ENFIM, já não há pachorra. Pelo menos o Abrupto já não a tem. Irrita-se porque um cartoon do Expresso o pôs na praia de toalhinha e computador. Irrita-se porque o Expresso não sabe onde ele passa as férias. Irrita-se porque já não sabe o que é um cartoon. O Abrupto está de monco- de-peru porque o puseram ao pé do "resto da fauna". Pronto, homem, não esfole gatos por causa disso. Fique com uma alternativa à praia, com os cumprimentos do Pushkin:
Foge, selvagem e rude,
cheio de sons e inquietude,
para as costas das ondas batentes,
para as selvas de largos murmúrios.
posted by FNV on 10:27 da tarde
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AINDA A MORTE: e a relativização do tempo. Quando vamos de avião ao outro lado do mundo sofremos de jet-lag. Ou seja, entre outras coisas, o nosso ritmo interno está desfazado do tempo social do local que nos acolhe. Assim, à hora em que os japoneses estão a dormir apetece-nos almoçar. Deveríamos, somatossensorialmente falando, estar a almoçar.
As perdas obrigam-nos por vezes ao jet-lag: às quintas feiras costumava jogar ténis com ele. Hoje é quinta-feira. Estou em casa. Estou a jogar ténis, somatossensorialmente falando. Esta é uma das subtilezas das nossas recordações de quem morreu e que amávamos. A morte de uma dessas personagens interrompe um ritmo estabelecido e com o qual nos sentíamos confortáveis.
Por isso é terrível quando são crianças que perdem, por exemplo, um pai ou uma mãe. Ao contrário dos adultos, esse ritmo é mais de segurança do que prazer. Já não se trata de jet-lag no Japão: é mais parecido com aterrar em Marte.
posted by FNV on 6:58 da tarde
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META-SARDINHADA: Cumpre dar conta do que acabou agora de acabar-se: ocorreu uma sardinhada em casa de um dos lobos do mar e 75% é o número mágico da noite. 75% dos membros da tripulação do Mar Salgado estiveram presentes; 75% dos elementos masculinos presentes eram lobos do mar; e 75% desses elementos (embora não os mesmos) foram (e são!) membros da vetusta instituição que dá pelo nome de Orxestra Pitagórica ("se vês tudo ao quadrado, só tens uma hipotenusa: um cateto de tintol").
Meta-sardinhada porque se comentaram várias sardinhas blogosféricas: a mudança de paradigma comunicacional; a imprestabilidade dos quadros tradicionais para reduzir o fenómeno blogótico (os blogues são imbibliotecáveis); e, numa fase bastante mais adiantada, a superioridade da versão dos Belle Chase Hotel de Telephone Call from Istambul em relação ao original de Tom Waits (nada a ver com a blogosfera; mas justamente!).
Assim que a maré se mostre de feição, dissecaremos (quase) todos estes tunídeos. Até lá, brindamos a Omar Khayam.
posted by PC on 6:06 da manhã
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PROCURAM-SE DEFINIÇÕES (2): A propósito do contributo do nosso amigo Diogo Vassalo sobre a sua quest - "saber o que é ser de esquerda..." - ocorre-me uma velha história, mais prosaica, de um preclaro (e bafiento) professor de Coimbra que dizia: "...quem não é de esquerda aos dezoito não tem coração, quem ainda é de esquerda aos trinta não tem cabeça." A entrega apaixonada aos ideais é lentamente substituída pelo casamento com a razão. A paixão será sempre o móbil mas a única forma de lá chegar (i.e., aproximar) será através da razão. Desconfiemos pois de Primeiros Ministros com paixonetas de teenager...
AUSÊNCIA: A propósito do post com o título "Morte" do velho lobo do mar FNV, lembrei-me de um pequeno poema de Carlos Drummond de Andrade:
Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
posted by NMP on 8:24 da tarde
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PROCURAM-SE DEFINIÇÕES: Do nosso amigo Diogo Vassalo (marinheiro de águas profundas) recebemos um e-mail que relata uma sua procura de definições. Como se depreende da leitura da carta e da declarada influência de Jean Piaget, o Diogo, para além de ser dotado de curiosidade intelectual, é um pai recente e dedicado. Um abraço para ele e para a sua descendência.
Há cerca de ano e meio atrás dediquei-me a um propósito singular: saber o que é ser de esquerda, ou melhor, porque se é de esquerda. Não pretendi respostas do tipo «political compass» mas pequenas ideias. Fui introduzindo o tema em diversas conversas em família, qual Marcelo Caetano, bem como em tertúlias com compinchas ocasionais. Os motivos que levam alguém a classificar-se como sendo de esquerda podem ter respostas tão simples como os motivos pelos quais se escolhe uma equipa de Futebol ou, tão complexas, que raramente chegam a uma explicação que não esteja viciada em arquétipos descontextualizados e desconceitualizados.
Partindo do ensinamento de Jean Piaget quando debate a questão da construção do conhecimento, ficamos a saber que a lógica e o pensamento das crianças é completamente diferente dos adultos.
«Jean Piaget researches in developmental psychology and genetic epistemology had one unique goal: how does knowledge grow? His answer is that the growth of knowledge is a progressive construction of logically embedded structures superseding one another by a process of inclusion of lower less powerful logical means into higher and more powerful ones up to adulthood. Therefore, children's logic and modes of thinking are initially entirely different from those of adults.»
Partindo desta premissa, chegamos pois à óbvia conclusão que as tendências políticas não são genéticas. Existem pois momentos determinantes nas nossas vidas que definem, ou vão definindo, a escolha ideológica.
Recordo um episódio do meu imaginário de infância quando, ao dar um osso a um cão este o foi guardar num buraco que escavou para o efeito. A visualização da cena provocou uma frase de alguém mais velho que até hoje não esqueço: “se até os cães guardam o que é deles como é que os homens não percebem isto”.
Das múltiplas conversas que tive sobre este assunto, retive um conceito de alguém que definiu o ser de esquerda como aquele que procura a excelência. O conceito, enquanto principio teórico, revela demasiadas afinidades com os princípios da doutrina social da Igreja mas, interpretado sob um ponto de vista práctico, faz subentender diferentes meios para atingir o mesmo fim.
posted by NMP on 8:16 da tarde
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AVENTUREIROS: Mais um novo blogue. Que «gosta da direita europeia e da esquerda americana» (não é assim tão contraditório quanto parece à primeira vista). E que partilha connosco o gosto pela aventura e descoberta dos mares da blogosfera. É o Descobrimentos e sejam muito bem vindos.
posted by NMP on 8:02 da tarde
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MORTE: Não há na blogosfera nenhum sítio dedicado à morte. Curioso, com tanta variedade, esta deserção, mais que o tema é suficientemente deslizante. Poderiamos ler posts sobre os zombies do Haiti, os mortos-vivos, que mergulham num estado de paralisia e anestesia graças a várias substâncias, entre as quais as sementes da "concombre zombi", nome dado pelos haitianos á "datura stramonium", um alucinogéneo. Vermes como o bufo marinus e o peixe balão também induzem o mesmo estado semi-catatónico dos zombies. Os haitianos não têm medo dos zombies, têm medo de se tornar um.Quem não tem?
