Os anti-scolarianos litigantes não devem desanimar: ainda têm a Sérvia.
posted by FNV on 10:58 da tarde
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AS QUESTÕES DE MORDO:
Em La Tregua, de Primo Levi, Mordo Nahum quer saber o que é "conhecer", o que é o "espírito" e o que é a "justiça". Vinte e dois anos depois ( 1985) , em entrevista concedida a Germaine Greer, Levi diz nunca podermos estar suficientemente seguros sobre as razões que levam um homem a ser criminoso: se o escolheu livremente, se para tal foi educado ou doutrinado, se foi o meio que o fez. Levi, que conheceu o crime dos Lager, ainda tem dúvidas. Outros nunca se enganam.
Ouvi, com o prazer de sempre, Adriano Moreira, hoje, na TSF, enumerar as suas desconfianças sobre a adesão turca. Medeiros Ferreira fez o mesmo relativamente ao alargamento a Leste, Pacheco Pereira não cheguei a ouvir totalmente mas julgo que concordou com Medeiros Ferreira. Algumas discordâncias: O processo europeu tem semelhanças com o espraiar do mundo grego no século IV ( a.C.). Crotona , Régio, Tarento e Siracusa no Mediterrâneo setentrional, Cirene ( na actual Líbia), que abastecia as cidades gregas de cereais, e, sobretudo, as regiões pônticas ( litoral do actual mar negro e parte da actual Turquia), constituiram os espaços do alargamento grego. Adriano Moreira disse que fronteiras amigas ( como Marrocos ou a Tunísia ) poderiam requerer o estatuto turco, bem como assinalou que, se a Turquia aderir, as fronteiras da nova UE passarão a ser pouco amigáveis. Medeiros Ferreira fez eco do sentimento de perda de identidade europeia com a inclusão de letões, romenos e Cª. Nas regiões pônticas, Atenas ocupou o lugar dos persas depois das guerras médicas e, tal como na Cirenaica dos Batíadas, beneficiou do alargamento. Do norte ( Cítia e Querquoneso) ao sul ( Bitínia e Heracleia), a influência grega retomou a antiga ligação ( o que diferencia as situações, naturalmente). Seja como for, para o império grego, o alargamento foi benéfico, uma vez que a continuidade cultural não dependia da homogeneidade do território. A Grécia do século IV limitou-se a usar a moeda e a influência junto das elites políticas. Os novos espaços prosperaram, mas também é verdade que a extensão grega deu posteriormente origem a movimentos nacionalistas-tribais no século seguinte. Enfim, o que é preciso saber é se a Europa escapará ao destino dos Psilos ( habitavam a Tripolitânia) tal como Heródoto o descreve: vizinhos dos Nasamões, fizeram uma expedição contra o vento do sul, que os derrotou, soterrando-os sob a areia. Há quem diga que não foi o vento, mas os vizinhos Nasamões.
posted by FNV on 4:27 da tarde
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CANÇÃO DE LISBOA: No tempo em que os portugueses faziam filmes com graça, movimento e audiências, retratou-se a academia estudantil num musical brilhante que não me canso de rever. Todos nós conhecemos aquele tipo de estudante, trapaceiro, trapalhão, sempre a enganar a família e meio mundo, definitivamente envolvido numa boémia alegre e irresponsável deixando o curso ficar para trás. Aquele que pede aos colegas para o deixarem ir no carro da Queima e assim agitar as fitas aos pobres pais enganados e demais público.
O Vasco Leitão, o célebre Vasquinho da Anatomia era tudo isso. Ele não queria aprender, não lhe interessavam os conhecimentos: queria unicamente sacar o pastel às velhas tias ricas ("pela ciência eu agradeço, do que eu preciso é das notas") e as pobres, ludibriadas, cediam ("o teu saber não tem preço, podes contar com as velhotas"). Queria a massa mas queria também ser "doutor" ("chame-me doutor, homem, mais alto", diz ele ao pobre empregado do zoológico, também embarrilado no embuste, quando decide ir ver a macacada toda a 20 macacos cada um...).
Ser "doutor" sem esforço é o sonho de todo o vigarista simplório, de todo o trapaceirito. E alguns convencem-se mesmo de que são doutores. Quando o personagem, bêbedo e trôpego, se arroga do dever de acabar com as chagas sociais (no caso, referia-se ao fado) e puxa os seus galões de doutor em medicina para armar das mais divertidas zaragatas do cinema português (não obstante andar mais sem se ralar, a vadiar pelos arraiais, faltando às aulas sete dias por semana), isso outra coisa não é do que imaginar-se doutor não sendo.
Como é relativamente comum nestes pequenos intrujões, são logo rodeados de outros seus iguais, prontos a comer da mesma suja manjedoura. O sapateiro e o alfaiate são geniais no seu papel ("ou há moralidade ou comem todos") e acabam mesmo enamorados das tias (hoje seriam administradores numa qualquer empresa pública).
