DIFÍCIL: Não tem sido objecto de grande discussão na blogosfera, nem, a bem dizer, nos outros media. Falo da discussão aparentemente técnica sobre se as testemunhas do caso Casa Pia devem encarar coram populo os seus putativos abusadores. José Luis Pio de Abreu e Cristina Oliveira, psiquiatras experimentados e docentes da Faculdade de Medicina da UC, elaboraram julgo que a pedido do Dr. Rodrigo Santiago, um parecer que tende a responder afirmativamente à dúvida colocada. O Dr Allen Gomes, idem idem, escreveu há duas semanas no Expresso um artigo em que concluia que o melhor era não experimentar a coisa.
Conheço os três, muito bem os dois primeiros, O Dr. Pio de Abreu ( com quem trabalhei e aprendi) e a Drª Cristina Oliveira, há muito tempo. No entanto, neste caso, tendo a concordar com Allen Gomes.
Esta minha opinião vale tanto quanto a de qualquer outro cidadão, e era aqui que queria chegar. Neste caso, não reconheço autoridade a nenhum especialista, sejam psicólogos, psiquiatras, psicanalistas, por melhores que sejam, ou por mais que amizade que lhes tenha.
* Se partirmos da hipótese que a criança ou adolescente pode ficar face a face com o seu abusador, a relação de poder reverte a favor deste, pois se está a depôr, no espírito do miúdo, é porque o mundo exterior à situação não reconhece como absolutamente válida a sua versão. É todo um mundo que desaba.
* Se partirmos da hipótese que a versão do garoto é falsa, ou que o garoto é algo mais do que isso, o confronto com, o neste caso adulto inocente, não o favorece, a ele, inocente, necessáriamente.
Ou seja, como não sabemos, à partida qual o estatuto moral das testemunhas, nem pelos vistos podemos separar a faixa etária delas ( a actual e a da altura dos factos a discutir), a prudência aconselha que seja de evitar a confrontação directa.
Não sou jurista, e por isso me escapa muita coisa. Tive já na minha consulta variados casos de abuso sexual de crianças e aprendi o valor da prudência e da reserva. Aprendi também que a inocência é um código ausente de muitas relações deste género. Mas, apesar de limitado, percebi há muito que a vantagem está quase sempre do lado de quem organiza o discurso e a palavra. Não é preciso ser especialista de coisa nenhuma para aceitar que basta haver uma criança de facto abusada, para que a confrontação directa seja de todo, desaconselhada. Há-de haver outra forma.
posted by FNV on 11:53 da tarde
#
(0) comments
POIS É III: Ao post do FNV, queria só acrescentar que, depois de ler o triste texto de ASL no Glória Fácil, creio que fiquei a perceber o modo como os jornalistas seleccionam as suas "fontes" e as razões por que acreditam nelas.
posted by PC on 5:33 da tarde
#
(0) comments
DIFERENÇA: Entre sexos, no caso. Uma das vantagens de passar grande parte do meu tempo no consultório é que aprendi, literalmente, a admirar as mulheres. A elegância com que encornam os maridos é infinitamente superior à desfaçatez egoísta com que estes o fazem. Uma doente minha já vai na 3ª relação extra-conjugal, expressão que aliás nunca utiliza. E muito bem. Que raio é isso de extra-conjugal? Uma notícia de fecho de edição? 200 gramas de pizza grátis? E depois o pudor: tenho uma pessoa, estou envolvida com alguém, quase um encontro místico. La Rochefoucauld, sempre certeiro, indagava se a violência que a infidelidade exige valerá menos do que a necessária para nos mantermos fieis. A essa mulher, quarenta anos de loura, disse-lhe eu uma vez que a civilização ocidental tem muito a ganhar com mulheres que enganam os maridos á tardinha, á noite dão banho às crianças e assam o lombo para o jantar. Os petizes crescem, sadios como os psicólogos ordenam, e eles adormecem, retemperando forças para mais um dia de trabalho.
