O ANÓNIMO: Como há juventude que lê este blog e como não tenho acesso à caixa de comentários, convém corrigir um ou outro pormenor do amável texto que um anónimo leitor meu me dedica na caixa de comentários do meu post "Verrinosos".
Quanto ao título da obra de Cícero citada podem utilizar-se as duas formas. Utilizei a Verrinae Orationes que corresponde à utilizada por Maurice Levaillant ( Paris, Hachette, 1917) a propósito das Catilinárias: "Catilinam Orationes (Quator)". As "vésperas" correspondem a uma das sete "horas" que dividem a grande oração quotidiana cantada pelos frades, são as sete partes do ofício divino. A véspera, cantada ao final do dia ( coitado do anónimo que a confundiu com a sexta hora do dia), sucede à 5ª "hora", a noa, e antecede a 7ª, a completa. Os livros de horas medievais, como o da rainha Dona Leonor continham por vezes a própria música e os textos do ofício divino.
O termo "colação" foi evidentemente mal escrito, uma gralha que espero que a juventude me desculpe. A grafia correcta é colação e utilizei-a no sentido de confrontação/comparação.
Assim o leitor dedicado e anónimo me ajuda ( involuntariamente, é certo) a esclarecer ainda melhor a malta nova que eventualmente me leia, embora não lhe possa agradecer pessoalmente nem explicar que não lhe posso permanentemente corrigir as, digamos, imprecisões; Se um dia perder o medo de assinar os seus comentários terei todo o gosto em fazê-lo.
Um leitor como este, voluntarioso e ansioso por saber mais, ainda que com a lucidez obliterada pela emoção de comigo comunicar ( não vejo bem porquê mas enfim...), não tem preço. É porfiar, meu amigo.
Actualização: É sábado e está de chuva, responde-se ao fiel anónimo ( IP nº 212113164 para quem esteja registado no RIP) que já comentou. Ontem confundia a 6ª hora do ofício divino com as seis da manhã, hoje afinal era um "teste": fascinante. Bom, este amigo é dado a confusões ( é de antologia o name-dropping sobre a modernidade, algures por aí em comentários anteriores) dado que julga por anticlerical quem critica muitos dos erros ( já assumidos entretanto) do Vaticano. Mas como está de chuva, responde-se ao anónimo e agradece-se o entretenimento; e dado que gosta de latim, está na hora de cum bonna gratia demittere aliquem.
OS VERRINOSOS: Não que queira chamar à colacção a primeira das Verrinae Orationes com que Cícero afugentou Verres ( Gaio Licínio), mas porque corre o rumor que Ben Laden prometeu surpresas para as vésperas da disputa Kerry/Bush. Como os descerebrados do costume já quase nos convenceram que o 11/9 aconteceu porque Bush invadiu o Iraque, estamos nas vésperas dos mesmos quase desejarem que tal aconteça: Bush perdia, os maus perdiam e toda a gente choraria, indecentemente, os mortos inocentes.
Mas a véspera, na sua simplicidade a 6ª hora do ofício divino que os monges cantam ao fim da tarde, talvez não seja suficiente. Talvez Ben Laden dê corpo ao rumor, talvez o rumor baste. Mas ainda assim talvez as contas saiam furadas aos novos agentes eleitorais, quais vestalinos spin doctors de turbante na tola e AK-47 à bandoleira.
posted by FNV on 9:22 da tarde
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MÁS COMPANHIAS: A edição on-line do Le Monde de hoje confirma que Durão Barroso rejeitou a aproximação feita por Jean-Claude Martinez do Front National de Le Pen que pretendia viablizar à justa a Comissão que inclui Buttiglione. Fez bem Durão Barroso ao dizer publicamente hoje em Roma que dispensa ajuda destas. E fariam bem alguns espíritos demasiado preocupados com os direitos do homossexuais ( como Miguel Sousa Tavares, obcecado com a metafísica da inexistência de baleias lésbicas) em compreender que a questão vai muito para além de assuntos de alcova e aneis de noivado. Nesta Europa sofreu-se muito para aqui chegar e nem sempre se tem andado bem. Mas não é motivo para voltarmos a trilhar as estradas esburacadas nas quais tropeçámos no passado.
PS: Vasco Graça Moura escreve na sua crónica de quarta-feira no DN que Buttiglione foi "de uma transparência e de uma lealdade totais". Le Pen, pela boca de Jean-Claude Martinez, também.