A morte é a representação humana que melhor nos faz compreender a relatividade dos conceitos de tempo. Quem (presente) não deixou já de ir a determinado sítio (futuro), porque costumava lá beber um café com o pai que já não tem (passado)?
Mas a blogosfera sente-se demasiado viva para dar importância à morte, e isso compreende-se. A morte não é assunto para meninos.
posted by FNV on 7:26 da tarde
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MAIS UM ILUSTRE: José Bragança de Miranda chega à blogosfera com o seu Reflexos de Azul Electrico, onde estão publicados alguns textos bem elaborados e pequenos aforismos excelentes, como este: Um medíocre com dois comprimidos de ecstasy ainda é um medíocre, embora mais «animado». Vão lá e visitem, é alucinantemente bom.
posted by NMP on 7:03 da tarde
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LUTA DE PODER:Interessante artigo que dá conta das últimas movimentações na luta de poder entre gigantes da Internet: o portal Yahoo e o motor de busca Google (proprietário da Blogger).
posted by NMP on 6:49 da tarde
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UM LÍDER: Houve quem dissesse que era de plástico. Que era apenas um sorriso artificial. Mas na hora da verdade, Tony Blair tem-se assumido como o mais clarividente e corajoso líder europeu da última década. Que não se importa com as oscilações de popularidade, quando se trata de defender valores universais como o combate ao terrorismo, a promoção da liberdade ou do comércio livre. Que percebe que a construção europeia ou se faz com a América, ou não se fará contra a América. Que é atacado pelos líderes socialistas continentais por ser um defensor intransigente da superioridade dos valores das democracias liberais.
O discurso de Blair ontem no Congresso americano é uma excelente peça de definição do papel do Ocidente no mundo de hoje (transcrição aqui). De compromisso com os valores universais da democracia e da liberdade. Não partilhamos de grande parte da sua herança ideológica, mas admiramos o seu sentido de missão e a sua determinação. Ficam algumas frases emblemáticas:
(...) And because all nations that are free value that freedom, will defend it absolutely, but have no wish to trample on the freedom of others (...)
(...) In the end, it is not our power alone that will defeat this evil. Our ultimate weapon is not our guns, but our beliefs (...)
(...) Members of Congress, ours are not Western values, they are the universal values of the human spirit. And anywhere... Anywhere, anytime ordinary people are given the chance to choose, the choice is the same: freedom, not tyranny; democracy, not dictatorship; the rule of law, not the rule of the secret police. (...)
(...) We are part of Europe, and we want to be. But we also want to be part of changing Europe. (...)
(...) To be a serious partner, Europe must take on and defeat the anti-Americanism that sometimes passes for its political discourse. And what America must do is show that this is a partnership built on persuasion, not command. (...)
(...) So America must listen as well as lead. But, members of Congress, don't ever apologize for your values. (...)
(...) Tell the world why you're proud of America. Tell them when the Star-Spangled Banner starts, Americans get to their feet, Hispanics, Irish, Italians, Central Europeans, East Europeans, Jews, Muslims, white, Asian, black, those who go back to the early settlers and those whose English is the same as some New York cab driver's I've dealt with ... but whose sons and daughters could run for this Congress.
Tell them why Americans, one and all, stand upright and respectful. Not because some state official told them to, but because whatever race, color, class or creed they are, being American means being free. That's why they're proud. (...)
(...) You are not going to be alone. We will be with you in this fight for liberty. We will be with you in this fight for liberty. And if our spirit is right and our courage firm, the world will be with us. (...)
posted by NMP on 11:10 da manhã
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A TRIPULAÇÃO DO MAR SALGADO - FINALMENTE, AS FOTOS!: Correspondendo ao apelo das populações de vários portos, publicamos aqui uma foto conjunta da tripulação, tirada no passado fim-de-semana na barragem da Aguieira. O Comandante NMP está em primeiro plano, com a brava postura que o caracteriza. Por baixo vai o relato da viagem.
posted by PC on 4:40 da manhã
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O ÚLTIMO JUDEU: Não sou jurista, por isso só me interessa a simbologia da coisa. Um juiz, no caso Casa Pia, recorreu a uma formulação que se designa "declarações para memória futura", segundo compreendi, básicamente, para que os testemunhos prestados em fase de inquérito não abandonem amnesicamente os seus donos, quando se realizar o julgamento. Não sabia que existia esta figura jurídica, acho-a interessante. Sabia isso sim do rumor segundo o qual o último sobrevivente de Plock, pequena cidade sobre o Vístula,a 120 Km de Varsóvia, é um judeu mudo. Antes da guerra, dos russos e dos nazis, Plock contava à volta de 30.000 habitantes, de onde um terço judeus. Plock era uma cidade típica do modo de vida dos judeus da Europa oriental, a yddishkeit. E o tempo e o espaço não tem o mesmo valor na tradição judaica. No caso, a destruição física de um mundo juntou-se à anulação da propria representação desse mundo. Também a vida anterior à evocação é abolida. Há coisas cuja destruição é tão terrível que a simples evocação (representação) de como as coisas eram antes se torna impossível.
Nem memória nem esquecimento: talvez por isso o último judeu de Plock seja mudo. É que a narrativa do tempo traz-nos de volta o ruído e o calor de como as coisas eram antes, e também isso teria de ser narrado. e isso, seria insuportável. Mas mais: o discurso do tempo é feito para conferir ao passado um espécie de inteligibilidade. Ora, há coisas que não são inteligíveis, como o genocídio de Plock. Falar, recordar, seria uma traição.
