O que rompeu a família não foi a liberdade sexual e económica das mulheres nem Freud nem Nietzsche. O manual de Manuel Belchior ( "Carta a um soldado de África"), publicado pelo exército português em 1961, explica: "o preto chama pai a todos os homens e mãe a todas as mulheres que pertencem à geração anterior à sua". Belchior, coitado, deseja que "o preto alcance o grau europeu", mas para isso "será necessário que se sinta protegido por qualquer organização acima da família". Não existe tal organização. O dictat juvenil ( ser jovem é uma condecoração obrigatória e não uma transição) e a desqualificação da maturidade (ou até o desprezo, como no caso dos velhos enfiados nos lares) entregam-nos, evidentemente, a nós próprios. Temos mais liberdade mas menos protecção. Quanto ao Estado, basta ler a Antígona.
Já só falta a Lídia Franco ser assaltada ( o que espero que não aconteça) para Rui Pereira cair. O PSD fez um original e criativo link entre o milho do BE e os assaltos aos bancos. Não me recordo se na altura ( de Fernando Gomes) os deputados do CDS-PP também exibiram gaguez e mau gosto. Talvez.
Limpar todos os amores e deixá-los brilhar. Servir as ostras de Petrónio como não quer a coisa. Se as ostras viverem tanto tempo como os amores, há um problema de comunicação: as ostras querem-se vivas.
Uma vida feliz basta-se a si mesma, e nisso reside todo um programa actual de infelicidade. Fomo-nos esquecendo que grande parte do que somos não escolhemos ( da altura ao sexo), e por isso desprezamos os trabalhos de manutenção. É bem verdade que até essas marcas simples nos temos empenhado em alterar. Um dia que termina sem termos mentido barbaramente nem termos sido injustos não nos consola.
posted by FNV on 8:51 da tarde
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DEZ LIVROS QUE NÃO MUDARAM A MINHA VIDA:
Memorial do Convento, de Saramago. Os Maias, de Eça de Queiroz. Sensibilidade e bom senso, de Jane Austen. A espuma dos dias, de Boris Vian. O Gorgulho, de Plauto. O Eleito, de Thomas Mann. Adivinhas de Pedro e Inês, de Agustina Bessa Luís. Eu, Carolina, de Carolina Salgado. A Morgadinha dos Canaviais, de Júlio Diniz. Os paraísos artificiais, de Baudelaire.
Podia enumerar muitos mais: sempre que a minha vida mudou não foi por causa de livros. Os livros não nos modificam. Algumas das coisas de que também os bons livros falam, essas sim, modificam-nos. Os melhores livros têm necessariamente de incluir sobrevivência, envelhecimento e morte; em casos extraordinários, amor. O resto são chicuelinas. Passo a coisa a quem a quiser apanhar.
No outro dia passei uma manhã inteira numa livraria-editora da Piazza Carlo Felice, em Turim. Procurava livros ( mais Montale) e tentava perceber por que raio ainda não existe um Centro Primo Levi. O editor-livreiro, um personagem parecido com Miró, engraçou comigo e resolveu oferecer-me um livro: Viaggio in Italia, escrito por Mommsen no século XIX. Na página 54, Mommsen jura que dos jardins do Peyrou, em Montpellier, avistam-se os Alpes. Tenho de juntar Mommsen à minha colecção de opiómanos.
No primeiro ano trocámos cumprimentos, no segundo começámos a falar de futebol, do terceiro ao sexto continuámos a falar de futebol. Todas as semanas, a dias e horas certos, ele servia-me um café. Éramos amigos no sentido aristotélico da palavra. Não sabíamos nada - ou quase nada - um do outro, mas mantínhamos uma relação estável com vista para a cidade. Agora, no início do sétimo ano, lectivo, não o encontrei. Morreu novo e ao sol, com um cancro serpenteante. Sentirmos a falta de alguém que não conhecemos, honra o ditado do estagirita; o café é que vai passar a ser bebido noutro sítio.
posted by FNV on 8:56 da tarde
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NARCOANÁLISE ( Nova Série):
Aqui há tempos, o dr. Goulão, presidente do IDT, dizia ao DN ( 12 de Julho 2007) que desconhecia o khat, essa "nova droga que estava a entrar em Portugal", segundo o jornalista. Louve-se a sinceridade e perdoe-se a ignorância, mas talvez consigam tirar o azimute: se o presidente do IDT revela este tipo de desconhecimento, imaginem a bagagem dessa mole imensa de "técnicos especializados em toxicodependência" que pululam no país. Em Portugal, essa "nova droga" é conhecida desde os tempos de Garcia da Orta e Cristovão da Costa ( Colóquio nº 31), ou seja, pelo menos desde 1563. O khat ( ou qat) é também descrito em qualquer bom manual sobre susbtâncias psicoactivas ( Weir 1985, Rudgley 1988, etc) e menciono-o nas minhas aulas há muitos anos ( tem um interesse marginal mas incontornável na história da moda das drogas). O khat é utilizado no Iémen e boa parte da África Oriental e se, como diz Rudgley, assistiremos ou não à extracção de alcalóides mais potentes é outra conversa. No caso do dr. Goulão, que julgo ainda ter conhecido nos meus tempos e que creio ser um técnico competente, isto é um detalhe. É, no entanto, uma boa amostra. Se descermos na escala da ignorância incrível e oficial do IDT ( e essa conheço-a bem) encontramos centenas de señoritos satisfechos que decidem e opinam sobre os mais variados aspectos das políticas de droga. São mais ou menos como cirurgiões encartados que procuram o coração no fígado.