MAIS OUTRO: Neste preciso momento, Freitas do Amaral na RTP1 declara que Buttiglione ofende em Portugal os milhares de mulheres que tendo um marido emigrado, morto precocemente ou fugido para parte incerta, educaram sózinhas e "primorosamente" os seus filhos. Esqueceu-se daquelas que o tiveram de fazer porque o tipo estva vivo mas bebia e espancava à semana enquanto gastava tudo ao fim-de-semana. A julgar pelo que se escreve no Acidental(link directo disponível só na coluna da direita), Freitas deve ser mais um daqueles que gosta de cavalgar a garbosa onda politicamente correcta. Ou então um perigoso inimigo da civilização cristã.
Perdoai-lhes Senhor, eles não sabem o que fazem. Ou o que dizem.
posted by FNV on 11:23 da tarde
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AS MÃES SOLTEIRAS DA MADEIRA:As Cartas de Perdão e Legitimação Concedidas Aos Moradores do Arquipélago da Madeira (1531-1577) digeridas num artigo homónimo de João Cosme e Maria de Deus Manso ( Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Porto, 1989, pp 155-170) ensinam-nos coisas interessantes. Para lá dos crimes contra as pessoas ou contra o património, D.João III teve de se ocupar do perdão aos autores dos crimes contra "os valores e interesses da vida em sociedade". Destes, a concepção de filhos fora do casamento tinha frequentemente como autores membros do clérigo. Através da legitimação o monarca transformava "uma situação incorrecta face aos canônes legais numa nova realidade, aceite como legítima". D.Martinho de Portugal, Bispo do Funchal, solicitou a legitimação ( ANTT, Perdões...,Lº3, fl .5v-6) de D.Eliseu e D.Maria, gémeos. Já Aleixo Lopes Santos, vigário do Espírito Santo ( Calheta) requereu ( idem, Lº1, fl. 243v-244) que João, filho de moça solteira fosse legitimado. Parece que os nobres se metiam com escravas, mas os clérigos preferiam avisadamente as moças solteiras. Que foram boas mães, solteiras claro, pois que não tinham ainda ouvido falar do pio Buttiglione.
posted by FNV on 8:58 da tarde
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DECLARAÇÃO:Um anónimo/a que me lê com agrado diz invariavelmente a propósito de qualquer post meu, que eu só digo disparates. Mas hoje, neste post, afirmo publicamente que tudo o que este anónimo/a escreve na caixa de comentários está certo e é magnificamente elaborado.
Não leves a mal.
posted by FNV on 1:51 da tarde
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NOVOS EUROCRATAS, ÓDIOS ANTIGOS: A propósito das lamentáveis declarações de Miguel Portas sobre o adiamento solicitado por Barroso. Descarregou o seu fel pessoal sobre Durão, regozijando com a grande vitória que constituiu a derrota sofrida pelo fascista Durão.
Até Sócrates comentou, relativamente ao adiamento, que se tratou de uma atitude inteligente.
Há pessoas que, por mais viajadas que sejam, continuarão sempre do tamanho do seu pequeno e mesquinho umbigo.
posted by Neptuno on 1:28 da tarde
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CIAO BUTTIGLIONE: Como se previa, Durão terá que voltar atrás e "livrar-se" do incómodo italiano, vítima da previsível ditadura do politicamente correcto. Não questiono a legitimidade dos parlamentares europeus em votarem contra B.. Questiono sim a sua legitimidade para votarem contra a totalidade da comissão - e é isso que acontece - devido à presença de B. como comissário. Ao arrepio do facto de B. ter sido eleito no - e escolhido pelos eleitos do - seu país (admitindo-se pacificamente que as suas ideias encontrarão representatividade eleitoral noutros países, dada a presença da Igreja Católica na Europa), no fundo, os senhores deputados europeus estão a dizer a B. e a todos os que se revêem nas suas opiniões que nunca poderão estar representados numa Comissão Europeia. Serão sempre excluídos, mesmo que isso signifique que toda a comissão vá abaixo.
Quem lhes deu legitimidade para tal?
posted by Neptuno on 1:13 da tarde
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ADEUS, ATÉ AO MEU REGRESSO: A aproximação de um período de intensos compromissos profissionais e um natural cansaço da postagem quase diária durante um ano e meio levam-me a suspender a colaboração regular com o Mar Salgado.