CIGANO: É espessa e leal a possibilidade de sermos breves. Mas como armar ovelhas e ilustrá-las de plutônio até aos dentes? Perguntem a Ricardo Quaresma, o primeiro português dos tempos modernos a cumprir a façanha, ao chegar a uma conferência de imprensa em Espanha. Falou 50 segundos nas instalações do Barcelona e dispensou os "estoy mui feliz" e "quiero ganãr". Foi breve, em português. Cigano, português.
posted by FNV on 9:50 da tarde
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DEPÓSITOS:JPP escreveu hoje um excelente artigo no Público sobre o desleixo a que votamos grande parte dos registos da nossa vida colectiva. O Picuinhices dá-nos conta da existência à escala global de um depósito da Internet.
posted by NMP on 7:22 da tarde
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DISCORDÂNCIA (2): Queria saudar o Fernando Rocha Andrade (FRA) pela excelente argumentação em que sustenta a sua discordância comigo. Porque é sempre bom discutir com interlocutores inteligentes, permito-me deixar os seguintes comentários:
- A busca de armas de destruição maciça ainda não terminou. Apenas se descobriu que terá eventualmente havido um excesso de argumentação a sustentar a sua existência. E isso é grave. Mas felizmente numa sociedade democrátia existem mecanismos para castigar os que assim se comportam. Sobretudo se o fizeram de forma deliberada. Ora nada disto é ainda cristalino, mas o sector anti-guerra pretende tirar desde já desforço desta situação indefinida. Foi esta atitude que caracterizei como atitude revanchista.
- Colocar no mesmo plano a democracia americana e o regime iraquiano nesta matéria é, a meu ver, errado. É óbvio que os iraquianos não disseram a verdade, bem como nunca quiseram colaborar (a não ser que se considere um relatório de 12.000 páginas uma atitude construtiva). E, pior, a distinta natureza dos regimes tornam-nos incomparáveis. Afirmar que do lado iraquiano estava a verdade é, no mínimo, uma boutade infeliz.
- A Administração Clinton bombardeou muitas vezes o Iraque por violações das decisões da ONU. Por ter informações de que o Iraque tentava comprar material e montar fábricas para a produção de WMD. Será que nessa altura fomos todos vítimas de "intrujice" ? Reduzir esta questão a uma teimosia da Administração Bush é falsear os dados da história recente das relações entre os EUA e o Iraque.
- Ao contrário de FRA, eu acho que já hoje é certo que o Iraque é um sítio melhor sem Saddam. É pelo menos um país onde se voltou a ter esperança. Aliás, os iraquianos demonstraram-no, ao receber com alegria e euforia o exército libertador.
- É claro que há outras ditaduras no mundo. E que o ideal seria que todas pudessem ser derrubadas (ainda que tenha as maiores dúvidas que tal seja obtido pela invasão da Birmânia pela China, esse modelo de democracia). Imagino que, se FRA fosse liberiano, estaria nesta altura a usar este argumento em sentido contrário. Suspirando por ver os GI's a entrar em Monróvia.
- A relevância e urgência da intervenção no Iraque decorre de outros problemas. Da necessidade de intervir no Médio Oriente. Para promover o islamismo moderado e as experiências democráticas que o deixarão florescer. Para barrar o caminho (pela força, se for preciso) ao fundamentalismo islâmico. Para tentar resolver o imbróglio israelo-palestiniano que serve de alibi para os radicais. Para efectuar uma recomposição nas alianças dos EUA na zona, afastando-se da Arábia Saudita, epicentro do islamismo mais radical. Todas estas questões ganharam uma premência enorme após o choque do 11 de Setembro (que foi recorde-se um acto de guerra, assim definido pela ONU e NATO). Foi esta alteração geopolítica que grande parte da esquerda europeia não percebeu ou não quis perceber.
- Por último, queria referir que tenho por Vital Moreira a maior consideração pessoal e o maior respeito intelectual. A semana passada elogiámos o seu artigo que denunciava o escandaloso negócio político da aprovação de novos concelhos. Mas em matérias de política internacional, o seu anti-americanismo primário leva-o algumas vezes a emitir opiniões panfletárias. Ou, como neste caso, revanchistas.
posted by NMP on 7:11 da tarde
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DISCORDÂNCIA: Relativamente ao post Revanchismo (2) do passado dia 15 de Julho, recebemos do nosso amigo socialista Fernando Rocha Andrade o seguinte e-mail:
O post de NMP de hoje (9:41 AM) parece indicar que, além de uma esquerda que se dedica a disparar para cima dos EUA por tudo e por nada (e ela existe, de facto), há uma direita que não consegue digerir uma criticazinha ao Presidente Bush; esta facção da direita, pelos vistos, tomou conta do "Bom"bordo do Mar Salgado, a julgar pela forma como NMP salta em cima de uma frase de Vital Moreira que, goste-se ou não do teor geral do artigo, tem o mérito de ser verdadeira - e certeira. Existe uma esquerda que não tem necessariamente uma visão pistoleira dos EUA, embora possa desconfiar desta administração - e creio que essa esquerda não sou só eu. Parte dessa esquerda aceitou a intervenção no Iraque na base do cenário que lhe foi apresentado - a necessidade (quase "legítima defesa") de remover um ditador dotado de armas que o capacitavam para lançar no caos uma região de importância estratégica fundamental para o mundo. Esse argumento, acrescendo à violação das resoluções da ONU, permitiu-me ultrapassar interiormente as objecções óbvias: criaram-se os perigosos precedentes da "intervenção unilateral" e da "guerra preventiva". Os cidadãos que tiveram um raciocínio semelhante ao meu (e, no Reino Unido, foram muitos), não podem deixar de se sentir hoje, como afirma Vital Moreira, intrujados.
Podemos argumentar que as atrocidades de Saddam justificavam, só por si, a invasão. Mas este é um raciocínio escorregadio, pois não faltam no mundo ditaduras a merecer, nos mesmos termos, ser removidas. Apoiaremos todos a invasão da Birmânia pela China, ou da China pela Rússia, para afastar regimes repressivos? Podemos argumentar que o Iraque está melhor sem Saddam do que com Saddam. Mas ainda é cedo para afirmar isso, pois não sabemos qual o regime que vai emergir da ocupação nem o efeito que a invasão vai ter, a longo prazo, nas opiniões públicas do Iraque e do restante Médio Oriente.
Todavia, a questão em causa não é esta. Como frisou Wolfowitz, havendo vários argumentos para a invasão do Iraque, os EUA e o Reino Unido optaram pela questão das armas de destruição maciça. Foi esse argumento que foi apresentado às opiniões públicas, aos parlamentos e aos outros governos (como o português). Foi com base nesse argumento, assente em certezas aparentemente inabaláveis, que estes estados formaram as suas decisões democráticas.
A questão fundamental é, portanto, esta intrujice. Intrujice que pode ter sido deliberada ou consistir apenas em transformar conjecturas em certezas para
consumo público. Mas esta intrujice é uma perversão da democracia na qual assenta, precisamente, a nossa suposta autoridade moral. Como afirma recentemente Stanley Hoffmann na NYRB, "the shrinking of democracy at home does not go well with the spread of democracy abroad".