Mas não só dos lençois. Ao fim e ao cabo, com mais ou menos emancipação, com esta ou aquela excepção, a mulher mantém um sentido de responsabilidade brutal. Sei que por vezes são aspectos bem materiais que as dissolvem no sacrifício de aturar imbecis. Mas hoje, em incontáveis casos, são mulheres materialmente independentes que fazem escolhas que nenhum homem seria capaz de fazer: ficar porque há crianças. A independência material desmentiu o mito que as mulheres ficavam porque não tinham para onde ir. É verdade que o divórcio aumentou muito nos últimos 27 anos (vg Divórcio em Portugal de Anália Torres) mas não tanto quanto seria de esperar se a única amarra fosse a dependência material.
A capacidade de pensarem para lá de elas próprias é uma derradeira prova que o vínculo civilizacional essencial está na capacidade de amar (aqui mascarado na maternidade) e não no objecto do amor. De qualquer modo está nas mulheres, depositárias do vínculo original. Descansem as feministas de serviço, não é a sagrada maternidade que elas respeitam: elas criam um laço e um ritmo que percebem transcender as suas possibilidades. Projectam assim no tempo, um arranjo do qual fazem parte, incluindo hoje em dia, alegremente, o seu proprio prazer. Um homem declarará outras prioridades, exteriores à sabedoria. Regressando a La Rochefoucauld, resta aos machos a homenagem que o vício presta à virtude.
posted by FNV on 1:02 da manhã
#
(0) comments
AINDA O CANAL 18: Boa sina esta a do terapeuta ser constantemente diagnosticado como obsessivo. Por acaso, não andam longe. Mas ao JPH do Glória Fácil (link na coluna da direita) apresento-lhe as minhas desculpas, as borbulhas não eram da acne, tão só sinónimo de irritação.
POIS É II: Se forem caridosos, leiam o meu curto post POIS É, e depois leiam a resposta (imediata), da jornalista ASL, do Glória Fácil (link na coluna da direita). A cartilha está lá toda: responde-se, não respondendo, caracteriza-se o opositor como um grunho execrável, neste caso espancador de mulheres, em suma, bate-se e foge-se.
Quando andava no liceu, local assaz politizado, dava-me especial gozo confundirem-me com o meu primo Gouveia Monteiro, hoje vereador do PCP, em Coimbra. Como os alarves do CDS eram propensos à estalada e à prepotência, não lhes desmentia a confusão. Sempre me deu gozo, confesso, subverter um velho ditado chinês, perfeitamente adaptado a quem hoje, incomoda um jornalista: a única maneira de estarmos de acordo com um tigre, é deixarmo-nos comer por ele.
posted by FNV on 11:16 da tarde
#
(0) comments
POIS È: Maria de Medeiros escreveu aos Cahiers ( ver crónica de EPC hoje no Público), a propósito da morte de Marie Trintignant. Entre outras coisas diz que os seus amigos nos meios artísticos assimilados à esquerda funcionam como se a pertença a uma certa família cultural os dissociasse definitivamente de qualquer forma de barbárie, discriminação sexual ou racial.
Aqui na blogosfera abordei há dias a propósito de um artigo de MJO no Público a evidente cumplicidade dos jornalistas para com o ódio, a violência, a barbárie, quando são sentimentos e práticas expelidas pela esquerda ilustrada; JPP subscreveu e apanhou pela medida grande.
Agora é Maria de Medeiros que acha necessário escrevê-lo. Veremos se comentam, como comentam, ou se assobiam para o ar.
posted by FNV on 12:54 da tarde
#
(0) comments
PEDIDO: Ao Paulo Gorjão, rogo o favor de me enviar por e-mail (se os autores derem o seu consentimento, claro está) as respostas à pergunta do [Post 161]. Também estou curioso.
posted by PC on 11:27 da manhã
#
(0) comments
9/11: Ainda hoje me impressiona a violência das imagens dos selvagens ataques de 11 de Setembro de 2001. Ainda me lembro de circular pelo meio (literalmente) da 5ª Avenida ou por Times Square no dia 12. Ainda ontem várias pessoas me confirmaram que, desde então, evitam frequentar locais de maior frequência pública ou eventos demasiado mediatizados. Há dois anos, alguém assassinou três mil inocentes cuja "culpa" foi estar no local errado, na hora errada.