Se existisse oposição em Portugal, o secretário de estado Laurentino Dias não dormia tão bem. A política desportiva é absolutamente inexistente, as trapalhadas feitas com as equipas de futebol da Madeira e dos Açores é hilariante ( ver artigo de JM Meirim no "Público" de ontem), a resposta a Nélson Évora é digna de uma cena do Yes Minister. O Prof. Moniz Pereira já lhe respondeu ( à letra) e o homem calou-se. Foi dormir descansado.
A violência nos casais gay, só por existir, é um bálsamo. Puro láudano.
Durante os últimos sessenta anos tivemos de aturar a equação idiota que assegurava que a violência amorosa se deve apenas à dominação masculina. Se a canada de sociólogos e psicólogos tivesse lido mais poetas antigos não dizia tantas asneiras. Onde há amor há despeito, onde há des-peito há corpo, e onde há corpinho há palmadas. Não é a primeira coisa que recebemos quando nascemos?
posted by FNV on 8:44 da tarde
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ODI ET AMO (XXII):
As férias massificadas trazem-nos ao ponto de partida, dizem os optimistas. Não, não trazem. As férias não interromperam nada, o cancro que estava a crescer continuou a crescer, a criança que ia cair da varanda não deixará de cair. O optimismo enfadado não deve esquecer os últimos dias.
CDSTV: Uma lição para todos os que, como eu, achavam que Portas não tem sentido de humor. Chapeau.
posted by PC on 6:33 da tarde
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SETEMBRO NOVO, VIDA NOVA: Chilling out.
posted by PC on 6:32 da tarde
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NARCOANÁLISE ( Nova Série):
Há coisa de um ano, a revista Atlântico publicou um pequeno artigo meu sobre as novas tendências da geopolítica das drogas ( não fiquei com um exemplar, por isso não sei o mês exacto). Nesse artigo, critiquei, como sempre tenho feito, a política do sr. Maria Costa, chefe do UNODC, classificando-a como fantasiosa. Noutros textos ( aqui no blogue) acrescentei que o senhor submete o UNODC às suas convicções ideológicas sobre o tema. Nenhum problema com isso, se o senhor retirasse as devidas ilacções e se demitisse. O assunto é, como terão calculado, o Afeganistão. No relatório intercalar sobre a situação afegã, publicado em Agosto de 2005, era tudo rosas. A política estava certa, o ópio ia ser erradicado lenta e inexoravelmente, os camponeses começavam a abandonar essa estranha mania de cultivar papoila, os pressupostos estavam certos. Não estavam, como eu e muitas pessoas tentaram demonstrar. O sr. Costa justificava a discrepância entre o seu discurso e a realidade com as maldades da natureza: tinha chovido muito, por isso a colheita não ia, afinal, ser tão baixa quanto ele pensava. O sr. Costa costuma abrir os relatórios anuais do UNODC com uma catilinária contra os que promovem a legalização das drogas como forma de combatero narcotráfico. E assim, agitando os fantasmas certos, recolhe ao seu gabinete para continuar a projectar asneiras. No novo relatório intercalar ( Afghanistan Opium Survey August 2007) o sr. Costa, confrontado com a realidade - produção recorde este ano -, não assume um erro de previsão, de estratégia ou de análise. Utiliza metáforas médicas ( "metástases") e diz agora que os programas de erradicação atingem sobretudo os agricultores mais pobres e mais velhos: em 2005 orgulhava-se desses mesmos programas de erradicação e elogiava sobretudo os do Helmand, a área que é hoje a chefe-de-fila da produção mundial da papoila. Não é difícil perceber que se a situação afegã já é bastante incontrolável, com uma direccção destas ainda mais incontrolável se tornará.
Entretanto, em Kabul, o vice-presidente Zia Masood utiliza também metáforas médicas ( uma coincidência) dizendo que a papoila alastra como o cancro ( Washington Post de ontem). Condidera a política seguida como um falhanço absoluto ( nada que incomode o sr. Costa, como vimos) e pede pulverização aérea. Ninguém se entende, ninguém se responsabiliza.
Tudo isto tem razões conjunturais, é certo, mas também de fundo: as políticas de droga têm sido negociadas por funcionários obedientes mas ignorantes, e mais em nome de um proselitismo amador do que em nome de resultados. Bastava conhecer a história do ópio na região para se ter evitado alguns erros. ( continua)
Daqui a umas semanas estarei em condições de vos transmitir uma opinião sobre o actual Benfica. De momento ainda só decorei metade dos nomes do plantel, até porque a original política de agrafos do sr. Vieira - cada sul-americano contratado traz um acoplado - não ajuda nada a tarefa. E essa política é duplamente original: não havia cinco milhões para ficar com o Miccoli, mas houve 9 para pagar um paraguaio desengonçado com um pé direito que nem para estribo serve.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.