Quem acreditará no Ocidente na próxima vez que uma intervenção for realmente necessária?
posted by NMP on 6:29 da tarde
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O PEQUENO COMÉRCIO: Num dos Diários de Coimbra desta semana ("Jornal Republicano. Órgão Regionalista das Beiras", de que sou orgulhoso assinante; está na forja uma secção, no Mar Salgado, dedicada ao mundo retratado na imprensa regional, estruturalmente antitético em relação à blogosfera), vem uma pequena entrevista com o proprietário de uma das mais conhecidas ourivesarias de Coimbra, também senhor de uma provecta idade. Referindo-se à crise que afecta o sector, o ourives não teve dúvidas: a culpa é das grandes superfícies, que levam as pessoas a consumir mais do que precisam, não sobrando depois dinheiro para outras coisas. Claro que, aplicada ao sector da ourivesaria, a afirmação tem um sabor peculiar e não podemos deixar de sorrir. Mas... como não sentir um íntimo afecto por tudo o que este homem representa?
posted by PC on 4:55 da tarde
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VOCAÇÕES: Depois da entrevista de ontem à RTP, reforcei a convicção de que o péssimo candidato Durão Barroso - quem não se lembra da conversa do suschi com a peixeira - deu lugar a um bom PM, com o tal "sentido de estado" que apregoava, em plena campanha eleitoral, aos desconfiados eleitores. Do mesmo modo, a boa imagem deixada por Ferro Rodrigues na tutela da Segurança Social tem sido desbaratada enquanto lider da oposição. A sua mais recente declaração "O PS está a construir uma alternativa credível a este Governo..." é risível. Tomada a sério e caso a inspiração fosse o anterior governo PS penso que haveria motivos para uma intervenção da NATO, em socorro deste seu membro.
posted by Neptuno on 12:01 da tarde
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CONSAGRAÇÃO TOTAL: Sentimo-nos um pouco como a Nicole Kidman na cerimónia dos Óscares. Paralisados pela emoção. Quase sem palavras. Com medo do que vamos dizer, porque pode muito bem soar rídiculo e pretensioso. Mas encontrámos esta frase num blogue muito bem escrito: «...Por isso, ainda que haja poetas, euro-deputados, jornalistas, colunistas eu continuarei a achar os desconhecidos lobos do mar os melhores bloggers da comunidade...».
Enfim, um notório exagero. Que nos enche de vaidade (pronto, somos humanos). Ser elogiado por quem escreve tão bem é o nosso pequeno momento de consagração. Os nossos sinceros agradecimentos (nesta altura começamos a balbuciar lacrimejantemente a nossa gratidão pela família, pelos amigos e pelo cão).
Ah, é verdade: o blogue chama-se Santa Ignorância, o que como se conclui das sábias palavras acima transcritas, só pode ser mais uma figura de estilo.
posted by NMP on 11:14 da manhã
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MEMÓRIA: Nos bons tempos em que a malvada admnistração Bush e seus acólitos, não impunham ainda o pensamento único neo-liberal, ocorreu em S. Tomé e Príncipe uma "revolução do povo". O Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP) ascende ao poder em 1975, decreta o regime de partido único e nomeia os delegados à Assembleia. Nacionaliza as plantações de cacaueiros e transforma o Estado em proprietário de 90% delas. Até 1985 recebe a visita de inúmeros "conselheiros técnicos" e militares angolanos, cubanos e soviéticos. Só a partir dessa data, o Presidente Pinto da Costa abandona a "economia dirigida", perestroika oblige. O multipartidarismo é adoptado em 1990, tarde de mais, porventura. A memória faz bem à saúde.
TIRO NO PRÓPRIO PÉ: (via Jaquinzinhos) Eu vi. Na entrevista de ontem no programa de economia da SIC Notícias, Ferro Rodrigues não se cansou de acusar o actual governo de «manigâncias nas contas públicas». O jornalista (Sérgio Figueiredo) ia contrapondo que o governo a que Ferro pertencera adoptara medidas idênticas. O entrevistado foi insistindo na sua tese, forçando o jornalista a indagar a partir de que momento ou grau é que estas medidas, também tomadas pelo anterior governo, se deveriam considerar manigâncias. A resposta, como se calcula, não foi brilhante (nem podia ser).
posted by NMP on 6:56 da tarde
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É SIMPLES: Se há coisa que os portugueses têm apurada é a capacidade de reduzir qualquer problema a uma expressão simples. Ontem, na (justa) manifestação em frente ao Parlamento contra a criação do concelho de Canas de Senhorim, um cidadão de Nelas foi interpelado pelas televisões sobre a causa deste disparate. Astuto, respondeu "...isto mete casamentos ! isto mete casamentos !...", "... o senhor secretário de estado tantos do tal (não fixámos o nome) é casado em Canas de Senhorim...". Qual aritmética eleitoral, qual populismo que leva a promessas eleitorais, qual problema de ordenamento do território. Tudo se resume a questões de alcova. Com nítidas vantagens. Para quê complicar ? Porquê um veto presidencial ? O senhor secretário de estado divorcia-se e está o caso arrumado.
posted by NMP on 6:27 da tarde
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A EUROPA NO SEU LABIRINTO: A evolução da economia europeia começa a forçar o debate sobre a revisão do Pacto de Estabilidade. O Banco Central Europeu entende ter pouca margem para baixar mais as taxas de juro, por forma a incentivar o investimento. A quebra na produção europeia levou a uma diminuição das receitas dos Estados via imposto. Como as despesas públicas são praticamente inflexíveis, a França e a Alemanha arriscam-se a não cumprir o limite de 3% do défice público acordado entre todos os países da UE (ver aqui). Este é o primeiro grande teste à União Económica e Monetária (o caso de Portugal, sendo importante para nós, não representa muito em termos agregados).
O princípio da disciplina financeira deveria ser mantido. Mas também é certo que o valor de 3% não tem nada de científico (é uma mera convenção, poderia ser 2,5% ou 3,5%). O problema de fundo coloca-se na incapacidade dos governos europeus em flexibilizar a despesa pública, através de, por exemplo, reformas nas suas administrações públicas, nas leis laborais e na Segurança Social. E o que aqui se joga é uma questão de credibilidade. Esta é fundamental para que os agentes económicos definam as suas expectativas e decisões, conhecenndo o quadro em que se movem. Qualquer medida tomada (incluindo uma revisão do Pacto) deverá ter este aspecto como principal preocupação. Sob pena de, no futuro, nenhuma decisão de política económica da União Europeia ou do Banco Central Europeu produzir os efeitos pretendidos.