Ficam os estimados leitores muito bem entregues à restante tripulação que assegurará competentemente a navegação quotidiana desta escuna nos mares da blogosfera lusófona.
posted by NMP on 5:33 da manhã
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ANTI-DEPRESSIVOS:
1º) Lisboa espirra, o país constipa-se: se, e sublinho o "se", Marcelo é sujeito as pressões, imagine-se o que não acontecerá com o jornalista-correspondente-no-país real Beltrano da TV xpto, ou com o repórter Sicrano do "Diário Regional da Mula Cega". Animem-se portanto as hostes, há muito mato para desbravar.
2º) É obra: a imprensa tem acompanhado caso dos salários dos admnistradores das Águas de Coimbra. Evidentemente que a coisa tresanda a politiquice e a pormenores jurídicos, não vou por aí, não sei nada sobre ambos os temas. Registo apenas o exaltante exemplo de polivalência de Marcelo Nuno, presidente da Concelhia do PSD local: é licenciado em Direito, já foi delegado regional do Instituto da Juventude, agora é admnistrador de águas. Uma luz ao fundo do túnel para os professores imaginados assessores de juízes: why not?
O que faz falta é animar a malta.
posted by FNV on 1:53 da manhã
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PEDRO E O FOGO: Este Primeiro-Ministro, à partida e segundo os seus adversários, era o especialista em imagem e nas relações com os media. Era o seu ponto forte. Agora, cem dias depois, o seu principal problema é a relação com os media ( caso Marcelo/TVI e DN) e com a imagem ( casos da sesta ou da verborreia). Em cem dias desfez-se um especialista. Das duas uma: ou a adjectivação era manifestamente exagerada ou os alunos ultrapassaram o professor.
Na primeira hipótese processem-se as Cassandras amadoras e temerosas, na segunda, mais interessante, conheçam-se os sobredotados. Como foi PSL derrotado no seu terreno não sei, mas SunTsu, no seu celebérrimo livrinho dá uma ajuda:
Há cinco maneiras de atacar com o fogo. A primeira é queimar os soldados. A segunda, queimar as provisões. A terceira, queimar o equipamento. A quarta, queimar os arsenais. E a quinta, queimar as vias de comunicação.
REACÇÃO: É evidente que a Europa não corre sério risco de passar a perseguir as mãs solteiras ou os homossexuais se Buttiglione for confirmado. Do meu ponto de vista, o problema nunca foi esse. Mas também só um tolo que nunca tenha passado os olhos por alguns livros do Antigo e sobretudo do Novo Testamento, é que pode achar que quem se rege pela observância estrita dos códigos comportamentais aí vertidos exprime apenas "posições morais". A Bíblia é um projecto civilizacional, vai muito para além da singela recomendação moral. A História da Europa, que mais não fosse que o período da Reforma e da algo imprecisamente designada Contra-Reforma mostra que o problema sempre passou pelo controlo social: processos de homogeneização intelectual, uniformização dos dispositivos culturais, edificação de uma forma de viver. Quando nos alvores do capitalismo da Expansão marítima a Igreja considerava um pecado a multiplicação do dinheiro através dos juros nos bancos de Antuérpia, julgam que era apenas uma posição moral que estava em causa?
O que me preocupa não é Buttiglione. O que me preocupa é por um lado, como já escrevi aqui, verificar o ressurgimento do velho ódio à Modernidade, tendo como alvo primário, tal como nos finais do século XIX, os comportamentos individuais e privados. Mas é tão fora do texto imaginarmos que existe algum risco de regredirmos nesse campo só porque Buttiglione é eleito ( como pensa a agenda politicamente correcta), que tem de existir algo mais. E esse algo mais é o que verdadeiramente me preocupa: até que ponto o relacionamento difícil entre uma Europa prenhe de imigrantes islâmicos e cada vez mais alargada ( da Ibéria à Letónia) e portanto fragmentada, pode favorecer em efeito de ricochete, uma reacção de fechamento sobre antigos dogmas? E Buttiglione é um produto italiano tradicionalmente ancorado numa concepção do Mundo autista: o Vaticano portou-se muito mal (não viu, não ouviu e não falou) na questão judaica porque tinha de sobreviver à força de Mussolini e Hitler, recordam-se?
