A FESTA DO COELHO: Para os Judeus, na Páscoa comemora-se a fuga do Egipto resultante da praga que se abateu sobre os Egípcios, a esperança da Terra Prometida. Para os Cristãos, a Páscoa é a Paixão e Ressurreição de Cristo e a instituição da Eucaristia. Para o resto da malta, a Páscoa é a festa de um qualquer coelho que, por aberração da natureza, põe ovos. A coisa não espanta: tornou-se comum que o pessoal se tente apoderar das festas religiosas. Querem vivê-las mas não querem chatices nem estão para isso. Já no Natal temos de gramar com enchentes de bonecos de vermelho, meio bonacheirões, inventados pelos refrigerantes. Na Páscoa levamos com coelhos com ovos. A maioria do pessoal não está para se lembrar da Paixão de Cristo, do seu sofrimento ou está-se nas tintas para o que se passou no Egipto com o povo judaico. Preferem olhar para o lado e afagar o coelhito e por isso se incomodam tanto com pessoas como Mel Gibson, que lhes lembram o que não querem, que lhes fazem entrar pelas casas aquilo que se celebra (no caso dos Cristãos). Não lhes importa que um Rambo apanhe uns quantos murros ou balázios no Vietname ou no Afeganistão, mas se lhes recordam que Jesus Cristo foi violentamente flagelado por todos nós, isso já é uma aberração que não querem ver nem lembrar-se. Só que, como querem entrar na festa, tipo penetras, têm de inventar umas coisas para si, uns pretensos festejos como os tais coelhos com ovos. Eu acho que "coelhos com ovos" não liga nada; prefiro a lebre estufada em vinho tinto com cebolinhas, da Herdade do Esporão, ou o arroz de lebre do Fialho que, atempadamente ingeridos, ajudam ao jejum de Sexta-Feira Santa. Desejo uma boa Páscoa aos que a vivem seriamente e aos outros que o coelho dos ovos não esturrique.
posted by VLX on 5:49 da tarde
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COISAS BOAS DO ANTERIOR GOVERNO: A derrota dos partidos da coligação nas eleições tem diversas explicações, começando pela actuação e personalidade do ex-PM, passando pelo ataque que os seus companheiros de partido e a comunicação social lhe moveram e culminando numa deficiente campanha eleitoral. Deficiente porque o partido maior do governo se limitou a responder às investidas que lhe fizeram, ao invés de invocar a obra que tinha realizado. Se se recordarem, apenas o CDS fez campanha valorizando o lado bom da governação, coisa que lhe valeu seguramente muitos dos votos que obteve mas que não impediu uma comunicação social adversa de o acusar de, com isso, pretender apenas desvalorizar o PSD (no que é uma das críticas mais injustas de que há memória em democracia: que mal faz um partido elogiar a sua própria governação? Não é o que deveria acontecer sempre? Não é o que acontece geralmente? Que culpa tem o CDS de que o PSD não tenha feito igual ou semelhante? Repare-se no PS, que ainda não começou a governar e passa a vida já a auto-elogiar-se, vá-se lá saber porquê...) E, queira-se ou não, havia coisas boas.
Pois uma das coisas boas de que a coligação se podia vangloriar em campanha era a conclusão da AE-A 13, entre Santarém e Santo Estevão, que possibilita aos portugueses dirigirem-se a sul (ou a norte) sem passarem pela umbilical Lisboa, por muito bonita que seja a Ponte Vasco da Gama. A conclusão, tardia, desta AE é uma conquista enorme da população portuguesa além-capital (que, hoje em dia, corresponde inteiramente ao que se designa por "interior", dadas as colossais diferenças entre Lisboa e o resto do país). A A 13 permite-nos percorrer o país sem termos de passar pela casa da partida (e deixar lá dois contos...). Na parte que me toca, era uma obra que há muito esperava pois facilita um melhor acesso, mais rápido e seguro ao sempre delicioso e familiar Alentejo. Claro que a chuva que sistematicamente me acompanha em férias (aproveito para pedir também desculpa aos algarvios por aquela primeira semana de Agosto de 2004, juro que nunca mais lá volto nessa altura) acaba por atrapalhar as coisas mas esta A 13 tem um excelente escoamento das águas e permite uma viagem rápida e em segurança. Toda a família adorou a A 13, os netos para visitarem o Avô, este por ser visitado. Creio que só a sua alentejana garrafeira torceu o nariz à abertura desta via.