Por cá, os socialistas terão a tentação de se sentirem vingados. É bom lembrar-lhes que deixaram derrapar o défice num período de expansão económica, como o país não teve igual. A esta irresponsabilidade somar-se-ia a desfaçatez de se congratularem com a incapacidade alheia. Uma espécie de celebração da impotência política comum.
posted by NMP on 3:13 da tarde
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A CRISE E O FUTURO: Para os que se interessam por gestão e estratégia. Com os mercados financeiros lentamente a recuperar e as operações de fusões e aquisições a ressurgirem, começa a ser tempo de voltar a pensar em caminhos futuros. Este artigo do Economistfaz uma súmula dos traumas deixados pelo rebentamento da bolha da Internet e das pistas que vão surgindo para as opções estratégicas das empresas. A preocupação de pensar e intuir o futuro é um sinal de que o pior poderá já ter passado na crise económica mundial.
posted by NMP on 2:42 da tarde
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MÁRIO SOARES: Ouço-o hoje em directo na TSF, e uma vez mais confirmo um impressão: no racíocinio político, este Soares ja não é mesmo. Quando se relê a entrevista/biografia que escreveu a meias com Maria João Avillez, que se espraia por três deliciosos volumes, encontra-se agilidade, criatividade e fôlego. Eu sei que Soares nunca foi santinho, e dou de barato a pele de provedor da independência dos media, que Soares agora veste, quando acusa os mesmos media de hoje, de terem encoberto as "mentiras" de Bush e Blair. Lembro-me bem do tempo em que ele, 1º ministro, remetia para a prateleira da RTP, as reportagens de Barata-Feyo sobre a UNITA.
O que me entristece são outras diatribes. Como a da campanha contra Santana, o do "assalto da direita populista" à camâra de Lisboa, em que se associou aquele mágnifico momento de music-hall, que foi o de Carlos Cruz a ler uma mensagem enviada além-túmulo por Cunhal. Ou quando tendo perdido as eleições para a presidência do Parlamento Europeu, resolveu caracterizar a senhora que o derrotou como "uma boa dona de casa".
Agora, prevê para o mundo uma "era de violência e vulgaridade" e urra contra o "rolo compressor do pensamento único neo-liberal", apontando à administração Bush (que não à America, note-se) a paternidade de tudo isto. Superficialidade, ódio vesgo (Bush é bebâdo ou drogado, como na canção dos irmãos Catita), despeito evidente.
Ensinava Cícero, na Velhice de Catão-o-Velho, "que os velhos são lentos, rabujentos, díficeis de aturar e vendo bem, avarentos. São estes porém, defeitos de carácter e não propriamente da velhice". Será?
SUCESSÃO: Os loucos sãos, que aturo no consultório, os que querem "ser felizes" são uma imensa maioria. Gosto muito de Eliot, mas gosto mais de Goethe: "Não há nada mais difícil de suportar do que uma sucessão de dias belos".
Por isso a suplicante que perdeu a filha única é serena.
Por isso Odin se aborrecia tanto no Valhalla.
Por isso o toiro tem tanto a aprender com o boi.
Por isso entre a Eucaristia e a Paixão se bebe um copo de vinho.
We shall not cease from exploration
And the end of all our exploring
Will be to arrive where we started
And know the place for the first time.
Through the unknown, remembered gate
When the last of earth left to discover
Is that which was the beginning;
At the source of the longest river
The voice of the hidden waterfall
And the children in the apple-tree
Not known, because not looked for
But heard, half heard, in the stillness
Between the two waves of the sea.
Quick now, here, now, always -
A condition of complete simplicity
(Costing not less than everything)
And all shall be well and
All manner of things shall be well
When the tongues of flame are in-folded
Into the crowned knot of fire
And the fire and the rose are one.
Little Gidding V, Four Quartets. T.S. Eliot (1943)
posted by NMP on 8:08 da tarde
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DESCANSO: Sónia Fertuzinhos ascendeu ontem à liderança do "Departamento Nacional das Mulheres Socialistas". Vibrantes Marias, a Carmo Romão e a Antónia Palla estiveram presentes, e foram lidos poemas de Rosa Lobato Faria. Juro. A nova presidente apela ao "consenso interno". Ora aqui está o meu descanso. Bukharine não se lembraria de melhor tarefa para manter mulheres eternamente entretidas.
posted by FNV on 12:35 da tarde
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REVANCHISMO (3): Certos sectores da esquerda não conseguem analisar questões que envolvam os EUA sem que "lhes fuja o pé para o chinelo". Raramente conseguem evitar a queda na lógica da guerra fria. O facto de, durante anos terem defendido ou convivido bem com regimes totalitários de esquerda - responsáveis pelas maiores atrocidades do século XX - leva-os a uma necessidade permanente de diabolização dos EUA, como uma nação tirana sempre de "dedo no gatilho" (citando o NMP), procurando dessa forma aliviar a sua própria consciência. Esquecendo que se trata de uma democracia, que o debate é livre e aberto e que os seus governantes têm que responder perante os eleitores.
posted by Neptuno on 12:09 da tarde
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COMPAY: Para além da sua música, guardarei para sempre aquele momento extraordinário ocorrido há poucos anos na Aula Magna em que Compay, na plenitude dos noventa, parte uma corda da guitarra a meio de uma música perante o delírio do público, que já o aclamava. Foi uma autêntica lição. De alegria e de paixão pela vida, bem vivida até ao fim. Hasta siempre!
posted by Neptuno on 11:46 da manhã
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REVANCHISMO (2): Parece que tive uma premonição, ao escrever o post de ontem com o mesmo título. Pois hoje, Vital Moreira no seu artigo no Público ilustra bem aquilo a que me referia. A fúria argumentativa revanchista atinge o seu auge na frase escolhida para destaque: "Estamos agora em condições de saber que, quando Bagdad denunciava como mentiras as alegações de Washington relativas às armas de destruição maciça, era do lado iraquiano que estava a verdade".
E os dez anos de sanções ao Iraque aprovadas pela ONU foram resultado de manipulação americana ? Nesse caso, a credibilidade da ONU foi reforçada ou balada ? E o gaseamento dos curdos pós-guerra de 1991 foi uma invenção do complexo político-militar americano ? E as manifestações de regozijo dos iraquianos pela sua libertação são falsas ? O Iraque é hoje um sítio mais recomendável ou não ? A recomposição das alianças a nível regional (com o progressivo afastamento dos EUA da Arábia Saudita, porventura graças ao 11 de Setembro) não importa ? E a autoridade adquirida pelos americanos naquela área do globo, que lhes permite pressionar Israel e os palestinianos a sentarem-se à mesa das negociações ? O regime de Saddam e de Comical Ali era um regime de verdade ?
