Estava a escrever a minha crónica da Ler ( a que saiu este mês) com o livro do Eduardo a um canto de uma das mesas, já lido e relido. O título pareceu-me estranho, mas depois aceitei-o como uma inevitabilidade: é preciso pensar, reunir e publicar. Breve: ensinar. Seja. Um arte inútil, próxima da taxidermia, ou da arte de embalsamar ( como Nina e Filipe Guerra traduzem a opção de Mandelstam) bem definida por Herberto Hélder: Um homem escreve um poema para se opor à vida e ao mundo. E mais nada. Cada vez procuro mais a síntese alucinada e perfeita, e por isso muitos dos poetas do divan do Eduardo dizem-me pouco. Gostava de lá ter visto Bettencourt e Mesquita, por exemplo, mas pouco mais. Somos portugueses e palavrosos. O que não é nada palavroso é o ritmo do Eduardo Pitta. Textos curtos com notas biográficas sucintas e crítica metálica. Belíssima homenagem a António Botto ( atropelado por um carro do governo), contida e simpática referência a Assis Pacheco ( coimbrão que viveu em casa da minha sogra), curta exploração do meu opiómano luso preferido ( Pessanha). O livro não pretende ser um estudo literário exaustivo - é um conjunto avulso e distendido de crónicas e opiniões -, antes um arquivo pessoal do tempo da poesia portuguesa moderna. E neste anaeróbico clima de imbecilidade, um arquivo assim elegante é oxigénio.
posted by FNV on 11:27 da tarde
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RECORDAR É VIVER(II):
Leiam este descaramento ( para ser muito brando) e depois recordem-se das capas doCorreio da Manhã do Marcelino no tempo do processo Casa Pia. Ou então telefonem a Ferro Rodrigues.
Pedro Passos Coelho pediu desculpa por ter dado o seu aval a políticas fiscais severas. Não é tão mal pensado como li por aí, isto no plano estritamente psicossocial ( deixo a análise política pura para quem sabe) das teorias da atribuição. PPC está no papel clássico do agente inovador e , presumivelmente, minoritário. Seja no modelo de Hollander seja no de Moscovici, é conveniente exibir consistência temporal nas propostas apresentadas. Se assim não for, as pessoas não conseguem atribuir-lhe qualidades, intenções, valores, Dito de forma breve, não conseguem construir uma representação fiável. Neste caso, PPC não tinha alternativa. Não podia impedir a resposta exigida pela UE sob pena de aparecer como um obstáculo a qualquer espécie de solução, e isso é letal para o agente inovador. Também não podia aparecer como um entusiasta da solução, pois nesse caso a sua casa de partida ( inovação, "change") congelaria . A opção foi inteligente. Sacrifico o que penso ( diminuição do peso do Estado) em nome dasalvação nacional e quem paga a factura é o PS. Na melhor das hipóteses atribuem-lhe sentido de Estado, na pior atribuem-lhe instinto de sobrevivência. Nada mau.
"Tudo o que esta direcção fez", não sei, mas sei que avisou sobre o que aí vinha, sobre o que era preciso cortar, sobre o estado da realidade, essa coisinha insignificante. Os egos e a ambição fizeram o resto. Hoje, na SIC, Ricardo Costa dizia que os portugueses foram enganados em Setembro. Não, não foram. Na altura escrevi, como muita gente, que os portugueses escolheram, porque tiveram alternativas. Não queriam suspender a democracia por seis meses , pois não? Então não a suspendam agora.
posted by VLX on 1:19 da tarde
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A TOLERÂNCIA É UM PONTO:
Pessoalmente foi óptimo ( tenho a cidade deserta e o liceu em frente está mudo) , mas, fria e racionalmente, a tolerância de ponto não faz sentido. Este Papa provavelmente não volta cá e vale bem - para um devoto - um dia de salário. Há funcionários a quem esse dia faz falta? Com certeza, mas o cristianismo começou por ser uma lição de sacrifício. Também há milhares de funcionários que gastam esse dia de salário em cinco minutos nas dezenas de Dolces Vitas e afins espalhados pelo país; e o cristianismo começou por ser uma lição de despojamento. Resta que seria interessante saber quantos patrões espiritualmente elevados ofereceram este dia aos seus empregados ( domésticas, lojistas, mecânicos, etc).
O verdadeiro Minority Report foi redigido no âmbito da Royal Comission on the Poor Laws, por Beatrice e Sidney Webb, os representantes trabalhistas ( minoritários na altura) dos fabians de Pease, em 1909.O relatório foi atacado tanto pelos que achavam que os pobres se deviam desenvencilhar sozinhos como pelos que temiam pela sorte do espírito de entreajuda comunitária. Hobson, economista, cripto-marxista e anti-imperialista, arrasou o documento: The most depressing document of our time*. Prevenir a pobreza, dizia o relatório, é melhor do que combatê-la. O problema é que o relatório minoritário também assegurava a génese estrutural da pobreza. Prevenir as estruturas? Depressing indeed.
A razão: O número ( 160.000 pessoas) conta? Claro. Se conta nas manifestações sindicais, do 25 de Abril e pela liberalização do aborto ( as paradas LGBT têm menos gente) , também conta na de hoje. A adesão popular a Ratzinger ( não é bem a ele mas ao que ele representa) é do domínio da razão. As pessoas escolhem acreditar, escolhem ouvir, escolhem aplaudir. O fanatismo que continua a ver o cristianismo de hoje como uma crença medieval labora na indigência cognitiva.