FIGURA PÚBLICA, VIDA PRIVADA (III): Teimando em não deixar morrer este tema, passo a transcrever um mail que recebemos de um nosso leitor, que se apresenta na blogosfera como "Telémaco":
Caro Neptuno,
Francamente, preocupo-me muito mais com a devassa da vida de qualquer pacato cidadão injustamente acusado... ou ainda, com a possibilidade de, antes de acusado do que quer que seja, ver-se privado da sua liberdade...
Quanto ao juizes, titulares de órgãos de soberania, tudo depende (interessante - e revelador - que em Portugal sejam tidos como "funcionários"...) . Pelo seu cargo, o juiz é - e sempre foi - uma figura pública. E, como tal, sujeito ao escrutínio dos cidadãos, desde logo porque, diariamente, toma decisões que os afecta.
O limite de tal escrutínio? Não tenho eu, modesto cidadão o direito de saber, por exemplo, se o juiz é nazi ou marxista-leninista, ou se foi, nos alvores da sua carreira, um dos que constituíram os plenários que julgavam, antes do 25A, os opositores ao regime ou, meramente, um jogador inveterado e, por isso, cheio de dívidas? Ou...
Sempre direi que essa compreensão parece estar a chegar a Portugal, onde, há poucos meses, um juiz que ascendeu ao Supremo Tribunal declarou publicamente a sua homossexualidade em documento que fez juntar ao seu processo.
Outra questão, que aqui não levanto, é a dessa "devassa" ser feita pela comunicação social e nos termos em que é feita. Mas esse problema também existe para quem é indiciado podendo estar totalmente inocente...
Telémaco
P.S. Juiz não tem o "i" acentuado
Não duvido da legitimidade de qualquer cidadão ter acesso a toda a informação relativa à vida pública de um juiz ou político. Nem do facto de certas profissões acarretarem tal consequência. No entanto, penso que deve haver bom senso quanto aos limites da vida privada de cada um. Não vejo qual o valor que justifique a devassa da privacidade de qualquer pessoa desde que essa privacidade decorra no respeito pela lei e pelos direitos dos outros.
O exemplo referido por Telémaco do "certificado de homossexualidade" (ou coisa parecida) apresenta-se-me como um precedente bem perigoso, ao incarnar (o autor de tal acto) com assustadora normalidade uma prática que não é imposta e que se traduz numa violenta restrição de direitos.
Já que o assunto foi levantado, acrescento que também seria necessária uma "protecção anti-devassa" para quaisquer arguidos. No mínimo, que as condenações mediáticas fossem acompanhadas por absolvições igualmente mediáticas.
posted by Neptuno on 11:55 da tarde
#
(0) comments
UNDERCOVER: O tempo, esse grande escultor, como cravava Yourcenar, para lá de manipular a nossa distância face à marca que ele próprio nos deixou, é também um grande sedutor. Se a frase de Yourcenar nos faz lembrar irremediávelmente uma falésia trabalhada ao longo de milhões de anos, escapa-nos por vezes a outra face. A falésia é sedutoramente bela, e nessa altura nunca nos lembramos do trabalho do tempo. Assalta-nos um poente sanguinolento, a força mansa das vagas, o joelho da mulher a nosso lado.
É essa a marca dos grandes sedutores: criarem o cenário que disfrutamos, deslumbrados ou derrotados, fazendo-nos pensar que o essencial está diante dos nossos olhos. Num grande amor, como numa grande perda, o que mordemos nunca é o mais importante: só sobrevivendo-lhes acertamos as contas com o criador do cenário.