A realidade não interessa, perante a perspectiva de reafirmação e caucionamento da visão conspirativa da América que o artigo representa. A busca de armas e de tecnologia de destruição maciça continua, mas os espíritos mais empedernidos do anti-americanismo voltam a mostrar as suas garras.
posted by NMP on 9:41 da manhã
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PRIVATE JOKE?: Afirma João Lisboa (JL), na Única de Sábado, que a ironia de Lou Reed, ao tocar Smalltown em Coimbra, terá passado despercebida à assistência. E tem razão: segundo a minha sondagem pessoal, efectuada in loco, 83% das pessoas não entendiam inglês; 27% não conheciam o significado da palavra "ironia"; e 97% (entre os quais o próprio Lou Reed) esperavam ansiosamente a crónica de JL para que se fizesse luz sobre tão complexa relação. Felizmente, o arguto JL estava lá e a coisa não lhe passou despercebida.
Pergunto-me se o povo que escreve para os jornais alguma vez lê os textos segunda vez antes de os entregar.
posted by PC on 9:35 da manhã
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PSICOLOGIA: Vejo pouca psicologia pela blogosfera. Ainda bem, sinal de gente despachada. Sou aquilo a que supunha que se poderia chamar um psicoterapeuta rodado. Já fiz psicodrama (não fazemos todos?), psicoterapias a heroínomanos, psicoterapia infantil. Dou uma cadeira anual sobre o tema, mas passo o ano a ensinar Séneca, Sade, Pascal, Aristóteles Petrarca, Epicuro, Kierkegaard, e quejandos. No meu consultório já não aturo loucos, excepto os que querem ser felizes. Especializei-me no adultério, no totó, na má sogra ou na nora venenosa, na gorda, no remorso. Suponho que afinal, serei mais propriamente um " Prof. Karamba" algo céptico.
posted by FNV on 2:28 da manhã
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EDIÇÕES RUSSAS: muito agradeço as informações e a crítica de Luis Abel Ferreira ao meu post "BULGAKOV". Não tanto por me informar que existem edições portuguesas de Pushkin, o que já sabia, mas pela boa novidade (para mim), da existência de edições portuguesas de Bulgakov. Vou tentar encontrá-las, sobretudo "Margarita e o Mestre". Resta que "uma cangalhada " de edições significará precisamente o que eu disse quanto ao tratamento dispensado a autores russos novecentistas e adjacentes. Mas seguindo o conselho amigo do Luis Abel Ferreira tentarei descortinar exemplares de Bely ou de Tyutchev. Adquiri recentemente uma edição curiosíssima do "Fumo" de Turgenev ( ou Turguiénev, tanto faz), uma tradução directa do russo, de Manuel Seabra, Ed. Futura, de 1974.
posted by FNV on 2:07 da manhã
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REVANCHISMO: Pensámos não voltar ao tema. Mas parece começar a surgir um pouco por todo o lado uma espécie de revanche dos sectores anti-guerra do Iraque. Os temas usados são as armas de destruição maciça, os presos de Guatanamo e o eventual conhecimento prévio dos atentados de 11 de Setembro pela Administração americana. Estes temas são diferentes entre si. Um é apenas um descabelado disparate (a questão do 11 de Setembro). A questão das armas de destruição maciça ocupa os espíritos mais formalistas, que apenas considerariam uma guerra com a declaração da ONU e provas vivas da existência destas armas (espera-se que não apenas com a sua eventual detonação). O problema dos presos de Guantanamo é um teste à capacidade americana de viver de acordo com os princípios que proclama e pretende exportar para o Mundo.
Mas na forma como todas estas questões são abordadas pelos sectores anti-americanos há um ponto comum. A visão conspirativa da América. Como a terra dos cowboys, sempre prontos a disparar. Onde o complexo político-militar esconde dos cidadãos a verdade. A alegria dos iraquianos perante a sua libertação não é nada perante a hipótese de sustentarem a posteriori esta sua visão. Talvez seja por isso bom recordar alguns factos básicos.
Estes debates têm ocorrido sobretudo na sociedade americana. Que é uma sociedade aberta, como muitos países europeus não são. Onde o público jamais aceitará que a administração lhes tenha mentido ou ocultado, relativamente a questões como as armas maciças. Onde nenhum governante poderia mandar colocar uma bomba num barco do Greenpeace sem ser investigado e sancionado, como os campeões da paz e do multilateralismo franceses fizeram. País onde o problema dos direitos dos presos de Guatanamo é discutido aberta e frontalmente. Onde não se coloca a hipótese de eliminação sumária dos suspeitos de terrorismo, como ocorreu com os membros do grupo Bader Meinhof.
Se se provar que Bush argumentou para lá do aceitável no debate político, mentindo e ocultando, não tenham dúvidas que será punido eleitoralmente. E outra administração entrará na Casa Branca. Que não hesitará em usar o poder americano para defender a segurança dos EUA. Que sendo democrata talvez até tenha um gatilho mais rápido (lembram-se do Vietname, da Somália ?). E caso haja mais ataques da Al-Qaeda em solo americano, essa nova administração irá reagir de forma dura - talvez até sem a mesma contenção da administração Bush (Clinton bombardeou o Iraque sistematicamente durante oito anos, bem como os campos de treino da Al-Qaeda). E se a Al-Qaeda resolver mudar de destino e atacar na Europa, a quem é que os senhores pensam que os governos europeus vão pedir ajuda ?
posted by NMP on 2:03 da manhã
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NECROLOGIA: Nesta segunda-feira faleceram dois homens que eram um símbolo de vida cheia. Em Cuba desapareceu um músico de excepção. Que passou por agruras imensas durante os excessos da Revolução cubana, que pretendeu apagar tudo o que existia antes dela. Mas como tudo o que está ligado á verdadeira natureza dos povos sobrevive aos desmandos totalitários, Compay regressou com cerca de 90 anos para recolher os saborosos frutos do sucesso. O álbum Buena Vista Social Club, de que foi um dos maiores responsáveis, foi antes de mais um acto de justiça para toda uma geração de cantores cubanos. E uma fonte de prazer para os que, como nós, se deliciam com a música tradicional cubana. Morreu ontem com 96 anos. Dizia que a receita para uma vida longa e feliz era um charuto, rum, música e as mulheres. Fica-nos a sua música e a sua lição de alegria de viver, mesmo perante o infortúnio.