posted by VLX on 5:38 da tarde
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DESCULPEM-ME: Neste regresso, tenho de começar por me penitenciar juntos dos portugueses (particularmente dos agricultores) pela seca que assola o país: a culpa da falta de chuva é inteiramente minha e pelo facto peço humildemente desculpa. Eu sabia. Eu estava atolado em trabalho mas sabia que dependia de mim a vinda da chuva; já me tinham dito em casa que quando decidisse tirar uns dias estaria a chover copiosamente e eu não quis acreditar, adiei, atrasei, não marquei, marquei e desmarquei, desliguei, não quis saber, provoquei inúmeros prejuízos aos portugueses mantendo-me a trabalhar, dia após dia. Ter cancelado aqueles dias de férias no Carnaval terá reflexos horríveis no PIB nacional. Tudo isto porque eu sabia, eu tinha de saber que mal entrasse em férias, mal atravancasse o carro de tudo quanto há, mesmo que para uns curtos três ou quatro dias fora, começaria a chover. As nuvens abrir-se-iam, as águas cairiam, os campos seriam inundados. E assim foi. Os prometidos passeios a cavalo resumiram-se a uns infelizes narizitos esborrachados nas janelas embaciadas, mirando tristemente os bichos no picadeiro alagado; os passeios campestres, a apanha da fruta, o ir aos ovos, tudo isso foi substituído por puzzles e outros jogos de interior, guerrilhas, estardalhaço e castigos; os castelos que se visitariam e onde poderiam ser fotografados em lutas fenomenais foram vistos ao longe, do claustrofóbico automóvel. E por onde se passava chovia, chovia, chovia. Tive ainda a desconsolada ideia de lhes mostrar a barragem do Alqueva mas foi o fim, o limite. Era água a mais. Água e castelos a mais, sem uma pontinha de whisky que consolasse. E água muito tarde. Por culpa minha, que poderia ter marcado férias para mais cedo. Pois estava escrito que a chuva viria com as minhas curtas férias. Desculpem-me os portugueses.
posted by VLX on 5:33 da tarde
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I'M BACK: Claro que eu podia dizer que tenho andado muito atarefado (o que não seria mentira nenhuma) e justificar-me assim com a ausência neste espaço. Podia alegar doença, dieta, férias, qualquer coisa. Podia recorrer a inúmeros subterfúgios mas a verdade é que fiquei bastante desiludido com aquilo a que se costuma chamar "a decisão soberana do povo português" (ou, mais propriamente, com o seu resultado), fiquei de luto; e isso levou-me a um certo afastamento. A conclusão da digestão do vinte do dois, de umas quantas pastas complicadas, a perda de uns cinco quilos (uma gota...) e o atribulado gozo de um fim-de-semana grande talvez me possibilitem dizer, com o mesmo empenho com que Paul Newman finaliza A Cor do Dinheiro: I'm back!
posted by VLX on 5:28 da tarde
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ORWELL: Dizia que um dos objectivos da linguagem política era o de garantir uma aparência de solidez ao puro vento. Nestes dias de ventania, é capaz de ser difícil.
- É um blogue sobre peixes estóicos que gostam de futebol. - É um blogue de peixes estóicos que gostam de futebol. - É a fachada legal dos Manos Metralhas. - É um blogue sobre métodos de desentupimento das vias biliares. - Era um blogue sobre Jorge Sampaio que se converteu num blogue sobre Estudos Clássicos. - É o blogue que o autor d'O Meu Pipi não teve a coragem de montar. - É o blogue onde se demonstra que Jorge Sampaio não pode ser o autor d'O Meu Pipi. - É o blogue de um celerado que se desmultiplica em heterónimos. - É o blogue onde se narra a trágica história do homem que se enforcou na sua rede mosquiteira. - Não é um blogue: é uma manobra publicitária de uma empresa de comercialização de bacalhau.
