Fernanda Câncio discorre no DN sobre o que serão pressões e como elas se reconheceriam, tudo a propósito das notícias relativas a possíveis “pressões” de um magistrado do Ministério Público destacado para o Eurojust sobre os magistrados do mesmo MP encarregados da investigação do caso Freeport (coisa que de resto está em investigação por decisão unânime do Conselho Superior do Ministério Público).
Atentas as particulares relações pessoais, compreende-se que Fernanda Câncio utilize a sua coluna de jornal para o efeito. Percebe-se pior que uma jornalista rigorosa não tente apreender primeiro a realidade sobre a qual escreve. Vou tentar dar uma ajuda, mesmo que modesta. Ao mesmo tempo, tentarei dar uma ideia da realidade a todos os que tentam colocar os diversos operadores do sistema judicial no mesmo saco. Tenho esperança que no final se perceba melhor a questão das pressões que se discute na comunicação social.
Primeiro ponto: não se podem confundir os magistrados do Ministério Publico com os Juízes. Relativamente a estes últimos existe uma transparência nas suas avaliações, colocações e promoções que infelizmente não existe no Ministério Público. No MP, a relação hierárquica, a orientação e o poder hierárquico e as respectivas subordinações têm muito que se lhes diga. Por isso é que qualquer empurrãozinho, conversinha ou mesmo sussurro de opinião feitas por um superior (ainda que não directo na hierarquia) podem ser considerados pressões. Na Magistratura Judicial isso não acontece, as regras são outras, próprias, transparentes e verificáveis por todos.
Ora a relação hierárquica existente no MP pode fazer trazer para Lisboa um magistrado alfacinha colocado em Mogadouro ou exactamente o contrário, possibilita tirarem-se (avocarem-se) determinados processos a determinados Magistrados, permite uma interferência na vida pessoal e profissional dos Magistrados do Ministério Público que não devia ocorrer e não acontece com os Juízes. E o pior é que tende a piorar, por intenção deste Governo Socialista. Não quero dizer que estas situações aconteçam ilegitimamente, apenas que podem acontecer e daí a preocupação natural dos responsáveis do Sindicato dos MMP.
Também não quero com isto dizer que um Magistrado do MP seja mais pressionável pelos seus superiores do que um Magistrado Judicial – isso depende da personalidade das pessoas. Mas o que resulta inequívoco é que um Magistrado hierarquicamente superior tem maior possibilidade de obter sucesso na pressão efectuada a um inferior no Ministério Público do que na Magistratura Judicial.
Por isso é que quando um importantão do MP se dirige a dois MP mais novos que estão a investigar um caso devia ter algum cuidado, cuidado esse suficiente para eles não sentirem sequer que estariam a ser pressionados. Isto parece não ter acontecido e, a ser assim, gabo a coragem desses dois Magistrados do MP na denúncia da execrável pressão (porque a ter acontecido do modo que é referido na comunicação social nada mais é do que pressão ignóbil sobre Magistrados hierarquicamente inferiores). Basicamente, o que lhes teria sido dito era “cuidadinho para não irem parar a Mogadouro”.
Convém recordar que os Magistrados do MP são pessoas como nós, e por isso pressionáveis como nós. Segundo as regras que os regem, e de acordo com as que lhes querem actualmente impor, a sua independência irá diminuir. Isto não vai melhorar. Principalmente no que às pressões diz respeito. Daí que qualquer coisinha... seja pressão.
Eu percebo que se defenda que magistrados que se sintam vítimas de pressões devam comunicar à hierarquia da magistratura (mesmo que seja para esta não fazer nada). Já não percebo que quem assim o entende considere perfeitamente natural que um ministro, sabendo que se diz que no seu ministério os licenciamentos se compram, receba os supostos autores da afirmação, lhes resolva o problema e não alerte o ministério público. Simples como isto.
posted by VLX on 4:35 da tarde
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PROBLEMAS DA JUSTIÇA PORTUGUESA (II):
O outro caso, passado nas imediações da capital, nasce de uma denúncia anónima, ao que parece por medo de retaliações. Terá por base conversas e depoimentos de várias pessoas (às quais aparentemente nada move contra ninguém em especial), efectuados em diversos e distintos momentos, perante diferentes pessoas, algumas familiares. Existem também telefonemas esquisitos, assaltos a escritórios de advogados, denúncias cozinhadas e um filme inglês substitui o livro de ficção. As quantias de que falam não cabem em envelopes e a visita não foi do árbitro ao interessado mas dos interessados no favor ao árbitro. Se não existem indícios de favorecimento, encontra-se pelo menos demonstrada uma posterior e inusitada correria do relógio no jogo em causa, que terminou com a vitória inequívoca dos visitantes aos 45 minutos, aparentemente porque o árbitro tinha de se ir embora.