CONTINUA A CHEIRAR MAL...: Entretanto, prossegue o corrupio dos alunos intervenientes pelo conselho directivo da escola. Primeiro o Ruca, embora não tenha sido levado muito a sério pois todos já sabiam que a sua história não tinha pés nem cabeça. Isso mesmo foi confirmado pelo Zé Manel, que mostrou o ridículo da coisa, e pelo Zé Tó (este último adiantando as suas diversas opiniões e convicções, quando o que se lhe pedia eram factos).
Depois chegou a vez do pobre Miguelito sofrer o vexame de ser interrogado sobre as suas próprias... pressões. Obviamente negou-as. Julga ter sentido em tempos uma pequena farpa, mas já há muitos anos. Recentemente, nada. Na altura dos factos, limitava-se a falar amigavelmente com Marcelino.
Resta ao conselho directivo da escola ouvir este último: a ser verdade o que diz Miguelito, percebe-se mal a reacção de Marcelino em plena aula: ou foi para divertimento próprio, quaisquer que fossem as consequências para o colega de carteira, ou então foi só para tramar o amigo Miguelito. Em qualquer dos casos, o episódio continua a cheirar muito mal e não é por culpa do Miguelito.
posted by VLX on 10:52 da tarde
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A LER: O excerto do The Economist relembrado pelo Vital Moreira no Causa Nossa e o texto do Luís da Natureza do Mal, "Morte em Lisboa" (links directos só na coluna da direita, mea culpa).
posted by FNV on 11:50 da manhã
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A ESPERA: Anda mal isto do blogger ou da netcabo, não sei. O que sei é que se torna difícil escrever: melhores tempos virão?
Esta crença que face à enxurrada, ao desemprego ou má sorte, melhores tempos se sucederão, faz-me sempre encontrar Petrarca (*) numa das suas ambivalências estóicas. No primeiro diálogo do Secretum imagina uma troca de opiniões com Sto. Agostinho e põe na boca deste um certo desdém pela pureza estóica; os do Pórtico afastar-se-iam demasiado da vida concreta pese embora a beleza formal da sua perfeição. Ciosos da perfeição, domínio de Deus, uma dos motivos da desconfiança agostiniana face à desordenada escola do Pórtico. Adiante. É no entanto delicioso o conselho que Petrarca, mascarado de Razão, dá à Esperança no trigésimo terceiro diálogo do De remediis utriusque fortunae. Diz a Esperança que aguarda melhores dias que por certo virão; Petrarca responde-lhe que não há dias bons nem dias maus, pois que a bondade do Criador é sempre a mesma, nós é que empregamos mal o nosso tempo. Logo aqui se afasta, et pour cause, de Zenão e também de Séneca, que não faziam entrar o Criador nas suas contas. Mas tem mais adiante uma recaída quando a Esperança lhe repete a certeza de melhores tempos, e ele replica:Diz Séneca que toda a época se queixa dos seus costumes. Se confias em melhores dias e podes alcançá-los por ti próprio, não tens que os esperar. Para desespero da Esperança, resume Petrarca, agora descaradamente estóico: enquanto esse dias melhores não chegam, trata de empregar bem o teu tempo em vez de viver na angústia da espera do que talvez nunca chegará ou daquilo que tu arriscas nunca chegar a ver. Claro está que se confiarmos noutra vida ( e boa) para além desta, não precisamos da costela estóica de Petrarca para nada e desaproveitaremos então este nosso tempo. Se não acreditarmos nesta vida, também.
(*): traduções livres a partir das edições francesas Rivages 1991 para o Secretum e Seuil 2001 para o De Remediis. As minhas desculpas pelas quase certas imperfeições.
AINDA BUTTIGLIONE: Já toda a gente percebeu que B. é fiel tributário das teses ultra-conservadoras da Igreja. Perante isso, podemos livremente apoiá-lo ou manifestar o nosso desacordo perante as suas opiniões, combatendo-o com a melhor arma que a democracia nos confere: o voto.
O que FNV ainda não conseguiu explicar é o seguinte: B. foi eleito em Itália e, goste-se ou não, as suas opiniões têm base de apoio eleitoral. B. afirma respeitar as regras democráticas e, até hoje, nada nos diz que assim não seja. Perante isto, qual é a legitimidade em democracia para a recusa de B. para membro da Comissão Europeia?