Por cá desapareceu um homem íntegro, ensaísta e intelectual profícuo. Com 80 anos, Henrique Barrilaro Ruas publicou o ano passado uma edição comentada dos Lusíadas (a Bíblia da Pátria, como lhe chamava) que lhe havia tomado oito anos de trabalho sistemático. Não somos monárquicos, mas concordamos com o Pedro Mexia: sempre nos pareceu um dos melhores representantes desta causa. Com grande abertura de espírito seguia tudo o que era novo: o seu último texto foi publicado aqui na blogosfera. No Lusitana Antiga Liberdade, que reúne alguns dos seus compagnons de route.
posted by NMP on 1:25 da manhã
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SABEDORIA DE LEITOR: A propósito do post Bulgakov do velho lobo do mar FNV recebemos um e-mail do nosso velho amigo e poço de cultura editorial Luís Abel Ferreira. Dá-nos conta de edições portuguesas de Bulgakov e Pushkine. Ter leitores como o Abel é uma honra, um prazer e um estímulo que transformam a edição diária deste blogue num desafio permanente. Um abraço de agradecimento para ele.
(...)Como não concordar consigo, sobre os livros em Portugal?! Mas, trago-lhe estes exemplos,
Do Bulgakov, há uma cuidada edição da «Margarita» tradução do russo por António Pescada (ed. Contexto). Ora, se é cuidada ou não não sei, mas parece (e eu gostei). Tem uma sobrecapa amarela e pode espreitá-la aqui.
Quanto ao Puhskine, o mesmo Pescada e a Âmbar publicaram as deliciosas «Novelas do Defunto Ivan Petróvitch Bélkin» (ver aqui). E há dois ou três anos tivemos poemas na Assírio e Alvim, tradução da dupla Nina e Filipe Guerra (aqui).
De ambos, há mais uma cangalhada de edições, umas antigas e outras mais recentes, suponho que todas de interpostas línguas... O melhor dos mundos? Claro que não! Ainda assim, mando-lhe as novas da paróquia (...)
posted by NMP on 12:58 da manhã
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AMERICA GOES BACKWARD: É o título do artigo de Stanley Hoffmann sobre a administração Bush, publicado na New York Review of Books de 12 de Junho (obrigado ao sempre atento amigo Fernando Rocha Andrade!). É a opinião de um homem do lado de cá do muro, como se costuma dizer por aí. Só dois teasers, no seguimento das conversas de Guantanamo: "the shrinking of democracy at home does not go well with the spread of democracy abroad"; e "the anti-Americanism on the rise throughout the world is not just hostility toward the most powerful nation, or based on the old clichés of the left and the right; nor is it only envy or hatred of our values. It is, more often than not, a resentment of double standards and double talk, of crass ignorance and arrogance, of wrong assumptions and dubious policies". Há gente lúcida em todo o lado.
A NOSSA BARCA: O Mar Salgado é um blogue generalista com textos individuais de 5 escribas-navegantes. A sua tripulação é composta por NMP e FNV com tendência mais direita e PC mais descaído sobre a esquerda. Acompanha-nos o patrocínio divino de Neptuno que, como boa entidade divina, alinha pelas teses mais destras. O Velho do Restelo era suposto ir dizendo de sua justiça, mas provavelmente ainda não encontrou nada para questionar, pelo que mantém um reservado e prudente silêncio. Mensagens, comentários, protestos e sugestões para lobosdomar@hotmail.com.
posted by NMP on 7:31 da tarde
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PORTUGAL NO SEU PIOR: Fórum TSF. 10 e picos da manhã. O tema é a sinistralidade rodoviária. A «guerra civil» portuguesa. Os responsáveis da GNR e da D.G. Viação presentes desfilam os trágicos números do costume: 30 mortos na estrada só neste fim de semana, previsão de cerca de 1400 mortos durante este ano, mais de 300 detidos em cada fim de semana por excesso de alcool. Enfim, nada de novo.
A antena abre-se ao público. A primeira senhora acha que a culpa é do Estado. Que não faz boas estradas. Que não controla a qualidade dos condutores. A seguir um místico defende a tese científica (?) de que só quando os portugueses conhecerem o seu biorritmo é que poderão conduzir com prudência. O biorritmo, diz o nosso cientista, afecta as capacidades de condução, especialmente nos períodos mentruais das mulheres (?!) e, portanto, a Lei devia prever que durante dois ou três dias por mês (os tais do biorritmo alterado) as pessoas não poderiam conduzir.
Aqui está espelhada uma das nossas piores características. A nossa total irresponsabilidade. Matamo-nos nas estradas porque conduzimos mal e depressa demais, porque bebemos alarvemente e guiamos (sintomaticamente, é entre as 3 e as 6 da manhã que há mais acidentes mortais). Mas quando toca a explicar estes factos a culpa é sempre de outrém. Do Estado ou do biorritmo. Não há a mais pequena noção de responsabilidade individual. E se calhar, esta constatação não se aplica apenas à estrada.
posted by NMP on 7:05 da tarde
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REFÚGIOS: Uma das consequências mais lamentáveis do progresso, da melhoria das capacidades económicas de um cada vez maior número de cidadãos e da inerente "evolução social" (whatever that means) é sem dúvida a extinção acelerada dos nossos locais de refúgio: aquela praínha linda e sossegada com bons petiscos por perto, aquele turismo rural perdido no interior, o tal restaurante e a tal esplanada com o barzinho catita, aquele jardim, etc.
Notícias como "Exibição de filme de Harry Poter esgotou drive-in de Loures" são cada vez mais raras. E os abomináveis shoppings já não "seguram" a população com a mesma facilidade de outrora. Já quase não há lugares (bons) "à prova de enchente." Felizmente, pude crescer a frequentar livremente certos lugares que tomava por adquiridos para o resto da vida. Infelizmente, tais lugares desapareceram, encheram ou são hoje... um luxo. E, a certa altura, já não há lugares novos para substituir os antigos. E o luxo é bom, mas não tem a magia nem a intimidade do livre acesso e da descoberta daqueles lugares que mais ninguém conhece. E é caro.
Vejo com apreensão o precipitar dos acontecimentos. A denúncia dos refúgios dos conhecidos, seguidos dos amigos e familiares até chegarem aos que nos restam e, finalmente, acabarmos todos a escrever posts como este.