Por isso, numa cidade massacrada por um bombardeamento é tão importante voltar a afixar o letreiro com o preço do pão. Por isso, um miúdo que perdeu o pai nunca pergunta à mãe porque que é que ela está a chorar. Quando conhecemos o sedutor, perdemos a inocência.
posted by FNV on 11:36 da tarde
#
(0) comments
O HAMAS NA LISTA DOS MAUS (2): Esta coisa de andar embarcado com amigos de mais de 20 anos tem as suas vantagens.
Uma, é a possibilidade de as opiniões de cada um sobre certo assunto serem esclarecidas, por vezes com competência, pelos restantes - e agradeço ao FNV o ter impedido que alguém pensasse que eu dava muita importância aos prémios Nobel.
Outra, não menor, é conhecermos de olhos fechados os truques e as desconversas uns dos outros - e é óbvio que a referência aos ditos prémios no post com este título era apenas mais um sintoma, entre outros que indico, da volubilidade da chamada comunidade internacional em matéria de definição do terrorismo.
Como o nosso FNV fez o favor de se pronunciar sobre a matéria, folgo em ver que só o preocupou a relatividade do valor dos Nobel e infiro que, no mais, estamos essencialmente de acordo.
posted by PC on 8:05 da tarde
#
(0) comments
LÓGICA DOS VENCEDORES?: ... da 2ª Grande Guerra, que sempre perseguiu Leni Riefenstahl até à sua morte. Ainda hoje aqueles que lhe admiram o génio não conseguem evitar algum constrangimento, que apenas conseguem superar com referências em tom grave ao seu pacto com o diabo nacional-socialista.
Tenho para com Riefenstahl a mesma compreensão que dispenso aos entusiastas contemporâneos da revolução bolchevique. Acreditaram - no caso de Riefenstahl, acompanhada da maioria da população alemã - em projectos que prometiam uma sociedade melhor, desconhecendo ou não acreditando nos horrores que vieram a caracterizar esses movimentos.
No entanto e ao arrepio da história, certos "heróis" e artistas comunistas, que sempre pactuaram com as insanidades dos respectivos regimes - mesmo após décadas sucessivas de informação e comprovação - continuam a beneficiar do tratamento que é dispensado aos vencedores... da guerra. Nunca serão retratados nos jornais - a exemplo de Leni Riefenstahl - como sequazes de um sistema hediondo mas, romântica e surrealisticamente, como lutadores pela liberdade!
posted by Neptuno on 5:17 da tarde
#
(0) comments
EFEMÉRIDES II: Aproveitando o título do excelente post do nosso PC, antecipo mais algumas ( do género envolvimento directo de uns nos assuntos de outros) que estou certo, na devida altura, farão chorar as pedras da calçada:
* 17 de Junho de 1953, RDA
* 9 de Setembro de 1944, Polónia
* 21 de Agosto de 1968, Checoslováquia
Estou igualmente certo que certa imprensa não esquecerá aqueles que também tinham um sonho: construir a democracia sem o socialismo e sem violência.
posted by FNV on 2:06 da tarde
#
(0) comments
EU TAMBÉM GOSTAVA: Do Público, de hoje, em caixa: Allende tinha um sonho: construir o socialismo através da democracia e sem violência. Uma das coisas que não se deve perdoar a Pinochet, é ter impedido o mundo de assistir a tão extraordinária originalidade.
posted by FNV on 2:02 da tarde
#
(0) comments
UMA MÃO LAVA A OUTRA, tal qual como no salgado mar. A vantagem de sermos um blogue colectivo é que podemos sempre dar uma ajudinha uns aos outros. Por isso, quem pensa que o nosso caro lobo do mar P.C. se distrai com as tretas dos Nobel para a paz (vide o seu post sobre o Hamas), pode tirar o cavalinho da chuva. O Pedro Caeiro, asseguro-vos, sabe perfeitamente que o Dr. Ramos Horta também recebeu o referido Nobel, e a agora anda aos quatro ventos a advogar a pena de morte para os terrorristas. Estará em boas companhias?
posted by FNV on 3:47 da manhã
#
(0) comments
A OUTRA EFEMÉRIDE: Há exactamente 30 anos, a aviação de Pinochet depôs (e provavelmente matou) o Presidente eleito do Chile Salvador Allende, com o apoio mais ou menos explícito da administração Nixon.