Mas agora não se trata de bola e sim da gestão da coisa pública. Só que o inquérito não correu escorreito (antes ficou parado, anos a fio), não descortinando o MP motivo para enviar os seus melhores e os meios necessários para apurar rapidamente a verdade. E quando foi obrigado a agir fê-lo tardiamente e de forma bizarra, desdobrando-se o Procurador-Geral da República e demais responsáveis em originais atestados de inocência, confessando a eventual existência de pressões internas, preocupando-se mais com as fugas do segredo de justiça do que com a essência do caso, no qual até o Bastonário da Ordem dos Advogados resolveu meter a colher.
Eu não conheço as situações, não sei se as pessoas fizeram alguma coisa de mal, se são culpadas ou não da prática de algum ilícito. Mas pretendia, e julgo que como eu muitos portugueses, uma explicação séria sobre esta dualidade de critérios nas investigações do MP.
posted by VLX on 12:03 da tarde
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PROBLEMAS DA JUSTIÇA PORTUGUESA (I):
Admito que a maior parte dos portugueses conviva razoavelmente bem com algumas originalidades do nosso sistema judicial, que não será muito pior nem muito melhor do que o de outros países. O que a alguns deve custar é compreender a dualidade de critérios do nosso sistema ou, pelo menos, de parte dele. Atente-se em dois casos espalhafatosamente tratados nos media, em dois exemplos de procedimentos utilizados sobre duas pessoas que imagino igualmente mal-amadas, uma por força do enorme sucesso na gestão dos seus, outra pelo enorme insucesso na gestão de todos. Os factos, em ambas as situações, terão ocorrido entre 2002 e 2004 e por essa altura chegado ao conhecimento do Ministério Público.
Um dos casos nasceu da investigação a um clube de futebol da enésima divisão e alastrou-se estranha e muito rapidamente apenas numa determinada zona geográfica, por via de longos meses de escutas telefónicas completamente inócuas, ou quase, e que por si só não possibilitavam acusação. Tanto que foi tudo arquivado. De imediato o MP envidou todos os seus esforços e empenhou todos os seus meios na reabertura do caso, enviou os seus melhores da capital para a província, mandou recorrer de toda e qualquer decisão contrária, fundamentou-se num livro de ficção alegadamente reescrito por uma jornalista ressabiada e socorreu-se de depoimentos de pessoa que publicamente se encontrava de mal com o investigado, pessoa essa que na estranha reunião em que tudo terá sido cozinhado aproveitou também para trazer à história uma visita de um árbitro e um envelope para suposto pagamento de um favor que comprovadamente não existiu. Conformando-se com as inúmeras fugas de informação e julgamentos na praça pública, o MP forneceu ainda os dados do inquérito a outras entidades, para o que tivessem por conveniente. Sempre eram jogos de bola. (cont.)
Quer medidas concretas. MFL tem proposto algumas coisas que têm sido criticadas pelo governo, portanto são capazes de existir. Talvez o esclarecido prefira a harmonização fiscal com Espanha, a deslocalização da secretaria de estado dos transportes para Alguidar de Baixo, ou a promessa de não cobrar portagens nas SCUTS. Cada um se esclarece como pode.
posted by FNV on 3:20 da tarde
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"NÃO FIZ PRESSÃO"
Virá cá seguramente dizer ao Procurador-Geral da República o magistrado alegadamente suspeito de fazer pressões sobre os colegas. Talvez pudesse dizê-lo pelo telefone e poupava-se uma viagem.