Valha-nos S. Blog!
posted by Neptuno on 4:28 da tarde
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ORA PRO NOBIS: respondem os fiéis às ladainhas (do grego "litaínein", suplicar, orar) cantadas pelo oficiante ao invocar repetidamente, Cristo, a Virgem, santos e santinhas. É o que me apetece responder, ora pro nobis, rogai por nós, à Drª Maria Barroso depois de ler a entrevista da senhora ao Público de hoje. Era de esquerda e agnóstica, descobriu a fé depois do acidente do filho, e agora ficou com as duas coisas (três, graças a Deus, se contarmos com o filho). Mas os velhos hábitos não se perdem. A senhora, no caso Casa Pia, "partilha da tese que há uma intenção de denegrir sobretudo um certo sector político". Deve tratar-se de uma reinterpretação peculiar da frase que Cristo diz, quando Maria Madalena, na manhã do dia de Páscoa, o reconhece (tinha-o confundido com o jardineiro): "Noli me tángere", que é como quem diz, não me toques.
posted by FNV on 12:11 da tarde
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TRÊS PENSOS RÁPIDOS: O Expresso continua surpreendente! Primeiro: dêem aos portugueses, para que eles dissertem a propósito, o tema "A tosquice política da semana". 90% dos inquiridos de boa fé falariam, evidentemente, do constrangedor e indelicado discurso de Mota Amaral na recepção ao Presidente Lula da Silva. Pois, para Fernando Madrinha, isso não é nada ao lado do já mundialmente famoso "Caramba" do PR, ao qual dedica 1/3 da sua crónica semanal. Ó FM, apesar de tudo, o Lula é Presidente, caramba! Segundo: fui leitor indefectível e interessado de João Carlos Espada antes de ele descobrir a sua vocação mística. Hoje assisto com algum incómodo às suas manifestações de júbilo pelo facto de o capelão jubilado da Igreja Anglicana de Cascais ter estado presente nos Encontros realizados na mesma terra - sinal claro, para JCE, de que "o diálogo europeu-americano não nega, ao contrário da Constituição Europeia, a matriz cristã da civilização transatlântica" (pausa embaraçada). Terceiro: confrontada a entrevista a Filomena Pinto da Costa com a regra III do Código de Conduta publicado na mesma edição, não pode deixar de se tirar a conclusão a que chega a Flor de Obsessão: "o código de conduta do Expresso entra em vigor na próxima semana".
posted by PC on 9:46 da manhã
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PROCESSOS DE GUANTANAMO: Para quem ainda estiver interessado nos processos de Guantanamo, aqui vai o último artigo do Guardian. Da blogosfera portuguesa, transcrevo, com a devida vénia e calorosas saudações, a parte final do notável post do Causidicus (mas deve ler-se o post na íntegra): "nenhum destes desvios aos princípios elementares do Estado de Direito pode ser justificado por razões de segurança militar ou protecção de segredos de Estado sob pena de o Estado de Direito deixar de existir. É até possível, dependendo da consciência dos intervenientes, que se realizem julgamentos minimamente justos, mas se, para nos defendermos do terrorismo, aceitarmos este tipo de regras, quem defenderá os cidadãos do arbítrio ou do terrorismo do próprio Estado? Importa que estas questões sejam avaliadas detalhadamente e em tempo útil por instituições credíveis com obrigações ao nível da defesa dos direitos humanos. Não está excluído o risco de em vez de Justiça virmos a assistir à prática de crimes contra a Humanidade". Como se depreeenderá dos meus anteriores posts sobre o assunto, concordo, em quase tudo, com os comentários de NS, que, além do mais, teve o cuidado de ler as fontes originais para emitir uma opinião fundada. Só um curtíssimo comentário:
Em primeiro lugar, não sou um crente incondicional na vertente positiva da "legitimação pelo procedimento" (sc., a legitimação não se esgota na adequação do procedimento); mas não acredito num processo penal justo fora de um procedimento adequado. Ora, essa condição está irremediavelmente frustrada quando se fabrica uma jurisdição "especial" para julgar estes crimes (li recentemente, em sítio cuja referência se perdeu já no meu desarrumado sótão mental, um ensaio interessantíssimo sobre o recorrente uso da palavra "especial" com o intuito de justificar os mais graves atropelos às garantias individuais; comprometo-me a voltar ao tema assim que topar com a dita referência). Não é por acaso que as democracias evoluídas proíbem os tribunais excepcionais (vd. o art. 209º, nº 4, da Constituição Portuguesa). Em consequência, não posso aceitar a ideia de "julgamentos minimamente justos", ao sabor da consciência dos intervenientes: estes julgamentos serão, necessariamente, injustos (permito-me linkar de novo, a propósito, o artigo do Observer de 6 de Julho, intitulado "A grave injustice").
Em segundo lugar (e aqui estou certo de que NS estará de acordo), convém lembrar que o fair trial não existe para sossegar as consciências dos que punem os criminosos - mas sim para determinar se aquelas pessoas são criminosas. Infelizmente, esta evidência não aparece como tal aos olhos de muitos "liberais", que encaram o fair trial, neste caso, como um ónus indesejável mas necessário (porque imposto pelas nossas regras civilizacionais) que incumbe a quem já adquiriu o direito de punir os acusados. Porfiemos, pois, contra o confusionismo.
POIS É, POIS É: O Dicionário do Diabo, ou Pedro Mexia, se me libertam destes salamaleques, revela falta de pachorra para com o ápodo de fascista que um qualquer escriba aplicou a um filme em exibição, o da cabine telefónica, segundo parece. E Pedro Mexia também não tem paciência para o Prof. Boaventura, que afainadamente descobre todos os dias novos fascismos. E tem razão o Pedro, embora limite enciclopedicamente o período fascista ao intervalo 1922-1945. Por isso sugiro aos aprendizes de Boaventuras que se dignem a advinhar de qual Forum Social, ou grupelho de Portalegre, saíram estas exigências: "voto para as mulheres", confiscação dos bens das congregações religiosas", salário mínimo", "reforma agrária". Não sabem? Foi na reunião seminal dos Fasci de Combatimento, ocorrida a 23 de Março de 1919 na Piazza San Sepolero, em Milão e presidida por Ferruccio Vecchi. Pura gema fascista, in limine litis.
posted by FNV on 10:00 da tarde
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PEDRITO DE PORTUGAL: Vai pagar 100.000 euros de coima por ter morto um toiro na Moita, em 2001. Está certo: se tiver de escolher entre a minha costela de aficionado e a lei, paciência. Mas vamos às notas da corrida de ontem, também na Moita. Pedrito esteve muito bem no seu primeiro toiro, um negro-píston de 440 kg, bem encastado, ao contrário do terceiro de João Moura, que ultrapassava os 600 kg e que passou mais tempo na areia do que a humilhar. Como dizia César Gomez, que foi dois anos presidente em Las Ventas, querem-se bichos bem enmorrilados no seu encaste, dispensam-se os bois. Se é certo que Pedrito não chega ao nível de El Juli, Victor Puerto ou de Finito de Córdoba, anda lá perto. E ontem esteve muito bem, nesse seu primeiro, por duas razões. A primeira é porque interpretou com elegância a triologia do diestro: quietud, verticalidad y ligazón. Depois porque mais uma vez resgatou a faena de capote executando uma série de três tafarellas sublimes, que me hão-de ficar na memória. Olé!
Mar de opinioes, ideias e comentarios. Para marinheiros e estivadores, sereias e outras musas, tubaroes e demais peixe graudo, carapaus de corrida e todos os errantes navegantes.