Em 1999, durante uma visita oficial à Guatemala, Bill Clinton apresentou desculpas públicas pelo anterior envolvimento do governo americano e das suas agências na promoção das ditaduras sul-americanas e dos seus desmandos. Nixon e Kissinger nunca o fizeram.
Essa é a grande vantagem da democracia: ao menos em tese, o povo pode substituir a liderança injusta por uma justa. Não é crível que, daqui a 28 anos, um chefe da Al-Qaeda peça desculpas públicas pelo atentado de Nova Iorque.
posted by PC on 2:07 da manhã
#
(0) comments
PARABÉNS A VOCÊ: que é como quem diz, a todos os que faz agora dois anos, sentenciaram que finalmente os americanos tiveram em casa uma amostra do que fazem pelo mundo fora.
Das entranhas lhes virá aquele que as há-de ganhar.
MARIAS BIRRENTAS: São várias, mas o JPH do Glória Fácil (link na coluna da direita) ganha o prémio vestido de chita. Isto tudo porque lhe codificaram o canal 18, e a culpa é da direita bafienta. Já lhe tive ocasião de explicar que o 1º governo socialista de Guterres também privou milhares de fãs, em nome da moral e dos bons costumes, das linhas telefónicas eróticas, mas ele não acusou o toque (mas depois é só o Pacheco Pereira que é autista na blogosfera).
O puritanismo em matéria de sexo tem de ser visto com cuidado. Em meados de Oitocentos, na América embrionária daquilo que veio a ser a Prohibition (1919-1933), mais conhecida por Lei Seca, as ligas de Temperança diabolizavam o álcool enquanto sossegavam outros prazeres. Lysander Spoon, da estirpe de Thoreau ou de Mark Twain, advogado, anti-esclavagista e anarquista a valer (morreu pobre), contestava que o código de Leis de Massachutetts da altura (1875), estatuísse que uma rapariga de dez anos fosse considerada dotada de discernimento suficiente para se desembaraçar da sua virgindade, mas que a um adulto fosse negado o direito de lhe ser confiado um copo de álcool. Isto já para não falar da política sexual das ex-gloriosas URSS e RDA, claro ( ah! já me esquecia: não se lhes pode falar do passado, faz-lhes recrudescer as borbulhas).
Depois as Marias desentendem-se, porque umas querem ver a coisa no quadro mais vasto de uma causa muito cara ao Bloco: a da despenalização. Outras não ligam tanto. Por fim, la créme: ao JPH agradava-lhe a ideia de ver pornos tendo a certeza de que não estava a pagar a produção. Existe algum pobre diabo que julgue que quando via o canal 18 descodificado tal se devia a um cãrino da TV Cabo? Estaria óbviamente desculpado.
posted by FNV on 9:28 da tarde
#
(0) comments
O HAMAS NA LISTA DOS MAUS: Os ministros dos negócios estrangeiros dos Quinze decidiram incluir o Hamas na famigerada lista de pessoas e organizações terroristas execradas pela UE. A pertença a esta lista, ditada pelos governos dos Estados-membros, acarreta uma série de consequências de natureza materialmente penal, que, normalmente, só poderiam ser ordenadas por um tribunal. Mas agora estamos em contínuo estado de excepção e, por isso, ninguém se incomoda.
O Hamas é um grupo político palestiniano, cujo "braço armado" (Hamas-Izz al-Din al-Qassem) já constava da anterior versão da lista, precisamente como "ala terrorista do Hamas" (o que faz supor que, até sábado passado, a UE distinguia entre um Hamas-terrorista e um Hamas-não terrorista). Escassas horas após o conhecimento da decisão dos Quinze, o governo israelita celebrou o acontecimento à sua maneira, disparando um míssil sobre o prédio onde se reunia a cúpula política do Hamas, sob a égide do sheik Ahmed Yassin. Yassin já foi odiado por Israel, esteve preso duas vezes (uma condenação em prisão perpétua), foi libertado outras tantas; depois, graças ao corte de relações com Arafat, caiu nas graças de Sharon como aliado útil. Agora é, de novo, um homem morto a prazo.