A força: A palavra conta mais e foi ela que teve força. Ratzinger transportou para dentro da Igreja as vozes contra a Igreja, coisa que o comunismo continua a não fazer. Isto acontece porque a marca diferenciadora de uma Europa católica é a tolerância: Roma não é Teerão. Por outro lado, um corpo exposto a mil feridas ( Freud de novo...) é um corpo mil vezes curável. Ratzinger pensa ( Academia Católica da Baviera, 2004) que a aceitação sem reservas da especialização técnica e da banalização ética nega o próprio homem. Condenar o mal da Igreja é um forte exemplo que oferece aos que são incapazes de pensar para além do produto que fabricam.
posted by FNV on 3:28 da tarde
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A ÚLTIMA SÉRIE (II):
Duas pessoas que se amam estão presas acima de tudo aos seus nomes, diz o gerânio de Benjamin. Uma vez mais, certíssimo. Quando nos perguntam sobre o enlace, quando anunciamos a ruptura, quando vamos comprar orquídeas, quando ela está no hospital. O nome à frente. Depois, no fim, quando estamos diante da campa. A inscrição fixa o olhar e é a última coisa que vemos. Todos.
posted by FNV on 2:21 da tarde
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A ÚLTIMA SÉRIE (I):
Na Apúlia faz-se um curso de português planeado. À entrada, antigos moinhos recuperados para residência de veraneantes com bom gosto e dinheiro grosso. Depois uma recta manchega com botecos nas laterais. Mais à frente, restos de projectos turísticos, entre o amarelo-mar e o branco-alga ( podia ser uma terra do 2666). Ao fundo, um semi-parque verde Programa Pólis-requalificação: um pedaço de relva sintética, uns balouços ( onde brincavam três crianças ameaçadoramente iguais) e uma esplanadinha com amurada em madeira. Tudo à volta de sete ou oito barcos de pesca, a seco depois da faina cujo produto é vendido em dez barracas alinhadas. No limite, uma belíssima pensão do início do século XX, mais escaqueirada do que o défice, habitada apenas no rés-do-chão onde bispamos galinhas e rafeiros. Indo para dentro, a vida normal: uma igreja, uma escola, as casas dos pescadores e comerciantes, limpas e funcionais, uma agência bancária, uma ervanária e uma esteticista.
Estas palavras têm a chamda raiva literária: nada de gordura, nada de supérfluo. Combinam naturalmente. Um povo em festa, sem entoar hinos ofensivos para terceiros. Nem há terceiros. Só o imenso vermelho, o único continente que une Portugal aos outros continentes. 23,2 milhões. Fine.
posted by FNV on 10:05 da tarde
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'BORA PARA VIGO!
Se formos rápidos ainda dá para passar a fronteira em sossego..."
Empata o Rio Ave. Um big Tom está ferido e entra num thicket cerrado. Altura de fumar um cigarro e tirar do estojo o equipamento especial. Não esquecer o protege-goelas.
Ao intervalo: Ramires out, por entrada assassina de um candidato a um 3ºesq. O melhor futebol do campeonato foi sempre brindado desta forma. Fizeram estatísticas? Então aprendam.
Minuto 30: dois jogadores do Rio Ave atingem-se mutuamente. Calma , rapazes: os apartamentos só serão entregues se os alvos forem vermelhos. Esta mocidade...
Minuto 12: o Wires quis tanto um apartamento, que, sem espírito festivo, perfurou a virilha do Ramires enquanto olhava para o céu com ar inocente. Rua, claro.
Minuto 3: golo do Benfica. Um steward desmioladoentra no relvado e é prontamente imobilizado por um grupo de espectadores curiosamente todos vestidos com coletes verdes. À atenção do Conselho de Justiça da FPF.
Sozinho em frente ao aparelho de televisão mudo. Os miúdos debandaram e tranquei a minha mulher no andar de cima. Na sala, eu e a minha boxer, fazendo juz ao que Benjamin disse de Karl Kraus: Não há nada mais deprimente do que os seus adeptos, nada mais desolado que os seus adversários.
Aos sectores blogosféricos do PCP que gostam de chamar homofóbico a toda a gente que tenha dúvidas sobre a adopção de crianças por CPMS.
posted by FNV on 4:09 da tarde
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STASIS BENFIQUISTA*:
1) Comentadores e raivosos fazem depender o título do Glorioso do jogo da Luz. É um bom remate para o campeonato da propaganda: dão por adquirido ( salvo o Miguel Sousa Tavares que está farto de escrever que este Braga não joga nada) que os minhotos vencem o Nacional na Choupana. Uma coisa a feijões, não é?
2) A festa será com tudo e com todos. Nada de psicose regionalista-feudal. Recebi mensagens de Ambovombe, Cabo Delgado, La Paz, Esposende e Ormuz. Um clube inter-planetário não faz a coisa por menos. Por mais apartamentos que os construtores civis de Braga tenham prometido aos vila-condenses, não os põem a jogar como o Saviola ( embora lhe possam partir a perna). Será uma festa para todo o condomínio. 3) Depois, como já tenho dito, começa o mais difícil. Não tenhamos ilusões: o ódio e a raiva do Fóculporto deste ano deveu-se ao facto de ser público que o Benfica apostou tudo ( o que tinha e o que não tinha) neste campeonato. Os sicilianos sabiam que era vital derrubar-nos . Mais difícil será apostar na formação, comprar laterais, sanear as finanças e ganhar nível e classe deixando de imitar o estilo Fóculporto. E, se possível, arranjar advogados mediáticos capazes de comer a sopa sozinhos. Fica para mais tarde.
4) Agora vou assar um lombo de porco, tomar banho no Ganges e vestir a minha camisola autografada pelo Rui Costa.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.