Esta sim, parece-me ser a questão que vale a pena discutir. Deverá barrar-se o acesso a membro da CE a cidadãos que, embora actuem politicamente no respeito pelas regras democráticas, pertençam a partidos políticos cuja percentagem eleitoral seja inferior a x? E no caso de serem eleitos em coligação? Deverá haver uma cartilha de pensamento comum, dentro da CE, que não admita a entrada de outsiders, i.e., de pessoas cujo pensamento não coincida totalmente com essa cartilha? E se, no passado, algum comissário andou fora da cartilha, como o maoísta Barroso?
JOÃO MORENO: O meu primeiro cartão de sócio da Briosa, hoje velhinho de quase trinta anos, tem a sua assinatura. Colega de profissão do meu pai, este velho e bom médico conheci-o vagamente mas o suficiente para saber que certas conferências de imprensa ele não as daria nunca. O público de Coimbra homenageou-o hoje, ele morreu ontem, num sábado ensolarado. No acessório, a sua Académica ganhou, o árbitro foi um bocado olegário e a vida continua.
PS: É uma pena que os minutos de silêncio cumpridos nos estádios portugueses tenham sido substituidos por 60 segundos de palmas. Como juvenis que cada vez mais somos, já nem diante da morte conseguimos estar quietos e calados.
posted by FNV on 7:15 da tarde
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TRAPOS VELHOS: A tese é velha, os actores vão-se renovando. A tese consiste em dizer que o homem europeu actual é uma pedaço de sexo atado ao estômago, descerebrado, sem convicções. Os" valores", o "acreditar em algo", a dimensão espiritual e moral, tudo está perdido neste novo homem. Freud, Nietzsche, a TV e o divórcio são alguns dos coveiros, a salvação para não se cair no niilismo passa pelo "re-acreditar" nos valores "tradicionais", e na religião.. Assim, os que criticaram Buttiglione peretencem todos a esta espécie desgraçada.
A tese é tão velha que até acusta a acreditar que vá ganhando novos seguidores. Desde o século XIX e início do século XX , que Sombart, Spengler, Dumont, os nacionalistas de Weimar ou os pré-fascistas italianos como D'Annunzio ou o social-católico Giuseppe Tonicolo (que tinha a antiga Florença como modelo), papagueiam a mesma ladainha da decadência da força, do sangue, da tradição, da alma europeia. Esta corrente anti-moderna inspirou movimentos genéticamente jacobinos ( no sentido em o mundo deve ser mudado pela acção política) como o fascismo ou o nazismo.
Nos EUA, a reacção moralista e anti-moderna apoiou-se sempre mais nas doutrinas evangélicas e por isso associou às suas batalhas a componente moral focada na sexualidade e áreas adjacentes: a leitura ortodoxa das escrituras fornecia-lhes a base que na Europa era sobretudo ideológica. Nos anos 30, o namoro do moralismo religioso ao extremismo de direita, ilustrado por figuras como o padre católico Charles Coughlin ou o evangélico Winrod, nas sólidas palavras de Seymor Martin Lipset, era impressionante. Dos tempos dos movimentos da Temperança a que Lincoln se opôs, aos dos pregadores televisivos, pouca coisa muda.
O que é curioso é verificar como na Europa dos Buttiglione se processa uma aproximação aos conteúdos moralistas americanos ( entretanto renovados) tanto quanto é inspirada nos conteúdos tradicionalmente fascistas. O desenterrar das convicções religiosas como salvação face à barbárie niilista e a luta contra o "relativismo moral" faz-se com a terra dos comportamentos privados e das regulações relacionais. A tal não será alheio porventura o desaparecimento do mundo/perigo comunista, que funcionava como bússola fiel nas horas de escolher um rumo. Já não podem dizer como o célebre senador Mccarthy, que "a grande diferença entre o nosso mundo cristão ocidental e o mundo ateísta comunista não é política (...) é moral". Se tirarmos o "comunista", a frase é elucidativamente actual acerca da confusão de planos.
Para outro post fica a defesa da ideia de que não preciso de regressar a um passado vingativo para viver com dimensão moral, com convicções e com respeito pelas tradições. Ou se regressar, prefiro regressar a Atenas ( sem escravos e com direito de voto alargado às mulheres).
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.