As listas, sejam de terroristas ou de compras, são dispositivos cómodos. Servem, a quem as faz, para associar elementos através de um qualquer elo que se constrói para o efeito: o leite e o insecticida, tão diversos entre si, juntam-se na mesma lista quando queremos comprar ambos. Mas se decidirmos não comprar um dos produtos, a associação que construímos desfaz-se.
Das listas de organizações terroristas constaram já o ANC e a OLP. Mandela e Arafat foram depois, em anos consecutivos, prémios Nobel da paz e lideraram as suas nações, legitimados por eleições livres e pelo reconhecimento internacional. Os movimentos independistas das ex-colónias portuguesas (Fretilin, MPLA, PAIGC, PAICV, Frelimo) eram considerados organizações terroristas; os seus dirigentes são (ou foram já) chefes de Estado e recebidos como tal. Isto para não nos alongarmos nas centenas de casos em que a comunidade internacional não consegue decidir-se pela classificação de outros movimentos independistas como genuína expressão do direito de um povo à auto-determinação (os "bons") ou como perigosos terroristas (os "maus"), seja porque os interesses político-económicos em jogo são escassos, seja porque não é claro qual o lado que sairá, a prazo, vitorioso. Não foi certamente por acaso que a Conferência de Roma não logrou alcançar um consenso que permitisse incluir o terrorismo no catálogo dos crimes que caem sob a jurisdição do TPI.
As listas são assim, volúveis. Como o apetite. Se já não me apetecer leite e o tirar da minha lista, ninguém me convencerá de que o Gresso e o Raid têm algo em comum. Resta saber se o direito (enquanto instância de validade da punição do terrorismo) tem alguma coisa a ver com isto.
PRATOS LIMPOS: 1) Toda a gente lê o blogue anónimo sobre a Casa-Pia.
2) Ninguém, excepto (?) o Anti-Direita Portuguesa, o nomeia ou faz o respectivo link.
3) O referido blogue não é , nem de perto, o único blogue anónimo.
4) O seu estilo é vergonhoso, mas também não é o único.
Aqui chegado, devo dizer que só não nomeio o referido blogue porque o NMP quando me convidou a escrever no salgado mar, apresentou-me as regras, e eu concordei com elas. Como o Mário-Henrique Leiria, sempre cumpri o que assinei.
Mas parece-me que há coisas pouco explicadas. Aceito a posição que estabelece que nomear esse blogue é fazer objectivamente o jogo do denunciante anónimo; Tal acontece também quando propagamos um boato vergonhoso. Mas, e novamente mas, a blogosfera não é a rua da aldeia (embora pareça), sendo que o denuciante anónimo é-o tanto quanto muitos dos seus leitores. Para além disso utiliza uma táctica velha e relha da propaganda -boato que consiste em misturar deliberadamente factos mirabolantes com outros perfeitamente aceitáveis. Objectivo: credibilizar os perfeitamente aceitáveis, que não necessáriamente verdadeiros, jogando com o orgulho do leitor: eu sei distiguir o que é verdade neste gajo e o que não é. E assim o leitor toma como verdade uma mentira.
Ora bem, nesta altura será necessário dizer porque raio é que seria importante perder o medo de citar, linkar, nomear o referido blogue. Porque seria a única forma de lhe retirar o sur plus que o envaidece. Tratando-o como outro qualquer blogue anónimo, seria trazido para o sistema comparativo de crítica e naturalização que todos nós sofremos na blogosfera, despindo-o do manto de especialista que por ora veste.
