AH, E OUTRA COISA: Nestas discussões sobre o terrorismo, o Estado, as "políticas de excepção", etc., só há uma coisa que me tira verdadeiramente do sério: é a litania politicamente correcta, pronunciada por meia dúzia de sacerdotes e repetida por inúmeros acólitos, segundo a qual quem ousa desviar-se do dogma são os ocidentais que odeiam a sua própria civilização, os idiotas úteis, etc. Esses possidónios, cujo horizonte cultural termina muitas vezes na lombada dos livros da Sra. Oriana Fallaci, são grosseiros ao ponto de se arrogarem a titularidade da civilização ocidental. Além disso, exibem desavergonhadamente a sua ignorância, porque não sabem que a história do Ocidente não é outra coisa do que a progressiva limitação do exercício arbitrário da força do Estado sobre os direitos e garantias individuais. Por isso, antes de se porem a falar dos inimigos da civilização ocidental, rolem a língua na boca, 7 vezes.
CORRECÇÃO: Há uns dias, a propósito dos homicídios de suspeitos pela polícia em caso de dúvida, escrevi aqui o seguinte: "É fundamental que as autoridades percebam que nós, o povo que se quer proteger, não estamos dispostos a pagar a protecção com a vida, ao menos naquelas condições". Depois de ler alguns comentários, na caixa e por e-mail, percebo que, ao falar em "nós, o povo que se quer proteger", fiz uma generalização incorrecta: há, de facto, quem esteja disposto a pagar a protecção com o risco de homicídios ao engano. Quando fiz aquela incorrecta generalização, esqueci-me de que, em episódios como o do homicídio de Jean Charles de Menezes, o mundo se divide em duas partes: os que se sentem mais seguros com este tipo de políticas; e os que se se sentem menos seguros com este tipo de políticas. A divisão deve-se a factores ancestrais e nunca, repito, nunca desaparecerá. A todos os que, pertencendo ao primeiro grupo, eu incluí injustamente no segundo, as minhas desculpas.
BOA IMPRENSA: No último dia antes das férias, o Parlamento aprovou uma série de diplomas importantes. Entre outros assuntos de grande relevo, alteraram-se prazos do referendo, férias judiciais e legislou-se sobre o congelamento da progressão de carreiras na função pública. Nas galerias do Parlamento, a assistência manifestou-se, chamando "fascistas", "mentirosos" etc., aos membros do Governo e deputados. Só mesmo um acontecimento com a magnitude do aumento das receitas da Santa Casa é que poderia remeter os temas da governação do país para o fundo da primeira página, destacando já a postura corajosa do PM, que recusa intimidações. Essa sim, a verdadeira notícia.
posted by Neptuno on 5:44 da tarde
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"UMA ALMA EM DOIS CORPOS": É a definição de amizade de Aristóteles. Cheira-me a catequese para casais desavindos. Um corpo em duas almas também seria demasiado: não se poderia ter amigas. Sei que serei velho quando morrer o primeiro amigo ( tenho alguns) ou o primeiro irmão ( tenho muitos). Claro que se for eu a quinar, o assunto ficará resolvido. Assim, para não haver excedente de tristezas, o melhor mesmo é cada alma em seu corpo. Até porque, se Aristóteles estiver certo, um amigo meu ainda acaba a penar no Círculo oitavo; por minha culpa.
OLHA SÓ, Ó SARAMAGO!: Com a devida vénia à Veja, na sua entrevista ao poeta cubano Raúl Rivero, no seu exílio em Espanha: "Veja: Muitos intelectuais brasileiros têm uma visão idealizada da experiência cubana. O que o senhor diria a eles? - Os intelectuais de esquerda da Europa e da América Latina vêem Cuba como um sonho, um lugar lendário em que um sistema alternativo ao capitalismo conseguiu sobreviver. Eles vão para a ilha passar férias uma ou duas vezes por ano, hospedam-se nos hotéis, aproveitam as praias e depois voltam para seu país. Eu respeito a opinião das pessoas que ainda acreditam no sonho cubano, mas não posso deixar de alertá-las: para quem mora em Cuba, a realidade é um pesadelo. Por quarenta anos aguentámos o mesmo governo. Trata-se de uma espécie de aberração do marxismo clássico, que, em vez de socializar a riqueza, socializou a pobreza."
posted by Neptuno on 5:43 da tarde
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NINGUÉM É PERFEITO: Silvia defende o seu amor por Arlequin. Flaminia critica-a, fala-lhe de uma coisa despropositada; Silvia explica o papel do hábito e do riso, nessa coisa do amor possível:
" Mettez-vous à ma place. C'était le garçon le plus passable de nos cantons, il demeurait dans mon village, il était mon voisin, il est assez facétieux, je suis de bonne humeur, il me faisait quelquefois rire, il me suivait partout, il m'aimait, j'avais coutume de le voir, et de coutume en coutume je l'ai aimé aussi, faut de mieux: mais j'ai toujours bien vu qu'il était enclin au vin at et à la gourmandise. "
Marivaux, "La Double Inconstance".
Ó mano 69: não consigo aceder ao teu blogue desde o mês passado: que pasa?
