láudano em quantidades apreciáveis. A cólera, o reumatismo, a água infecta, também eram causas do consumo do célebre pain killer. A realeza não o dispensava, embora por razões, digamos, mais espirituais ( Jorge IV era um grande consumidor). Nesses tempos, incluindo a Era Vitoriana, o consumo do ópio ( a parte indispensável da fórmula de Sydenham) era tão normal como respirar. A "desmoralização da sociedade" não passava pela papoila. E ainda não passa.
* Com a inestimável ajuda da Barbara Hodgson
posted by FNV on 11:08 da tarde
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IO SONO UNO DEGLI ALTRI:
As ideias do Arroja dão-me vontade de ser judeu, pese o meu desgosto por barretes apertados; as opiniões do Watson dão-me vontade de ser preto (há muitos anos que jogo como o Binya); a tese segundo a qual o Islão é sempre uma cultura de morte dá-me vontade de ser muçulmano, não sendo certo que consiga dispensar uma boa morcela de assar.
Na série Narcoanálise, um olhar mais detalhado sobre Khun Sa, que morreu na semana passada, e uma primeira leitura do que parece ser melhor livro do ano sobre a matéria: "Opium Season: A Year on the Afghan Frontier", de Joel Hafvenstein, acabadinho de ser publicado.
A Luís Filipe Vieira na sua tentativa de controlar as claques do Benfica. Jornalista neo-urbanos ainda com hábitos de arraiais agarrados ao capote é que apreciam "o colorido que as claques trazem ao futebol". Não trazem nada a não ser grosseria e modos de manicómio.
posted by FNV on 10:18 da tarde
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O COMPLEXO DE ROCINANTE:
Ribau Esteves assina uma nota oficial do PSD que diz que a presença de Menezes no Conselho de Estado não é essencial "ao combate democrático". Logo agora que eu ansiava pelos relatos dos momentos de disforia - "metacomunicação emocional com os portugueses" na linguagem dos aldrabões - de Menezes diante do Pai Tomás.
posted by FNV on 9:04 da tarde
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O COMPLEXO DO MORCEGO VERMELHO:
O SIS, a secreta portuguesa, está terminantemente proibido de escutar quem quer que seja. Teremos sempre o impagável Peninha e o seu telefone de cordel.
posted by FNV on 9:01 da tarde
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O PROGRAMA "PORTO FELIZ":
2113 pessoas atendidas, 567 protocoladas, 286 aptas a trabalhar, 174 efectivamente a trabalhar. Isto é um típico programa de redução de riscos e muito contente fiquei quando vi a lista de personalidades que manifestaram o seu apoio a Rui Rio. É que nessa lista estão pessoas que habitam áreas doutrinárias normalmente avessas a programas deste género.
Se repararmos, metade dos protocolados - quer dizer, lavados, alimentados e provavelmente a consumir drogas ilegais ou de substituição - não estão aptos a trabalhar. É coisa normal num programa de redução de riscos. A eficácia das políticas de redução de riscos depende sempre de um factor essencial: o tempo. A interrupção do "Porto Feliz" - como a asfixia de outros programas - confirma que em Portugal a droga rende é na demagogia eleitoral ou nas peças jornalisticas feitas para excitar.
É bom lembrar, no entanto, que o objectivo inicial de Rui Rio era acabar com os arrumadores na cidade. A fantasia jacobina já deve estar, por esta hora, guardada em lugar seguro. Uma boa política de drogas é uma política da realidade.
posted by FNV on 6:57 da tarde
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ODI ET AMO (XLVI):
Diante do perigo o tempo pára. Bem, nós paramos e julgamos que o tempo nos obedece. Os caçadores de leopardos sabem-no, os cancerosos idem. No prazer o tempo também pára. Aquele centímetro de pele que parece não mais acabar, aquele pedaço de alvorada diante das encostas vermelhas de Céret que nos faz desejar que o dia não nasça. Tudo muito bonito, mas estranho. Ou talvez não. O perigo e o prazer são marcadores mortais. A tentativa do domínio do tempo é da ordem da razão, esses marcadores habitam outras caves. Quando aparecem, turbulentos e majestosos, apercebemo-nos que não sabemos nada.
Dizem que os novos casamentos - ou as novas relações de longa duração - falham por causa do excesso de liberdade sexual, das agruras da vida quotidiana e do "egoísmo". Pontualmente, talvez. O factor decisivo é, no entanto, outro. Se ela é sexualmente desinibida, não sabe fazer sopa; se ele é bom pai, não ganha para as viagens a Cancun. Criados com todos os mimos, não estamos para aturar peças com defeito. A exigência de múltiplos atributos decorre do mercado da publicidade. Vivemos tentando obter o melhor em todos os domínios, o que até é um bom princípio de vida. O problema é que uma relação longa veste-se do pior pesadelo da publicidade: é feita para durar.
posted by FNV on 10:22 da manhã
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DESCOBERTAS E CONFIRMAÇÕES:
Já é hoje consensual o moralismo jactante ( Pacheco Pereira foi o último a sublinhá-lo) de Louçã. Ainda bem, mais vale tarde do que nunca. Talvez por isso o Bloco tenda a atrair personagens que encaixam bem nesse estilo. Mas se Louçã ainda passa por asceta iluminado, alguns companheiros/as de caminho deviam dedicar-se ao teatro.
posted by FNV on 1:31 da manhã
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BENFICAXMARÍTIMO ( epílogo):
A SIC, agora que tem o exclusivo de Pinto da Costa ( longe vão os tempos do Caso Paula), esforça-se bem. O treinador do Marítimo falou longamente após o jogo. Lamentou diversos aspectos da exibição da sua equipa, disse que o Benfica, mesmo com menos um jogador, foi mais forte e, quando inquirido sobre uma discussão com o árbitro, lá deixou o recado do costume sobre a arbitragem. Foi este curto recado que a SIC escolheu para ilustrar a reacção do homem ao resultado final. Vai ser interessante ver como é que a a SIC vai abordar a estreia do filme "Corrupção".
Como previ, ganhámos sem a contribuição do escuteiro. Suor e gente humilde, mas também rasgo. É isto o Benfica, enquanto os outros são muito organizados ( em todos os campos...) ou reflectem a alta finança lisboeta. O Cebola foi enorme e, se ainda não voltei a ver os jogos debaixo da mesa, já não consigo ficar sentado. Agora falta arranjar um semáforo. Di Maria é canhoto e tende a vir para a direita, mas cansa-se e fica-se pelo meio. O Cebola está na esquerda mas gosta de flectir para dentro. Já são dois no meio. Acrescentemos o Rui Costa - que vive lá - mais o Binya, que está em toda a parte, e temos a prova da necessidade de um semáforo.
Nota: os dois capitães do Marítimo têm três meses de clube ( esta é para consumo interno na nau).
posted by FNV on 9:39 da tarde
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BENFICAXMARÍTIMO ( ao intervalo):
Camacho comprova a maldição de Ájax: tem tanto de estúpido como de corajoso. Estúpido porque persiste em encostar ao lado direito o melhor pé esquerdo que apareceu na Luz desde Chalana, corajoso porque fez sair um defesa central quando Quim foi expulso ( Fernando Santos teria tirado Rui Costa), transmitindo à equipa a mensagem certa. Vamos ganhar este jogo, mesmo em "inferioridade numérica" ( expressão adaptada da sexologia), porque Binya ( canelas de aço e ombros de ferro) está em campo. Isto se a equipa não resolver "jogar" para o escuteiro pacifista que joga ( ...) como avançado centro. Depois de 14 meses deploráveis, começo a reconhecer o meu Benfica.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.