Ainda há outro aspecto interessante, mas fica para depois.
posted by FNV on 1:07 da tarde
#
(0) comments
PASCAL: O JPH, do Glória Fácil (link na coluna da direita), explica-nos a propósito da codificação do canal 18: este governo não consegue ser de direita sem ser da direita mais calhorda. Aqui há uns anos, também havia gente que gostava de se sentar no seu sofá com um J&B, e ligar para as linhas eróticas. O governo socialista de António Guterres acabou por acabar com isso, em nome da moral . Desconhecem-se os efeitos na dita cuja.
Pascal também explicava coisas. Por exemplo, que a memória é necessária a todas as operações da razão. Desconfio no entanto que ela seja de pouca utilidade para este jovem jornalista.
COISA ANTIGA II: O nosso amigo Adeodato, do Santa Ignorância (link na coluna direita), insurgiu-se, via hot-mail, com mais um dislate meu. Que eu teria com ironia, responsabilizado o monstro vermelho pelas desgraças das ex-colónias, nomeadamente Angola. Sintetizando, o Adeodato entende que:
1) O caminho para a independência das colónias foi fruto do devir histórico.
2) Milhões de dólares americanos subsidiaram Savimbi, que assim contribuiu para a desgraça.
3) Holden Roberto era financiado pelos americanos
4) Muitos países africanos que não optaram pelo via socialista também não são livres, também não são prósperos.
5) Até concordaria comigo, no plano ideal, que África viveria hoje mais próspera e livre se continuasse colonizada, só que tal era impossível.
Muito bem. Não vou discutir o assunto, porque tal seria impossível num blogue. Mas há coisas que vale a pena repescar. Por exemplo, concordo con allegrezza com todos os argumentos alinhados pelo Adeodato. Nenhum exclui o outro, nem a soma de todos impede uma conclusão: a esfera soviética colonizou Angola, arrastando-a para um abismo muito pior do que arrastou a Europa Oriental. E isto porque Angola, fruto do racismo e da incúria portuguesa, não desenvolveu civilizacionalmente as mesmas defesas que a Polónia ou a Checoslováquia, países que a seguir à libertação do jugo nazi, recordo, caminharam também sob o paternal e salvador abraço soviético.
Mas nada melhor do que dar a palavra a quem sabe:
" A contribuição da Revolução portuguesa inclui tudo o que houve de positivo mas também(...)a luta do povo português e dos militares revolucionários (coincidindo nuns casos e excedendo noutros a política oficial) para que o PAIGC, a FRELIMO, o MPLA e o MLSTP fossem considerados os únicos e legítimos representantes dos povos respectivos, os únicos em condições de formarem governo após a conquista da independência."
Álvaro Cunhal, A Revolução Portuguesa; o passado e o futuro., pp105
Relatório aprovado pelo CC do PCP para o VIII Congresso, ed.Avante, Lisboa 1976.
Um abraço, Adeodato.
posted by FNV on 10:27 da tarde
#
(0) comments
CURTAS: * No Fórum de hoje, um crónico participante desfazia-se em elogios para com a TSF e para com o pivot, Manuel Acácio. Este defendia-se, atrapalhado. Leram bem, defendia-se. E o que repetiu vezes sem conta, o ouvinte? Dava os parabéns à TSF e ao Sr.Manuel Acácio, porque foram sempre, sempre o mais acérrimos anti-guerra no Iraque (sic).
* Joan Baez, de profundis, surge-nos após anos de terapia, e agora dedica-se ao cabaret e à sua nova paixão activista: malhar em Bush. Durante todos estes anos, não me lembro de um poemazito, uma cançãozita de protesto contra Tianamen, Havana, etc. É tão bom ser cantor de intervenção e fazer terapia.
* Segundo o Público de hoje, as camisetas com a fronha de Estaline venderam-se que nem ginjas na Festa do Avante. Pois não. Pois não há dois pesos e duas medidas. Só loucos e obcecados como eu é que dão relevância ao facto.
posted by FNV on 12:11 da tarde
#
(0) comments
COISA ANTIGA: Noutros tempos, por alturas de fins de Agosto, as TV's não desprezavam a peçazinha da ordem sobre a chegada e sobre a partida deles. Sempre as mesmas entrevistas, os mesmos dizeres com o comboio apitar ao fundo. Esses dizeres dos emigrantes traziam-me à memória a única recordação que tenho da guerra colonial (aquela que retardou a libertação e a prosperidade de Angola), quando os soldados, um a um, pelo Natal e Ano Novo, na RTP, balbuciavam qualquer coisa para os pais e para a namorada. O retorno é o eixo comum.