MAU MARIA: O facto de não me apetecer nada ouvir o argumento da idade contra Soares, não faz de mim eleitor soarista. Ainda não decidi nem tenho pressa: sei lá se estou vivo em Janeiro.
posted by FNV on 11:49 da manhã
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HÉLIO ROQUE: Comecem a aprender a soletrar correctamente o nome deste menino, lançado por Koeman no nosso ( de todos, no fundo) Benfica. Habituem-se.
PS: Ó Sr. Vieira: veja lá se o contrato está em ordem e se o tradutor russo não se aproxima do garoto. Safa!
posted by FNV on 1:36 da manhã
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IF:Se Alegre tivesse desistido a favor de João Soares, nas eleições internas do PS ( faz agora mais ou menos um ano), estaria a passar por aquilo que está a passar?
posted by FNV on 1:32 da manhã
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ALIENS II ( ao correr da pena): Na antiga ordem leninista, o inimigo era, em toda a parte em que respirasse, o capitalista ocidental, o burguês. Numa certa visão idealista da política islâmica, os elementos tribais são os portadores da primitiva comunidade política. A ummah ou umma, a comunidade dos crentes, viveu sempre em muitas seitas islâmicas, sob o patronato da corrente sunita e sob uma fortíssima visão religiosa, asseguram alguns. O que é relativamente aceitável, é que os regimes fundamentalistas e os embriões comunistas partilharam uma orientação universalista: mudar a ordem social, subverter as unidades étnicas ou nacionais, transformar em nome da salvação. Basta ler os exórdios das personagens mais conhecidas do neo-fundamentalismo sunita ( estão disponíveis na net) para reconhecer isto. Ignorar o papel da religião , tanto no plano do aproveitamento político que dela faz a corneta salvífica, como no da real diferença, tão urticante ao multiculturalista, é uma asneira crassa. A dimensão religiosa desempenha um papel de ponta-de-lança: despolitiza, transnacionaliza, simplifica a identificação do inimigo. Era Schmitt que dizia que a nossa própria questão era a figura do inimigo ( "Der feind ist unsre eigne Frage als Gestalt"). Ele lá devia saber, para Schmitt, na guerra absoluta, quem se mata é o amigo. Os mais infímos pormenores da aplicação à vida prática da crença religiosa são o suporte ideal para o fundamentalista muçulmano, como o foram ( e em alguns casos ainda o são) para o ocidental. Toda a a gente sabe isto. O problema, para uma Europa de acolhimento, reside em tentar escapar deste leito de Procustes: se esticas a identidade religiosa, ela solta-se às mãos de uma particular visão da transcendência; se a encolhes, ela deixa mirrar os fiéis sob o sol frio da (in)diferença do bairro muçulmano.
ALIENS*: Tal como os cristãos no Líbano, os judeus de Israel são uma minoria no espaço geográfico onde vivem; sabem, portanto, o perigo que representa um futuro estado palestiniano. Como vive uma minoria num espaço hostil? Julgo que a Europa terá de responder vezes sem conta a esta pergunta nos próximos anos. A dimensão religiosa é fulcral para poder começar a fazê-lo. Um dos aspectos interessantes das crenças religiosas ( e Clifford Geertz explicou isto admiravelmente, já há muito tempo, em Islam Observed: Religious Develepment in Morocco and Indonesia, UCP, 1968), ao contrário de outras - políticas, filosóficas ou científicas - é que não são conclusões da experiência: antecedem-na. Aquilo que somos religiosamente, já o somos enquanto membros de uma comunidade: certos actos, costumes, lendas, objectos, já são valorizados positivamente pelos nossos contemporâneos, e antes deles, pelos seus ( nossos) antepassados. Isto coloca, como é bom de ver, uma enorme dificuldade ao tão falado tópico da integração étnica das comunidades muçulmanas na Europa. Aliás, a lalangue do eurocrata multiculturalista foge como o diabo da cruz da religião, e por isso prefere falar de "etnias". A reprodução em huis clos das práticas religiosas, favorece o prolongar imaginário de um território que ficou para trás. A expressão "Londonistão" ou os mercados árabes de Montpellier ( onde vivi) não são mais do que ilhas. que começam por ser absolutamente imaginárias. Quem tem o poder para deixar florescer essa ilhas? Os donos da terra de acolhimento, como é óbvio. A cisão entre estrangeiro/nativo, que na América de finais do século XIX se fazia ao Domingo, entre a igreja dos senhorios protestantes anglicanos e o saloon dos imigrantes polacos e irlandeses, é sempre, antes de tudo, uma cisão imaginada. Quem chega precisa de um espaço; depois, o espaço é dele. No caso europeu actual, a dimensão religiosa subverte todas as tentativas. A segurança social, os serviços de imigração, os partidos de esquerda, são todos do plano concreto. A crença religiosa, alienígena no duplo sentido, ignora-os.