Falo apenas de representações, de percepções, de atribuições. Já sei que não possuo a doce certa do cinismo dos contactos nem a tarimba da carne assada. Os portugueses não acreditam que as coisas possam piorar dramaticamente. Isto deve-se à naturalização que fazemos do pessimismo. O nosso pessimismo é sobretudo conformista e por isso é tão pouco adaptável às novas circunstâncias. O governo funciona como uma Empresa de Eventos S.A, com muitos protocolos, lágrimas ao canto do olho e miragens ferroviárias. Não nos muda e isso é o que queremos. Claro que não se esquece de distribuir dinheiro pelas autarquias socialistas ( esta semana foi pelas escolas) e isso ajuda. Faz parte do jogo, mas não é o essencial. MFL aposta na memória do bom senso: dizer a verdade e receitar prudência. Os portugueses ouvem-na, ao contrário do que fez crer a Empresa de Eventos S.A. ( MFL referia-se ao conjunto PS-governo). O problema é que o nosso conformismo, a nossa indolência, faz com que a ouçamos como um estroina ouve um pai : ainda não é tempo de seguir os conselhos. As águas estão cada vez mais claras porque MFL conseguiu contrapor ao brilho e à superfície o que está debaixo: o fundo. Resta saber se o nosso conformismo, atópico e permanente, suporta a visão. Não me parece.
posted by FNV on 11:50 da tarde
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UMA NOITE DE CHUVA (XXIV):
O que desperdiçamos. Madeixas louras ao canto. E a salvação ao leme da jangada, sem horas, sem espera. Queres voltar. Como se fosse possível. Sempre a interromper, não é? Se lá fosses fazias tudo diferente. Sentavas-te em frente ao mar com um bebé nos braços. A publicidade engana.
O telejornal de hoje da TVI ( o das 20h) foi tão exagerado como o orgasmo sincronizado de um binómio cinotécnico. O encarniçamento contra Sócrates, roçando o patológico ( obsessivo-compulsivo), pode desencadear um efeito de habituação. É o que pretendem? Boas audiências então.
posted by FNV on 9:13 da tarde
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DROGAS, PROIBIÇÃO E CRISE (III):
Os números da criminalidade portuguesa - que tanto estão a assustar as pessoas - têm, entre outras, uma explicação razoável: Portugal é um entreposto de droga. Digo-o aqui há muitos anos. O mercado da droga é particularmente violento e gera níveis assinaláveis de corrupção política e judicial.
Posto isto, continuemos o número anterior e regressemos às Filipinas: depois da guerra de Cuba, os EUA converteram as Filipinas num protectorado (1898). O ópio era já um problema na região devido à grande comunidade chinesa aí instalada. Os chineses de Manila eram os sangleys, como os ingleses os desiganariam mais tarde, termo que provém do chinês sang lui - " classe dos mercadores" - ou, mais adequadamente, de shehg li - "os que ganham a vida" , em dialecto de Fujian. Nas imediações da fortaleza de Nª. Srª. do Rosário, na ilha de Ternate, existia desde o tempo do governador espanhol, D. Pedro Munõz de Aramona y Mendiola ( 1636-1640), um subúrbio de merdekas ( do malaio mardikas - "homens livres"). Dedicavam-se ao comércio de arroz, vinho de palma e tecidos. Esta ligação , entre o "Pequeno Lução "( como os chineses baptizaram as Filipinas) e Fujian continuou nos séculos seguintes e pode ter sido responsável por uma invenção genial: o hábito de fumar ópio. Os chineses receberam dos castelhanos a técnica de fumar tabaco e associaram-na ao ópio. Talvez possamos ver isto mais tarde ( é um assunto que me seduz toneladas) , mas por agora regressemos à primeira proibição mundial do ópio. O Bispo Brent apresentou, em 1904, em Manila, o seu plano para a erradicação total da droga. Três fases:
a)Manutenção do monopólio ( que Madrid tinha instituído) durante três anos com venda exclusiva a chineses.
b) Redução gradual das rações de ópio e encerramento progressivo dos dens.
c) Excepções apenas para fins terapêuticos: a desabituação em hospitais.
Em 1908 o plano foi finalmente cumprido. A primeira proibição integral do comércio e uso do ópio estava consumada. A História, como todos sabemos, encarregou-se de a mandar às urtigas. De nada serviu o aviso feito pelo presidente Lincoln, pouco mais de meio século antes: quando proibimos deixamos de saber quem consome, o que consome e quanto consome. A proibição pode não só manter como aumentar o consumo que se pretendia aniquilar, tanto quanto acarreta a perda de taxas e de impostos que se podiam arrecadar noutro contexto. A mensagem que a experiência filipina enviou foi cristalina: a proibição como única forma de controlo, a lei como garantia da proibição. As conferências internacionais de Xangai ( 1909) e da Haia ( 1912) confirmaram a nova filosofia. O Ocidente, através da América, iniciava a war on drugs.
( cont.)
Bibliografia: variada, já se sabe, mas sobretudo: Musto ( 1999) , Butel ( 1995) e Rudgley ( 1999) .
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