Mas hoje as TV's já não se despedem dos emigrantes, embora eles continuem a partir. Agora temos os nossos imigrantes, a russa que vende peixe em Montemor, o engenheiro polaco que assenta tijolo na nova catedral da Luz, o bielo-russo que morreu atropelado no IC2. Também já não temos guerra colonial, mas ainda temos veteranos de Tete.
As coisas vão-se apagando, com a rapidez de um cão a morrer. As marcas de tanto esforço são pouco visíveis, sejam as das remessas dos emigrantes, sejam as da estafa dos veteranos, sejam as do sacrifício dos obreiros do Euro-2004. Povo curioso, que assomamos á janela do mundo, para de seguida lhe fechar as portadas, que temos frio.
VIL: E infecto capitalismo globalizante. Retornado de uns dias no Minho galego, dele trago novas: a Pescanova inaugurou uma fábrica na Namíbia, com Sam Nujoma na fotografia, a fazer o papel de vendido ao capitalismo ao lado do alcaide de Vigo. Já Fraga Iribarne, apesar da provecta idade, foi até El Salvador espezinhar os salvadorenhos com o baptismo de uma unidade da Calvo ( parece que vai dar utilidade ao atum lá pescado).
Shame on you, que fazem fábricas para escravizar o povo, ó novos colonizadores!
posted by FNV on 9:36 da tarde
#
(0) comments
O QUE EU APRENDO: Pobre escriba sem domínio da ortografia, aprendo no entanto com o NRA, do Muro Sem Vergonha ( este e outros links na coluna da direita), que os incêndios, carros virados, lojas destruídas, que vemos habitualmente nas manifs anti-globalização não passam afinal de uma montra partida, e habitualmente partida por polícias infiltrados. Embora o Prof. Boaventura tenha direitos de autor nessa tese, esperava mais dos meus amigos: então os neo-liberais infiltram as manifs anti-globalização, para lhes conferirem um tom de arruaça monumental, e ao fim e ao cabo só partem uma montra? Os meus amigos estão a precisar de reler Lenine e Hitler: um bom culpado tem de ser respeitávelmente culpado.
Com o Luis, do Natureza do Mal, aprendo uma nova expressão: os crimes históricos da esquerda. Crimes históricos? Gosto dessa, Luis. Tem uma certa patine, um certo ar de passado gasto pelo tempo, coisa do antigamente. Mas se ao Luis lhe apetecer vestir a pele de Indiana Jones, pode sempre ir a Havana ou a Pequim.
posted by FNV on 9:08 da tarde
#
(0) comments
FÉRIAS, TRABALHO, EMIGRAÇÃO E CASAMENTO: Em nossa perdição se conjuraram. O trabalho, a emigração e o casamento (de outrém) sobejaram que, para nós, bastavam as férias somente.
Dia 8 estaremos de volta em força, com novos sonetos.
posted by Neptuno on 2:51 da manhã
#
(0) comments
FIGURA PÚBLICA, VIDA PRIVADA (II): Já recebemos opiniões no sentido da devassa da vida privada ser inerente à condição de juíz ou político. Discordo em absoluto. Isso quase significa abdicar de qualquer intimidade. Quem estará disposto a pagar esse preço?
Quem vai pagar esse preço é o cidadão comum, que terá que gramar como juízes e políticos aqueles que não têm qualquer privacidade que desejem (ou que valha a pena) preservar, ou cuja grande e triste ambição na vida mais não seja do que aparecer num (tele)jornal.
Aceitam-se sugestões sobre as fronteiras do aceitável.
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.