Este tipo de pessoas acaba por ter problemas psicológicos, destacando-se a arrogância e pesporrência, e é costume armarem-se em autoritários. Deliciosa aquela cena em que o personagem, despejado, no meio da rua com os seus tarecos, incha toda a sua sobranceria sobre o rapazito do talho ("os fornecedores são atendidos pela porta das traseiras!"). É simplesmente fabuloso como o aldrabãozito, mesmo no meio das consequências da enorme desgraça que foi a gestão da sua vida estudantil, descarrega torpemente e com altivez a sua fúria sobre o que considera mais fraco. O episódio em que ele chama palerma ao próprio tipo a quem ele queria roubar o chapéu tem plena actualidade.
Maravilhosa também a cena em que descarrega uma bofetada no miúdo que o descobre acossado e escondido na alfaiataria, disfarçado de boneco. Boneco que acaba por levar merecidamente na cara com a massa dos bolos, vindo logo lamentar-se lacrimejante e revoltado para o resto das meninas, como se fosse sempre vítima de injustiças.
No fundo, estas pessoas acabam por ser sempre umas desgraçadas, mesmo que no final venham a apoderar-se de bons lugares (fadista no Retiro do Alexandrino, por exemplo). E nem fariam muito mal se enganassem apenas as pobres tias ricas. O problema é quando as pobres tias somos todos nós.
A maternalização do psico-útero social tem sido pouco notada pelos peritos. No entanto, se virmos bem as coisas, desde que a mulher saiu de casa, ( por volta dos anos 50 no mundo civilizado) a compreensão, o afecto e o diálogo passaram a constituir o endométrio oficial. Nos bons tempos, o pai tirano tinha a seu lado uma secretária-geral que lhe marcava as reuniões, tratava do expediente, enfim, geria os assuntos correntes. Depois a senhora emancipou-se e o adolescente passou a sofrer de angústia e de outras moléstias. Já não tinha ninguém que o mandasse fazer, passou a sofrer ( de indecisão) . Entraram os psis. Os conteúdos da cultura popular são o reflexo da maternalização : os refrões pop I love you baby , as pedagogias não-directivas, o amor ao ambiente ( extensão da casa arrumada), as novelas que escorrem amor por todos os poros, a higienização social ( perseguição ao tabaco, à caça, ao álcool) . O homem-pai já nem em casa está: agora, na melhor das hipóteses, há "companheiros". Há cerca de 15-20 anos, uma psicanalista portuense, Manuela Fleming, escreveu um livrinho sobre o assunto. Perdi-o.
NUM PAÍS CIVILIZADO: Claro que, se estivéssemos nos Estados Unidos da América, alguém ainda teria de ir um dia destes à televisão, confessar-se: I had an inappropriate diploma.
posted by VLX on 1:07 da tarde
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A VIDA COMO ELA É:
Ouviremos a Sua voz e sairemos dos túmulos: Os que fizeram o bem, para a ressureição da vida; e os que fizeram o mal, para a ressureição do juízo. ( João 5:29). É bem verdade. O juízo e o mal obedecem à mesma voz.
O diabo está nos detalhes, até nos pequeníssimos, que é como quem diz num editorial de "A Bola". Segundo o sr, Serpa, Deco quis ser operado a um dedo partido antes dos jogos decisivos da selecção porque prefere o patrão estrangeiro ( Barcelona) à excelsa pátria. Que não é a dele, porque Deco é um abrasileirado. Fosse Deco um cavalo de corrida lusitano e jogava com a mão partida, até sem uma perna. Os jornais da bola têm mais influência do que se pensa. São lidos religiosamente por milhões de portugueses e opiniões imbecis destas fazem mossa. Muita mossa.
* A entrevista do ministro iraquiano da educação, o sr. Abid Thyab al-Ajeeli, no Guardian em linha de ontem. Abid quer secularizar 20 universidades e 43 institutos que, neste momento, funcionam. Mas estas coisas não se podem dizer: do Iraque só interessa "o atoleiro americano".
* No NY Times, também de ontem, uma revisão feita por Nicholas Wade sobre um ângulo específico da primatologia trendy. Há quem pense que os macacos têm um certo senso moral. Parece que macacos que não sabem nadar salvam companheiros em apuros. O mais interessante, diz um especialista, é que a moral simiesca terá raízes na arte da guerra : o sentido de comunidade exigido pela primeira foi fornecido pela segunda. Nada que Ésquilo ou Tucídides não soubessem.
Depois de ultrapassada a emoção de escrever um título destes, vamos ao assunto: O eng.º Fernando Santos, a quem o meu miocárdio deve uma época de descanso, está com o cabelo igualzinho ao de Luis Filipe Vieira: a mesma cor de cinzeiro, a mesma densidade de Arraiolos, a mesma configuração de testilho que destapa as orelhas mas cobre o frontal. Isto deve querer dizer alguma coisa. Será...? Não é possível...