*- do latim alienus, algo ou alguém que pertence a outro. No grego, allos significa outro. Existirá possivelmente uma forma em francês antigo da Occitânia, alien. E existe a tenente Ripley, claro.
posted by FNV on 9:45 da tarde
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PSICANÁLISE SOARISTA: Em 1985, o confronto foi manifesto: com Salgado Zenha. Hoje , com Alegre, é latente. Os amigos são uma carga de trabalhos.
posted by FNV on 2:27 da manhã
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ENTÃO, CATÃO? O argumento segundo o qual Soares não se deve candidatar por ser velho, é estupidamente novo na política portuguesa. A juventude e a maturidade valem pela suas características: a alegria e o arrojo na primeira, a segurança e algum conforto na segunda. A velhice, pelo contrário, leva vantagem precisamente quando não sofre das suas caracteristicas proprias; ou seja, quando se é um velho que acumula e refina as qualidades das fases anteriores, sem sofrer do incómodo de nenhumas das da fase presente. Em tempos escrevi aqui, que alguma da amargura actual de Soares se devia, talvez, à sua inadaptação a um papel senatorial. Pode-se contrariar a idade, mas não se pode vencer o desejo; por isso há velhinhos que morrem nas putas. E felizes.
MADE IN PORTUGAL: Mesmo em férias é difícil abstrair da lamentável situação a que o país chegou, espelhada na (falta de) qualidade dos nossos políticos de hoje, a qual ficou bem demonstrada em episódios recentes: - Em Portugal só se governa com o objectivo de ganhar eleições. É o poder pelo poder, sem substância ou projecto. Se Ministro das Finanças atrapalha a campanha das autárquicas com o seu discurso sério e contrário ao demente despesismo socialista, então exonera-se o dito ministro e é "fartar vilanagem". Reformas, ainda ninguém viu nenhuma; - Curto. É o mínimo que se pode dizer da entrevista de Marques Mendes na RTP. Perde desde logo por ser um personagem que esteve sempre em cargos relevantes na arena política dos últimos trinta anos e que nos trouxe ao pântano onde hoje nos encontramos. Fala de credibilidade mas não consegue falar da Madeira. Representa o famigerado "aparelho", sendo os "aparelhos", no PS ou no PSD, os piores cancros da cena política nacional. Mas chegam para demitir ministros competentes; - Sem ter outra estratégia para combater o vetusto Cavaco, a esquerda vai buscar um verdadeiro dinossauro, que deveria preservar melhor o contributo que deu à democracia portuguesa no século passado; - Finalmente, sabendo que certos políticos só chegaram onde chegaram graças a uma "boa imprensa", destaco a recente classificação de Sócrates "em alta" pelo Público ao demitir o Ministro das Finanças, explicando que a política do Governo deve prevalecer sobre as personalidades. Mais uma para o livro de estilo... - Continuamos (nós todos e todos os anos) a gastar milhões em meios aéreos para combater os proverbiais incêndios - deve ser o melhor negócio dos últimos anos - sem que haja vestígios de prevenção. Um décimo do que se gasta nesses meios aéreos chegaria para pagar a um exército de pessoas para vigiar e limpar as matas. Mas será que isso interessa a todos? - Seria curioso saber qual o limite (caso exista!) do que Freitas do Amaral estaria disposto a fazer para chegar a Presidente da República; - De positivo, no mundo da política, apenas consigo enaltecer o carácter de Manuel Alegre, que não aceita recados do capataz do aparelho socialista.
A VERY ORDINARY JOURNEY TO DEATH: A história do Sr. Jean Charles de Menezes, morto com cinco tiros na cabeça disparados à queima-roupa por agentes policiais à paisana quando se dirigia para o trabalho, ilustra, de forma particularmente chocante, como as políticas anti-terroristas são um assunto de todos nós. Não vale a pena começar a discutir as coisas atirando as responsabilidades para os terroristas, sem o quais "nada disto aconteceria". Isso é óbvio - só que, existindo o problema, as instituições são responsáveis pelas políticas que adoptam. Também se sabe que o assunto é muito delicado: por um lado, está fora de causa a legitimidade de atirar a matar contra um terrorista suicida para o impedir de fazer detonar os explosivos; por outro lado, qualquer erro de avaliação tem, como teve, consequências dramáticas. A responsabilidade das autoridades está, então, na máxima redução possível dos riscos de erro e na aceitação de que a dúvida não pode ser fundamento para atirar a matar. Foi precisamente isto que parece não ter acontecido no caso do malogrado Sr. Menezes. Basta pensar: este homem até tinha visto de permanência no Reino Unido. Mas quantos imigrantes ilegais pararão à ordem da polícia? E será de todo anormal que um law-abiding citizen entre em pânico quando ouve um grupo de homens desfardados e armados a mandá-lo parar? E aqueles muitos que percebem mal o inglês? Admitamos que a roupa o tornava suspeito. Mas, quando chegar o Inverno, qual será o critério? Tudo isto é muito pouco para tomar a decisão de matar alguém com um tiro na cabeça. É fundamental que as autoridades percebam que nós, o povo que se quer proteger, não estamos dispostos a pagar a protecção com a vida, ao menos naquelas condições. De outra maneira, os terroristas continuarão a ganhar com a suprema perversidade: pôr o Estado a matar a ordinary people que vai de manhã para o trabalho.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.