OS PARODIANTES DE LISBOA: Na RTP-N, um representante da Prevenção Rodoviária Portuguesa que só sabe dizer "efectivamente" , não consegue explicar a um telespectador se vai ou não poder continuar a utilizar o kit de telemóvel mãos-livres; e tão incompetente é na missão que está a levar a cabo ( estar na TV pública a elucidar o povo sobre as alterações ao Código da Estrada), que nem sabe de cor ( o que é compreensível) nem tem à mão ( o que retrata bem o insuportável personagem) um exemplar do Código com o valor da coima em discussão. Mas o que nos vale é o riso. Atentem no artigo 79, Secção XI: "É proibido o trânsito de veiculos a motor que emitam fumos ou gases em quantidade superior à fixada em regulamento ou que derramem óleo ou quaisquer outras substâncias.". Se assim fosse, pelo menos metade das motoretas, carros, carrinhas e camionetas da PSP, passariam a ser proibidos de circular. Se não estivessemos em Portugal.
posted by FNV on 10:25 da tarde
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A VANTAGEM DE SER BURRO: Conta-nos Heródoto ( Livro IV, 129:1-3) que porque os Citas não conheciam burros nem ( obviamente) mulas, o acampamento de Dario detinha uma enorme vantagem. Os Citas, atacando montados em cavalos, desesperavam com a recusa destes em continuarem, assustados que ficavam com zurrar dos burros existentes no acampamento dos persas.
"CONVERSAÇÃO MUI DANOSA":: A propósito do post anterior, uma outra visão da distância, no mapa e no corpo:
"Outro costume mui perjudicial tinham estes mouros, que também lhes proibi. O qual era em os nossos domingos, e santos da guarda, virem mouras visitar as cristãs suas amigas, e todas juntas cantavam, bailavam, comiam e bebiam tão amigavelmente como se fossem todas mouras. No que havia mui escandalosas, e esta mística conversação era mui danosa, e perigosa pera a nossa cristandade."
Fr. João dos Santos, "Etiópia Oriental e Vária História de Cousas Notáveis do Oriente", Livro III, cap.XIII. A edição ( introdução, organização e fixação do texto)é colectiva e foi publicada em 1999 pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. O texto original, impresso em 1608, está completo; são mais de 700 páginas, e o excerto aqui transcrito refere-se à passagem de Fr. João Dos Santos pelas ilhas de Quirimba, mais propriamente pela ilha das Cabras, ao largo de Moçambique.
"Se da amada estás ausente Como o Oriente do Ocidente, O coração transpõe todo o deserto; Só, por toda a parte acha o seu caminho certo, Para quem ama Bagdad é aqui perto"
Paulo Quintela, na sua tradução do "West-Ostlicher Divan"( "Divã Ocidental-Oriental") de Goethe. Hoje, em alguns círculos, o poema é considerado uma forma clássica de orientalismo, embrenhado numa visão redutora do Oriente, como lugar de paixões assolapadas. Mas também hoje, noutros círculos, o poema ( não apenas este excerto, naturalmente) pode ser considerado um instrumento válido de união cultural e histórica.
O PROSÉLITO: Na SIC-N, Luís Costa-Ribas, a propósito do caso do momento, explica ao povo que a "direita religiosa norte-americana é pró-vida no caso da eutanásia e do aborto, mas a favor da pena da morte". O indivíduo "acha" isto "peculiar". Nem me preocupo em "achar" isto "informação". Só gostava de um dia poder perguntar aos outros jornalistas da estação ( existem decerto), se eventualmente lhes ocorre que na América ou na Patagónia, nem toda a gente que é "pró-vida" é necessáriamente a favor da pena da morte. Os programas - mesmo os de "informação" - dedicados aos adolescentes ocidentais mimados podiam bem ter uma bolinha no canto superior direito do ecrãn.