PS.: Por que motivo toda a gente finge não compreender que é Moreto que joga porque está listado para transferência desde Agosto e tem de ser promovido ?
posted by FNV on 7:29 da tarde
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TURISMO NOBRE:
S. Ex. o secretário de estado da Juventude e do Desporto, dr. Laurentino Dias, está em Cuba para uma visita oficial de cinco-5-cinco dias. Vai assinar um acordo de cooperação e leva consigo outra Ex., o Senhor Presidente da Federação Portuguesa de Basebol. Mal posso esperar pelos resultados desta visita, tendo em conta a excepcional relevância que o basebol tem em Portugal. Por outro lado, estou certo de que os cubanos nos podem ajudar - e muito - a incutir nos jovens o respeito pelos professores, o desprezo pelos grafitti e pela pornografia, o amor à Pátria, a disciplina férrea e a vontade de servir nas Forças Armadas. Talvez para o ano S. Ex. se desloque à Coreia do Norte, desta vez acompanhado pelo Presidente da Federação Portuguesa de Patinagem no Gelo, e assine mais um acordo de importância transcedente para o enobrecimento da juventude lusitana. A Coreia não tem praias, charutos nem mulheres belas, mas parece que possui urânio e está perto da Coreia do Sul.
posted by FNV on 11:55 da manhã
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A VIDA COMO ELA É:
" É proba aquela velhice capaz de defender-se ela mesma, que mantém os seus direitos, não se submete a ninguém, que se auto-governa até ao último sopro de vida. "
( Cícero, obliquamente estóico, sobre a senectude de Catão-o-Velho; trad. de Humberto Gomes, Cotovia 1998 )
Na altura própria referi aqui que o programa de Ségolène era uma fantástica colecção de inanidades: qualquer pessoa normal que o lesse constatava que cada ponto contradizia o anterior ( uma espécie de epagôgê socrática com natas). A senhora até pode ganhar e fazer um bom trabalho; para já é apenas uma péssima candidata.
Em Espanha, com Franco e com Juan Carlos , existia o saudável hábito de fazer uma terna com os nomes de três candidatos sempre que era necessário ocupar um posto do regime. Quando Franco elaborava a terna já se sabia quem era o escolhido, Juan Carlos fez o mesmo com Suarez ( que mais tarde foi eleito democraticamente e com a ajuda da TVE), que sucedeu a outro sorteado, Arias Navarro. O PSD podia adoptar o mesmo sistema. Cavaco recebia Ferreira Leite e elaboravam juntos uma terna que podia incluir, inania verba, Meneses e o famoso "Zé". Depois abria-se o envelope e Manuela Ferreira Leite tomava conta do partido. Como deve ser.
Enquanto a apreensão, esta semana, de 500 kg de cocaína em Cabo Verde confirma o que temos vindo a escrever sobre o novo narco-eixo atlântico, continuemos na Ásia Central, e em eixos mais antigos. Hoje, como combinado, o Quirguistão. Bento XVI disse no seu discurso de 14 de Dezembro último - por ocasião da apresentação das cartas credenciais de Maratbek Bakiev, o novo embaixador junto daSanta Sé - que a extraordinária beleza natural do Quirguistão é uma benção para o seu país. Talvez, mas o território é um deserto montanhoso que viveu nos tempos da antiga URSS da produção de algodão, beterraba e ovelhas. Akayev, deposto pela suposta Revolução das Tulipas de Março de 2005, manteve durante muito tempo uma mão centralista ( com o apoio moral de Moscovo) sobre um país em desagregação. As mafias locais entretiveram-se a enriquecer com o dinheiro do narcotráfico, sobretudo da pasta de ópio ou da heroína semi-processada proveniente do Tadjiquistão. Nas zonas rurais e pobres ( quase todo o país) , os narcotraficantes substituem o estado e , numa prática já conhecida, pretendem comandá-lo. Jenech Nurgaliev, director da Agência Antidroga do Quirguistão, confirmou na altura da revolução que o assalto à sede do governo de Bishkek foi feito por milícias oriundas de Osh. Esta cidade-enclave é uma das capitais centro-asiáticas da heroína ( suplantando Khorog e Khodjent, a antiga Leninabad) . Osh recebe a droga de Murgab - via auto-estrada do Pamir - e reenvia-a para Bishek, capital quirguistanesa; pelo meio, diversos grupos de retalhistas negoceiam parte da droga para a China, para o Uzbequistão e para o Cazaquistão. Números certos não há, pelo menos nenhuns que me mereçam confiança. Por alto, e grosseiramente, calculo que cerca de 40% do ópio afegão passa pelo eixo Osh- Bihskek. Depois do golpe de 2005, Erkinbayev e Akmatbayev, deputados alegadamente ligados ao narcotráfico, foram assassinados numa demonstração clara de que a luta pelo controlo da narco-ecomomia estava lançada. O recente e espectacular aumento da produção afegã permite calcular a dureza da tarefa no Quirguistão.
Fontes / bibliografia:
* Jacob Towsend, The Logistics of Opiate Trafficking in Tajiquistan, Kyrgystan and Kazakhstan , China and Eurasia Quartely, vol4Nº1, 2006. * Komsomolskaia Pravda, 31/03/05. * Central Asia-Caucasus A.F.Report, Tajikistan-Kyrguistan Drug Route, 30/08/00.
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