OS PASSARINHOS NA PRIMAVERA: Esta inusitada multiplicação de posts do nosso FNV, nas últimas semanas, sobre o FCPorto, fez-me lembrar um dos meus filmes preferidos de Truffaut, O homem que gostava de mulheres. A certa altura, Bertrand Morane (o inesquecível Charles Denner) diz qualquer coisa como isto: "o que eu gosto, na Primavera, é o modo como as mulheres aparecem à superfície, com as suas roupas leves [plano de uma saída do metro, de onde saem dezenas de mulheres apressadas, predominando as saias pelos joelhos a bater ritmadamente em vintenas de pernas] . Ninguém sabe onde se meteram durante o Outono e o Inverno, mas chega a Primavera e é vê-las a deixar as suas tocas* e a invadir a cidade". E, para o nosso FNV, tem sido um longo Inverno. *Admito que a parte das tocas seja uma re-criação minha. Mas quem pode reproduzir exactamente aquilo que um dia foi dito?
posted by PC on 5:35 da tarde
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BÍCIOS: Ando a ficar biciado em jogos do FCPorto.
posted by FNV on 4:02 da tarde
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BAI CO DONO: Da "Antologia Temática de Poesia Africana", organizada e recolhida por Mário de Andrade ( Instituto Caboverdeano do Livro, Praia, 1980), entre outras coisas interessantes, este excerto de um "texto crioulo" - Lala Kema - divulgado na Guiné-Bissau, na época da luta pela independência:
"Santcho preto bai co dono Pabia no povo cà misti Fidjo sima bôs, oh! Aio, sima bôs, Oh!"
Traduzido:
"Macaco negro traidor vai ter com os teus patrões Porque o nosso povo não quer mais Crianças como tu! Aio como tu!"
Se a referência à infantilização do negro, porque devedora das benesses do pai/patrão branco, não surpreende, já a classificação simiesca pia mais fino. Se recuperarmos uma lengalenga cara a Homi Bhabha ( um dos gurus dos area studies pós-coloniais), diríamos estar em presença de um exemplo da sua "não-dialéctica": és preto sofredor e macaco traidor, tudo dependendo da minha capacidade narrativa em identificar as estruturas de poder. Dito de forma simples, para os libertadores da Guiné, um homem era negro se estivesse do lado deles, passava a macaco ( traidor) se contemporizasse com o ocupante branco. Poderão pensar alguns dos leitores que tal dialéctica-do-lado-do-muro era perfeitamente natural em clima de guerra, ou pelo menos de conflito. Salvo que, se a utilização da palavra traidor ( ou porco, ou cão) talvez seja normal, a classificação de "macaco" é muito interessante: o negro-libertador, anti-colonialista, utiliza para com os seus irmãos a mesma representação antropo-depreciadora que o inimigo ( o branco ocupante) prefere: preto = macaco. Que pensar disto? Num primeiro nível, que a escolha do termo é deliberada; se nos trais ( e à causa), não passas daquilo que o branco ocupante pensa que tu és: um macaco. Isto alude a uma velha referência dos primeiros movimentos anti-coloniais, a saber, a de que o colonizado só alcança o estatuto de renascido, de pertencente a uma pátria, de homem, se for libertado do jugo colonial. Mas um segundo nível de interpretação é possível: a apropriação por parte dos movimentos de libertação, da linguagem depreciadora das forças de dominação, pode indicar a universalidade daquela e a inevitabiliade destas. Mas ainda um terceiro nível de análise se escapa sorrateiro: o colonizado-libertador integra involuntária e inevitavelmente as estruturas coloniais/imperialistas de diferenciação social (como único recurso) a fim de aparecer aos olhos de quem for preciso, suficientemente forte e poderoso. Coloniza-se libertando e vice-versa, que foi o que fizeram muitos impérios ( a começar pelos Han): connosco, o mundo, fora dele, a barbárie ( ou a selva...).
posted by FNV on 12:35 da tarde
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A ONU E O PROBLEMA DA ÁGUA POTÁVEL: Do lado de dentro do globo é que morre a desgraça. O que nos espera, perguntem aos mortos é que estão vivos! /os mortos é que estão vivos!/ Raul Brandão/ Húmus. Nem por sombras se adia a coisa, se a coisa é por definição oposta à própria definição: se há, porque é que há? Uma terra tão grande deveria ter fontes luminosas, cada boca um repuxo para que nada nos falte. De todas as cores, as cabeças dos ressequidos seriam embaladas e consumidas pelas gentes do grande norte. Uma espécie de comensalismo se estabeleceria assim: dá-me a tua sede, fico com a tua língua.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.